Paulo Eduardo de Oliveira*
As relações entre Filosofia e Literatura parecem ocupar lugar de destaque
ao longo da História do Pensamento Ocidental. Dos Filósofos Pré-Socráticos aos
pensadores contemporâneos, a História da Filosofia está repleta de exemplos típicos
dessa relação: há casos de autores oriundos da Literatura e que, por meio dos seus
textos, produzem profundas reflexões filosóficas como Homero, Cícero e
Shakespeare, por exemplo; e, de outro lado, há casos de autores oriundos da
Filosofia que, ao tentarem expressar sua filosofia, se utilizam dos recursos
das artes literárias (como Platão, Santo Agostinho, Sartre).
Deve-se considerar, ainda, que a relação entre Filosofia e Literatura
aparece também no fato de a própria linguagem ser tomada como objeto de análise
por parte da Filosofia. Desde Platão e Aristóteles, na Idade Antiga, passando
por Santo Agostinho e Tomás de Aquino, na Idade Média, e depois com os
filósofos modernos, principalmente com Descartes, a linguagem sempre ocupou espaço
próprio na reflexão filosófica, dada a sua importância como instrumento de
expressão do pensamento. Mais recentemente, essa relação se tornou ainda mais
explícita ao se fundar um ramo da Filosofia próprio para a análise e a reflexão
da linguagem: a Filosofia da Linguagem. Com pensadores como Frege, Carnap, Wittgenstein,
Adorno e Horkheimer, por exemplo, a reflexão filosófica sobre a linguagem em
geral (e sobre a Literatura, de modo particular) ganha especial relevo.
A tênue relação entre ambas as disciplinas precisa ser analisada com
atenção e cuidado, para que não haja sombreamentos que prejudiquem a
compreensão do que é específico em cada uma dessas distintas áreas do saber.
Atualmente, a abordagem interdisciplinar tende a orientar a forma como as pesquisas
vão sendo construídas. Neste contexto, importa considerar o que é comum a
diferentes áreas do saber e, ao mesmo tempo, o que é próprio de campo
específico. No caso da Filosofia e da Literatura, sob um olhar de primeira
vista, pode-se considerar que ambas têm em comum o uso preferencial dos
recursos da linguagem para expressar suas produções, ideias, concepções e
referenciais teóricos. Ambas são disciplinas “discursivas”, no sentido lato do
termo. Por outro lado, a Literatura se utiliza de alguns “tipos” próprios de
expressão textual que nem sempre cabem a alguns campos do saber filosófico:
isso se dá, sobretudo, quando os conceitos ou elementos teóricos da Filosofia
exigem um tratamento mais formal ou objetivo, como é o caso da Filosofia da
Ciência e da Lógica, por exemplo.
A importância da análise das relações entre Filosofia e Literatura se
mostra ainda mais evidente no que se refere à compreensão de como se dão os
processos de construção da “subjetividade” e das “políticas” (relações de
poder) que se manifestam em torno das expressões da subjetividade. Como
expressão da interioridade do sujeito, a subjetividade (como o termo mesmo
denota) não se rende facilmente aos meios “objetivos” ou às formas
“objetivantes” de manifestação. Ao contrário, a subjetividade mostra-se cada
vez mais autônoma em relação ao projeto moderno de uma visão objetiva capaz de
dar conta da explicação do real.
A Filosofia Contemporânea desenvolveu-se a partir da crítica do
pensamento moderno, cujo principal propósito é a construção de uma perspectiva
objetiva (veja-se, por exemplo, o ideal do “cogito” cartesiano e a proposta do
positivismo de Augusto Comte como expressões do projeto moderno de objetivação
da visão de mundo). Contudo, com o desenvolvimento da Fenomenologia, a partir
do século XIX, e com o surgimento da filosofia crítica (da Escola de Frankfurt)
e o aparecimento do Existencialismo, a filosofia inicia um processo de abandono
do ideal de objetivação do mundo. Passa-se a adotar uma perspectiva
antimoderna, que vai culminar na tendência chamada de “pós-modernidade”. Tal
tendência privilegia o foco da subjetividade, dando maior atenção à
manifestação da interioridade humana naqueles elementos de difícil redução a
uma forma lógica e objetiva de expressão.
Mais do que conflito ou simples distanciamento, o que a história do
pensamento revela é que Filosofia e Literatura estão em constante movimento de
aproximação e diálogo.
* Paulo Eduardo de
Oliveira é Doutor em Filosofia e Professor do Mestrado em Teoria Literária do
Centro Universitário Campos de Andrade, em Curitiba.
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