Luiz Zanotti*
A peça infantil “Tribobó
City” escrita em 1971 pela autora Maria Clara Machado tem como tema, o eterno
duelo entre o bem e o mal, desenvolvido na forma de um faroeste musical. O
enredo conta que na cidade fictícia de Tribobó City, o prefeito Gedemar White cerca-se
de um bando de corruptos para conseguir ficar com o ouro que foi descoberto na
região da cidade por onde passaria uma estrada de ferro. Desta forma, o
prefeito procura enganar a população, forjando uma história, onde a herdeira desta
terra, cujo avô teria doado para a construção da estrada de ferro, teria mudado
de idéia e estabeleceria no local um asilo para caubóis aposentados.
Pois bem, o prefeito para
conseguir o seu intento, determina ao vilão Maronete que seqüestre a verdadeira
herdeira, que ele sabia que chegaria na cidade, vinda do exterior e coloque uma
trapaceira que vai se passar por ela, confirmando a mudança de planos em
relação às terras. Acontece, que o mocinho acaba por encontrar a verdadeira
herdeira presa num quarto do hotel-cassino. A trama vai se desenvolvendo com o
bando de corruptores se desdobrando em dois grupos antagônicos, sempre com o
objetivo de cada um dos malfeitores ficar com todo ouro só para si, dando
início a uma luta divertida entre mocinhos e bandidos que termina num “Gran
Finale”, quando o mocinho acaba por desmascarar o plano e os bandidos brigam e
se exterminam mutuamente.
A autora escolhe a luta
entre o bem e mal como um assunto que pode ser facilmente desenvolvido com as
crianças, buscando transmitir valores tais como a solidariedade, a amizade e a
coragem. Outro dado importante, além da escolha do tema, está na forma da peça,
construída através de diálogos rápidos, com uma perfeita distribuição de picos
de atenção que evitam que o público infantil desvaneça ou perca o fio da meada.
Entretanto, esta estética baseada na recepção
que tem como principal aspecto um texto bem construído, estaria contribuindo
para a formação da criança como um cidadão livre, ou seria tão somente uma
função utilitária de reafirmação dos valores burgueses? Em outras palavras,
estaríamos frente a um discurso instrumental ou um discurso utilitário. Como
nos ensina, Edmir Perroti1 nos dois discursos, a estética está sempre
valorada ideologicamente, porém se no discurso instrumental existem várias
possibilidades de apreensão do mesmo, no discurso utilitarista a ideologia é sua
própria essência.
Para Adorno, apesar não
existir a pureza absoluta na arte (a arte pela arte), o discurso instrumental (ou
engajado) deve ser distinguido do discurso utilitário (ou tendencioso), no
sentido que no primeiro o artista ao buscar a arte e, portanto, a inovação, transforma
o seu próprio discurso plurissignificativo e ambíguo, ou seja, um discurso
estético não unívoco enquanto o discurso tendencioso se resume a um discurso
fechado, onde a verdade do autor predomina sobre os demais fatores.
Sartre fala da atitude
compromissada do autor em relação à realidade.A palavra é uma arma que deve ter
como meta a libertação do indivíduo em relação à alienação, deve servir de
instrumento para desvelar o mundo e trazer a responsabilidade, transformando-o
em um cidadão livre.
Partindo-se desta breve discussão,
nos parece, que a peça Tibobó City reduziu-se a um mero utilitarismo que busca
convencer o público infantil do ponto de vista do autor, onde o bem sempre
vence o mal numa relação dicotômica, que não possibilita a presença de híbridos,
que com certeza, são muito mais presentes na realidade. Esta classificação antinômica
pode ser percebida na personagem Maria Belezoca, que na verdade, não é nem boa,
nem má - e guarda grandes semelhanças com personagens picarescos como é o
personagem João Grilo em “O auto da compadecida” que tem a necessidade subverter a ordem para
sobreviver.A autora, de uma forma dogmática e, portanto, utilitária, prefere colocar
Maria Belezoca no mesmo saco dos “malvados” que são castigados com a morte no
final.
Esta forma de discurso,
como no lembra Perroti, implica na inferiorização do destinatário face ao autor
que possui toda a “Verdade”. Neste panorama, o autor acaba por se transformar
num porta-voz da burguesia, numa ideologia que pode ser observada a partir da
escolha do tema “faroeste” (influência da cultura norte americana) e da farta
utilização do vocabulário inglês.
Enfim, neste contexto, a literatura
infantil fica reduzida a uma lição moral, com a narrativa monológica de Maria
Clara imprimindo um ritmo onde o bem sempre vence o mal, evitando que a arte
estimule algo que não convenha à classe dentro de um duvidoso conceito que a
arte pode mudar o mundo.
* Luiz Zanotti é Professor do
Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade –
UNIANDRADE, em Curitiba.