Prof.ª Dr.ª Verônica Daniel Kobs
Lucia Santaella e Winfried Nöth, em Imagem: cognição, semiótica, mídia, referem-se a diferentes maneiras de relação entre palavra e imagem. Tomando a imagem como referência, ela pode ser superior, inferior ou equivalente à palavra. Na produção literária de Arnaldo Antunes, a imagem é lemento absolutamente necessário e, em razão disso, são privilegiadas, em seus textos, as relações de predominância ou de iguladade da imagem diante da escrita.
No poema Gertrudiana, parte do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, a página transforma-se em imagem e serve de pano de fundo para o texto, centralizado e simetricamente distribuído em três versos minúsculos:
Poema Gertrudiana, de Arnaldo Antunes (ANTUNES, 1997, p. 63).
Nesse texto, que utiliza o famoso verso “a rose is a rose is a rose”, de Gertrude Stein (o que justifica o título do poema), Arnaldo Antunes transforma a palavra rose em zero. A opção, à primeira vista, remete ao algarismo 0, mas o último verso, quando apresenta a palavra zero escrita ao contrário, faz lembrar a transcrição fonética de rose, na qual o s vira z. Essa alternativa lança, então, nova luz sobre a inversão feita pelo poeta: número zero ou ro + ze, as sílabas fonéticas de rose? A dúvida se dissipa assim que o leitor relaciona o texto à imagem de fundo (com rosas em tons de branco, preto e cinza), a qual, somada ao verso final, remete à rosa repetida ciclicamente no verso de Gertrude Stein.
Essa elucidação que resume a função da imagem no poema de Arnaldo Antunes encaixa-se na categoria em que Santaella e Nöth inserem a imagem como elemento “superior ao texto e, portanto, o domina, já que ela é mais informativa do que ele”. Além disso, os autores ressaltam que, nesse tipo de composição, “sem a imagem, uma concepção do objeto é muito difícil de ser obtida”. (SANTAELLA & NÖTH, 1998, p. 54).
Entretanto, como a elucidação serve como reforço dado pela imagem aos fonemas que compõem rose, pode-se afirmar que a relação entre texto e imagem, em Gertrudiana, é também indício de equivalência: “A imagem é, nesse caso, integrada ao texto. A relação texto-imagem se encontra aqui entre redundância e informatividade.” (SANTAELLA & NÖTH, 1998, p. 54). A informatividade já foi comprovada pela elucidação dada pela imagem e exatamente por isso a redundância é pertinente, afinal a imagem representa o significado da palavra de outro modo, figurativamente, provocando a redundância do sentido.
Esse processo de equivalência, de acordo com Santaella e Nöth, acentua a “complementaridade” ou a “determinação recíproca” e estabelece a intersemioticidade como pressuposto para a criação artística: “A vantagem da complementaridade do texto com a imagem é especialmente observada no caso em que conteúdos de imagem e palavra utilizam os variados potenciais de expressão semióticos de ambas as mídias.” (SANTAELLA & NÖTH, 1998, p. 55). Dessa forma, considerando a base gertrudiana do texto de Arnaldo Antunes, é pertinente a relação entre intersemiótica e transposição, já que o verso de Gertrude Stein é representado pelo escritor em forma de desenho, que, por sua vez, serve de pano de fundo aos versos, palavras que oferecem uma nova leitura ao texto base, aparentemente diversa, mas que desmonta a palavra (em letras, fonemas e sílabas), para analisar a essencialidade da palavra-objeto, tal como fazia Gertrude Stein.
(Parte do artigo As relações entre imagem e palavra na produção contemporânea de Arnaldo Antunes, escrito pela Prof. Dra. Verônica Daniel Kobs e publicado na revista Miscelânea(Unesp), vol. 9.)
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