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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Natureza e espiritualidade na poesia de Sigrid Renaux



A presença do azul e de paisagens marinhas na poesia de Sigrid Renaux* é uma obsessão em sua poesia, o que pode ser observado nos títulos dos seus quatro livros: Do mar e de outras coisas (1979), Azuis: poemas (2006), Outros azuis (2009) e De sons e silêncios (2011). Entre eles, destacamos o segundo e o último, nos quais observamos a permanência de uma mesma poética – provavelmente comum aos outros livros – pautada na síntese imagética do haikai e na pintura impressionista. Estas duas estéticas se aliam para dar forma às visões da natureza que o sujeito lírico – bastante impessoal – contempla na tentativa de integrar-se ao universo. Para isso fundamenta-se na crença romântico-simbolista na teoria das correspondências de Emmanuel Swedenborg (1668-1772), a qual considera que a linguagem poética pode nos aproximar da linguagem cifrada do cosmos (BALAKIAN, 1985).
 A Palavra é escrita de tal forma que tudo que nela se encerra, mesmo as coisas mais diminutas, tem correspondência com as coisas celestiais; portanto, a Palavra tem força Divina, e une
o céu à terra.
(SWEDENBORG, Arcanos Celestes, nº 8615, apud TROBIDGE, 1998, p. 130).
 A crença nas correspondências, que aparece de forma tímida na poesia de Kolody, encontra-se claramente expressa no poema abaixo:

 ondas 
desenrolando
caracóis de espuma
en donde resuena la música del mundo
y metros y rimas no son sino correspondencias
ecos, de la harmonía universal  (RENAUX, 2006, p. 141)
 Os três versos em espanhol são retirados da primeira página de “Poesia e poema”, introdução à obra O arco e a lira, de Otávio Paz (1982, p. 15), e demonstram sua afinidade com o pensamento romântico do poeta e crítico mexicano para quem a linguagem poética é essencialmente mítica e, por isso, “recupera sua originalidade primitiva, mutilada pela redução que lhe impõem a prosa e a fala cotidiana” (PAZ, 1982, p. 25-26), assim possibilitando a experiência do sagrado como “uma experiência repulsiva. Ou melhor: convulsiva. É um por para fora o interior e o secreto, um mostrar as entranhas. O demoníaco, dizem todos os mitos, brota do centro da terra. É uma revelação do oculto.” (PAZ, 1982, p. 168). E este oculto não é necessariamente “a revelação de um objeto exterior a nós – deus, demônio, presença alheia – quanto um abrir do coração ou das entranhas para que brote esse “Outro” oculto. A revelação (...) transforma-se num abrir-se do homem para si mesmo.” (PAZ, 1982, p. 170).  
                 na madrugada do mar
 acordo ao som das ondas
                recordando harmonias
                                      
                                                  adormecidas  (RENAUX, 2006, p. 29)

leitores cegos
não deciframos os signos nos livros

nem ouvimos
insensíveis
por quem os sinos dobram

calados
não pronunciamos as palavras reveladoras
do nosso mais profundo
ser    (RENAUX, 2006, p. 114)
 Reforça esta leitura em que a natureza é vista como sagrada e capaz de nos religar com a imensidão cósmica a imagem dos “caracóis de espuma” no primeiro poema acima, pois a forma helicoidal do caracol, no mistério de sua perfeição arquitetônica, corresponde à perfeição do universo também presente no movimento circular das ondas. E este movimento mítico de eterno retorno organiza o livro Azuis, posto que as imagens da imensidão azul – presentes no oceano e no céu – retornam incessantemente a cada poema. Razão pela qual parece plausível afirmarmos que a autora busca organizá-los segundo um ritmo cíclico e pulsante correspondente ao mesmo ritmo que anima a natureza e o universo. Aliás, a escolha do azul, cuja vibração transmite paz, estando a cor associada à espiritualidade, aponta para um desejo de transcendência, de busca do sublime elevado, assim como vimos na poesia de Helena Kolody. E assim como na poesia dela, a de Sigrid Renaux também apresenta uma natureza harmoniosa, domesticada e sem conflitos. No lugar da natureza selvagem, que encontramos na poesia de Marcele Aires, Sigrid Renaux valoriza os jardins, pequenos ecossistemas que, em seus microcosmos, reproduzem sua concepção de um universo harmônico e infinitamente belo.
 Il faut cultiver notre jardin
      
          porque os sabiás
gorgeiam ainda melodias infindas
                                           nos jardins da manhã

para que os pássaros continuem cantando
              irreprimível e extasiadamente
                                  nos jardins do amanhã   (RENAUX, 2006, p. 82)
 De sons e silêncios (2011) apresenta as mesmas características que Azuis, embora, ao lado do azul, privilegie os pássaros com seus cantos. Seus poemas, como diz o título, também são plenos de sons e silêncios conforme o desejo simbolista de uma poesia que, em vez de nomear, sugere os sentidos ocultos e inacessíveis ao pensamento racional e analítico. Daí o gosto pelo impressionismo, seja o da pintura ou da música, na medida em que a luz e o silêncio são, respectivamente, fundamentais para cada uma destas artes. Ainda: a não numeração das páginas indica que todos os textos formam um só poema, o que aumenta ainda mais o silêncio existente entre os versos e estrofes na medida em que, além do espaçamento que os distancia entre si, o branco de cada página amplia ainda mais o silêncio de sua sinfonia, plena de pausas e sugestões como uma composição de Debussy.
 adormecidas
entre os sons e os silêncios
de ébanos e marfins
elevam-se
         íntimas e distantes

                                        as brumas de Debussy   (RENAUX, 2011, [s.p.] – “Brouillards”)

 manhã de outono
           silêncio súbito de pássaros
                          entre os mistérios do castanheiro  (RENAUX, 2011, [s.p.])
 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar do voo rasante realizado sobre a poesia de Sigrid Renaux, podemos apontar algumas considerações finais:
a) Não há uma preocupação ambientalista em denunciar a destruição da natureza.
b) A natureza é elemento importante a para o amadurecimento da espiritualidade.
c) É forte a presença de procedimentos estéticos oriundos da tradição do haikai inaugurada por Bashô – e de valores de uma visão de mundo romântica – perceptível especialmente na crença das correspondências universais (segundo teoria de Emmanuel Swedenborg) nas obras analisadas.
d) Satori e epifania são experiências que se aproximam e são possíveis através da contemplação da natureza e a poesia é um instrumento para compartilhar esse estado de espírito.

REFERÊNCIAS
BALAKIAN, A. Swedenborguismo e os românticos. In: O simbolismo. Trad. de José Bonifácio A. Caldas. São Paulo: Perspectiva, 1985, p. 17-28.
PAZ, O. O arco e a lira. Trad. de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
RENAUX, S. De sons e silêncios. Ponta Grossa/PR: Todapalavra, 2011.
_______. Azuis. Poemas. Curitiba: Ed. do Autor, 2006.
TROBIDGE, G. L. Swedenborg. Vida e ensinamentos. Trad. de Raimundo Araujo Castro Neto. Rio de Janeiro: Sociedade Religiosa “A Nova Jerusalém”, 1998. Disponível em: http://bvespirita.com/Emanuel%20Swedenborg%20-%20Vida%20e%20Ensinamentos%20(G.%20L.%20Trobridge).pdf - Último acesso: 08/7/2012.

* Com doutorado e pós-doutorado em literatura norte-americana e inglesa, Sigrid Renaux é carioca de nascimento, mas paranaense há muito anos. Aposentou-se como professora pela UFPR e atualmente leciona na Uniandrade, em Curitiba.




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