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terça-feira, 24 de setembro de 2024

 A OUTRA MULHER


Dina Dominick

 

– Me conta a verdade, filha. Onde está sua mãe?

– Ela está bem aqui, pai. O senhor acredita em mim?

Ombros arqueados, cabelos desalinhados, a cozinha do almoço por arrumar. Mesmo cansada, ela buscava aprovação, enquanto ele me respondia:

– Que nada! Essa é a Terezinha, minha irmã. Eu não sou bobo. Vocês querem me tapear. Falem de uma vez: ela está internada ou sepultada?

– Olha com calma pra ela, pai. É a sua mulher.

– Vai ver um ordinário inventou futrica com o meu nome e a Lourdes foi embora. Ô, Jesus, eu nunca tive outra mulher, nunca. Me leva, Santíssimo! – Rogava desamparado.

Comovida, minha mãe acolheu clandestinamente o que seria mais uma declaração de amor que uma oração de súplica.

A tia Ozita mostrou fotos de família, situou o casal.

– A aparência é muito diferente – contradizia meu pai, desconfiado, examinando de longe a mulher, enquanto ela deixava a sala.

Minha mãe se trancou no banheiro em silêncio. Fiquei ainda mais triste. Talvez estivesse chorando. Respeitei a privacidade dela.

Não demorou muito até que ela voltasse. Postou-se em frente a ele, rejuvenescida: vestido de estampa floral, lábios realçados de batom, delicado sorriso.

– Seu pai deve estar se lembrando de mim como eu era quando nos casamos.

Paciente, ela aguardava uma reação.

Meu pai observava a mulher com curiosidade. Balançava a cabeça, negando.

Então, ela soube o momento certo de desistir a fim de aliviar o sofrimento do marido. Havia se preparado também para isso. Não se tem sempre razão. Sentou-se ao lado dele e propôs com doçura:

– Meu bem, sua filha veio tomar café com você.

Ele providenciou a bebida quente e forte, mas não tomou – embirrado, cismando. Relutante, aceitou a água e a sugestão de repouso.

Despertou calmo, bem-disposto, são.


Fonte: Acervo pessoal da autora. 


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Dina Dominick é de Belo Horizonte, graduada em Letras pela UFMG. Produz conteúdo sobre literatura, em seu  perfil, no Instagram: @dinamariadominick. Tem contos publicados no jornal RelevO, na revista Artes do multiverso e em coletâneas da Editora Selo Off Flip. A Outra Mulher é seu livro de estreia. 

terça-feira, 17 de setembro de 2024

A EXPERIÊNCIA DE PUBLICAR UM LIVRO NO PNLD LITERÁRIO


Bruno Palma e Silva


Dizem que nada na vida é por acaso e, ter um livro aprovado no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD Literário, foi, no meu caso particular, uma sequência de eventos felizes. E é também como dizem: quando a oportunidade aparecer, esteja pronto!

Comecei escrevendo num blog, sem grandes pretensões. Belo dia, uma amiga, ex-colega de editora, me pediu alguns textos para trabalhar num curso que estava fazendo. Enviei a ela alguns, fizemos uma seleção, trabalhamos na preparação.

Outro belo dia, quem me ligou foi um amigo, também ex-colega de editora, contando que havia sido anunciado o PNLD Literário e perguntando se, por acaso, eu não teria um livro que quisesse inscrever. Por acaso, eu tinha. Tomei coragem, ele gostou e trabalhamos na edição.

Aqui vai minha primeira impressão: a corrida é grande, e é preciso muitas mãos – ou pernas – para vencê-la. A janela entre o anúncio do edital e a finalização das inscrições se fecha rápido e é preciso preparar e pensar em muita coisa. Tive a sorte de estar ao lado de gente generosa e competente.

Meu livro, um volume de contos e crônicas curtos, com algumas ilustrações minhas, foi inscrito na categoria 6 – destinada a estudantes do Ensino Médio.


Fonte da imagem: Acervo pessoal do autor.


Enviada a inscrição, chega a hora de esperar. Naquele ano, por exemplo, foram quatro ou cinco meses entre a inscrição e o resultado da avaliação.

Era o dia do meu aniversário quando eu recebi uma ligação do meu editor com a notícia: “seu livro foi aprovado!”. Eu estava numa loja encomendando uma moldura para um uma gravura que tinha ganhado da minha esposa: “A grande Onda de Kanagawa”, do japonês Hokusai (1760-1849). E foi, realmente, uma onda de felicidade.

Fui para a editora saber mais e tive minha segunda impressão sobre o processo: o MEC leva muito a sério a escolha das obras. Recebi um parecer do meu livro, feito por uma especialista, tão detalhado que nele constavam aspectos que nem eu tinha, conscientemente, colocado nos textos. Tudo – do tema dos textos às figuras de linguagem utilizadas, passando pela isenção de apologias e preconceitos – é analisado em detalhes, pensando na melhor formação dos jovens.

A partir daí, há o envio de documentos e comprovações – até onde acompanhei, o rigor e a honestidade dos processos são inquestionáveis. Os títulos participantes são disponibilizados num catálogo às escolas e bibliotecas, que fazem a escolha do que vão querer para seus estudantes.

Após as negociações, o MEC faz, finalmente, o pedido dos livros. As editoras, então, providenciam a impressão e fazem toda a logística de enviá-los para diversos pontos do país. No meu caso, o pedido foi de exatos 69.682 exemplares e mais um pedido complementar de 10.000, chegando a quase 80 mil livros!

Aqui divido minha terceira grande impressão sobre o edital: além, de beneficiar leitoras e leitores, o PNLD também ajuda autores e editoras – especialmente os iniciantes, como eu, e as casas pequenas, como a que me publicou. Chega a ser inacreditável pensar que meu primeiro livro atingiu essa tiragem.

Por fim, minha última e talvez mais forte impressão sobre a história toda: é fantástico participar de um programa tão abrangente e que transforma vidas. Porque os livros foram distribuídos a alunos e professoras que, infelizmente, sabemos que não teriam condições de comprá-los, e muitas vezes vivem em locais onde sequer existe uma livraria.

Até hoje, anos depois, recebo mensagens gentis de estudantes e professores que utilizaram meu livro em sala de aula ou o levaram para casa. Alguns me pedem ajuda para trabalhos valendo nota, outros dividem comigo momentos de descanso.

Pois, de tudo, o que de melhor o PNLD me trouxe, foram milhares de amigas e amigos por todo o país. Aqui de Curitiba pude me ligar ao Acre, ao Mato Grosso, à Bahia, ao Ceará... e nos identificamos nas “pequenas ocasiões que nos fazem quem somos”.

Escrever é um ato solitário, mas publicar é coletivo. Esta foi a mais poderosa e gratificante experiência da minha vida como escritor e recomendo, de coração, a todo mundo que um dia puder participar.

Viva os livros! Viva o PNLD!


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Bruno Palma e Silva possui MBA em Book Publishing (Labpub) e é bacharel em Design Gráfico (UFPR – Universidade Federal do Paraná). Atua no mercado editorial e de educação desde 2004 como designer, produtor editorial e autor. Também desenvolve, eventualmente, identidade visual, peças de design impresso e objetos de ensino digital. Iniciou em 2006 um blog, o Acepipes Escritos (http://acepipesescritos.blogspot.com/), cujos textos se tornaram leitura obrigatória no processo seletivo da Universidade de Brasília (UnB). Participa também de algumas revistas e antologias literárias.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

POR QUE LER SAMANTA SCHWEBLIN?

POR QUE LER ELENA FERRANTE?

& POR QUE LER LÍDIA JORGE?


Verônica Daniel Kobs


A Revista Scripta Alumni estará presente no Seminário Internacional da UNIANDRADE. 

O artigo "O Terror no Ventre: Imaginários de Maternidade em Samanta Schweblin", de Raquel Riera (UNICAMP), publicado na revista Scripta Alumni v. 26, n. 1 (2023), investiga como a escritora argentina usa o gênero fantástico para reverter a imagem tradicional da maternidade. A análise revela como a literatura pode desafiar as normas culturais por meio de narrativas perturbadoras. Convidamos você a participar de uma conversa com Raquel Riera, para discutir mais detalhadamente esses temas.

A revista Scripta Alumni apoia esta ideia!



Em outro artigo, também publicado em 2023, na Scripta Alumni v. 26, n. 2, sob o título "Convergência e Divergência entre Linguagem e Mente em Dias de Abandono", Cesar Paulo da Silva (UEPG) analisa como Elena Ferrante usa a linguagem para realçar as mudanças psicológicas de seus personagens. Para saber mais sobre essa e outras características da obra de Ferrante, não perca o bate-papo com o autor do artigo.

A revista Scripta Alumni apoia esta ideia!



Publicado no v. 27, n. 1 (2024) da revista Scripta Alumni, o trabalho "Efêmero Destino de uma Instantânea Eternidade: Os Passos Errantes pelo Labirinto do Ser em A Manta do Soldado, de Lídia Jorge", de Thiago Franklin de Souza (UFRJ), aborda o modo como o texto literário da autora portuguesa combina vozes e memórias, para tratar da identidade e de suas complexidades. Se você gosta de literatura e tem interesse nesses assuntos, venha trocar ideias com o autor do artigo.

A revista Scripta Alumni apoia esta ideia!




As três atividades farão parte da seção "Literatura em Revista", na programação do evento internacional que será realizado pela Uniandrade, com apoio da Florida University of Science and Theology, entre os dias 16 e 18 de outubro de 2024. Não dá pra perder!

Para acessar a programação completa do evento e fazer sua inscrição, siga o link:

https://teorialiterariauniandrade.blogspot.com/2024/08/centro-universitario-campos-de-andrade.html


* Todas as imagens foram produzidas com recursos do Canva Editor AI. Fontes: <br.freepik.com>, <capeiaarraiana.pt> e <em.com.br>. 


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Verônica Daniel Kobs: Pós-Doutorado em Literatura e Intermidialidade (UFPR). Professora e pesquisadora de Literatura e Tecnologia Digital. Coordenadora dos cursos de Mestrado e Doutorado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Idealizadora do blog Sarau Literário.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

ENTRE AS MARGENS DE GUIMARÃES ROSA:

ENTREVISTA COM GILSON DE BARROS

                                                             

Gilson de Barros

Nathalia Ribeiro e Fernandes


No post de hoje do blog Sarau Literário temos a entrevista com o ator teatral Gilson de Barros que atualmente está com adaptações das obras de Guimarães Rosa: 


Fonte da imagem: Acervo pessoal do entrevistado.


Nathalia: Olá, Gilson. Primeiro gostaria de agradecer seu aceite em conceder entrevista ao blog Sarau Literário.

Gilson: Eu que agradeço o convite!

Nathalia: Bom, como você conheceu a obra de Guimarães Rosa e qual foi a primeira sua primeira leitura dele?

Gilson: Creio que eu deveria ter 17 anos e participei de uma peça chamada “Imagens dos sertões” e era uma colagem de textos, que incluía um trecho do julgamento de Zé Bebelo. Na época eu comprei o livro e li só o julgamento. Quando somos jovens, não lemos muito, mas como eu tinha o livro (Grande sertão: veredas), com o tempo li todo. Esse primeiro contato foi muito especial. Já reli algumas vezes o livro, mas a primeira vez foi muito especial. Eu tinha por volta de 17 anos e não li o livro completo. Só aos 20 e poucos anos, li todo.

Nathalia: Foi um contato bem jovem. Interessante! E depois que conheceu a obra de Rosa, de onde surgiu a ideia de fazer a adaptação?

Gilson: Bom, eu me aposentei. Eu trabalhava na prefeitura do Rio de Janeiro, na Secretaria de Cultura e todo ator que se aposenta quer fazer seu monólogo e viajar. Ai eu pensei no Grande sertão: veredas, que foi um livro que eu já tinha contato sempre, mas eu não tinha ideia do recorte que iria fazer. O que eu fiz foi baixar um PDF e tudo que eu tinha marcado, fui colocando no arquivo miscelânea e partir desse arquivo é que eu comecei a ler na internet vários trabalhos acadêmicos sobre o livro e ai surgiu a ideia de fazer os “amores”, que foi a primeira adaptação. Tudo que era possível extrair sobre o tem amor, eu extraí do meu arquivo miscelânea e montei a primeira adaptação. Com as outras adaptações foi da mesma forma, as ideias foram surgindo a partir da leitura do meu arquivo e de trabalhos de mestrado e doutorado. Assim, que vou construindo a dramaturgia.

Nathalia: Assim surgiu a primeira adaptação que você chamou de “Riobaldo” ne?

Gilson: Isso! Ela tem a temática “amores de Riobaldo” e intitulei com o nome do personagem.

Nathalia: E depois vieram outras duas...

Gilson: Eu tenho duas prontas: “Riobaldo”, que foi a primeira e a segunda que é o recorte da temática bem e mal, que é “O diabo na rua, no meio do redemoinho” e a terceira é “O julgamento de Zé Bebelo”, que fala sobre a temática do jagunço, do que é o jaguncismo no Brasil. Essa não estreei. Vou estrear em outubro em São Paulo.

Nathalia: Pois é. Citei três, pois tive o privilégio de ver um pouco desse processo de criação da terceira e participei de uma leitura que você fez. Das duas que já estão em cartaz, qual você acha que é mais bem recebida pelo público?

Gilson: Eu acredito que “Riobaldo”, pois ali tem tudo. É um resumo do livro e trata da temática “amor” que não tem como não gostar. As outras, foi por conta do trabalho de continuidade, mas sem dúvida “Riobaldo” o público gosta mais. Mas eu, Gilson, acho que “O diabo na rua, no meio do redemunho” muito mais interessante. Me deu mais trabalho de pesquisa. E a terceira vou sentir o público quando estrear. Espero que também seja bem recebida.

Nathalia: Tenho certeza de que será, pois você é um excelente ator e tem amor pela obra do Rosa. Obrigada pela entrevista e muito sucesso na estreia.

Gilson: Eu que agradeço, querida! Conte comigo sempre!


Fonte da imagem: Acervo pessoal do entrevistado.


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Gilson de Barros é ator e funcionário público aposentado. Atua no Brasil todo com as adaptações das obras de Guimarães Rosa e peças de outras temáticas. Participa de clubes de leitura sobre a obra do autor mineiro.

Nathalia Ribeiro Fernandes é doutoranda pelo PPG em Teoria Literária da UNIANDRADE, pesquisadora da obra de Guimarães Rosa e é mediadora do Clube de Leitura Travessia, onde conheceu o ator.

Nota da entrevistadora: Na época da entrevista (agosto de 2024), Gilson estava em cartaz com as duas adaptações em Niterói. Para conferir a programação atual, basta acessar a página do Instagram do ator, em @gilsondebarrosator.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

OSMARINA FERREIRA TOSTA:

MÃE, AVÓ E ESCRITORA NAS HORAS LIVRES

 

Osmarina Ferreira Tosta

 

Cursei a faculdade de Letras com o desejo de ser professora, cheguei a realizar estágios em escolas e me identificar, mas não permaneci na sala de aula. Segui ensinando de forma particular, língua portuguesa e língua inglesa, para alunos da educação básica.

Ingressei no mercado editorial como estagiária no setor de iconografia, no qual colecionei aprendizados para, mais tarde, aplicar nas outras etapas do editorial. Estou há cerca de 25 anos vivenciando a produção de materiais didáticos.

Já trabalhei na produção de livros didáticos para o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, destinado a escolas públicas, materiais de sistemas de ensinos, para escolas privadas e, materiais didáticos, para o ensino superior. Nesse tempo, atuei como iconógrafa, editora e gestora, de equipes e processos editoriais.

Atualmente trabalho no setor de iconografia, sendo responsável por direitos e permissões de conteúdo para utilização em materiais didáticos multimídia.

No meio editorial, a produção de livros se faz com várias etapas, uma depende da outra para acontecer, todas são fundamentais e convergem para o nascer do livro. A etapa da iconografia corresponde, de modo geral, à verificação de Direitos e permissões, ação que é realizada pelo profissional iconógrafo. Este é, sobretudo, o responsável por identificar os conteúdos de terceiros, protegidos pela Lei do Direito Autoral (Lei n. 9610/1998) e buscar as permissões, para assegurar a reprodução de acordo com a lei.

O gosto pela produção de materiais didáticos impulsionou-me a produzir meus próprios livros, um sonho de criança, que aguardei uma oportunidade para realizar. Com a chegada dos netos, resgatei o costume de escrever sobre o cotidiano.

Na convivência e momentos de diversão com eles, uma das brincadeiras era contar histórias, às vezes inventadas ou criadas no instante. Diante disso pensei: Por que não tirar o sonho da gaveta e me tornar uma escritora? Então dei início ao projeto do primeiro livro. Observava as crianças e anotava tudo no bloco de notas, para depois virar história.

Como autora, produzi 2 manuscritos de literatura infantil, um deles foi finalizado e publicado no mês de agosto de 2024. Intitulado Dino e Ben, uma amizade diferente, destinada ao público infantil, pela Editora Inverso de Curitiba. A narrativa dessa obra traz temas como amizade e respeito às diferenças.

 

Fonte da imagem: https://static.wixstatic.com/media/831b77_687783823fbc49e0a5fc96288c6be1d6~mv2.jpg/v1/fill/w_420,h_420,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/831b77_687783823fbc49e0a5fc96288c6be1d6~mv2.jpg


Fonte da imagem: Foto cedida pela autora. Acervo pessoal. 


Para quem desejar adquirir o livro, segue o link da Editora: 

https://www.editorainverso.com.br/pagina-de-produto/dino-e-ben-uma-amizade-diferente

A segunda obra, Menina ou mola, encontra-se em fase de produção editorial, com previsão de lançamento para o ano de 2024.

 

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Osmarina Ferreira Tosta é graduada em Letras Português/Inglês, especialista em Literatura Brasileira e, mais recentemente, autora de literatura infantil. Atua como iconógrafa no Centro Universitário Uninter.