Resumo: Esta pesquisa visa
examinar, através da análise da produção lírica de P.K.Page, o uso que esta
poeta canadense faz da intertextualidade explícita, como a inserção de motes de
renomados poetas (Neruda, Rilke, Auden, entre outros) como temas para o
desenvolvimento de suas próprias glosas. Esta abordagem nos permitirá avaliar
melhor como Page, ao entrar numa relação de transformação, transgressão e
amplificação dos textos originais, está simultaneamente fazendo uso da criação
como da crítica, através da metapoesia, confirmando deste modo as
possibilidades criativas da intertextualidade como instrumento de palavra
privilegiado para um diálogo entre textos, literaturas e nações.
Introdução
Partindo da
pressuposição de que “um texto propõe sempre determinadas estratégias de
abordagem que o leitor deverá atualizar num movimento de cooperação
interpretativa” (REIS & LOPES,1988, p. 168), a leitura da obra poética de
P.K.Page, com sua grande variedade temática, formal e estilística, revela-se
particularmente fértil na proposta de estratégias de abordagem. Pois, ao
iniciar numerosos poemas com motes de poetas renomados como Pablo Neruda, Rainer
Maria Rilke, W.H. Auden, Elizabeth Bishop e T.S. Eliot, entre outros,
intertextos esses que servirão como matriz para o desenvolvimento de suas
próprias glosas, Page está fazendo uso não apenas de uma intertextualidade
poética explícita, mas, através dela, também de uma intertextualidade implícita
(JENNY, 1991, p. 3), ao dialogar simultaneamente com outros fragmentos
intertextuais, remetendo-nos destarte ao confronto das unidades
morfológicas, sintáticas ou semânticas comuns ao texto nutriente e ao novo contexto.
Assim, diante de
material tão rico e versátil, esta pesquisa irá se concentrar no uso que Page
faz dessas duas formas de intertextualidade e demonstrar como, ao
inserir motes como parte integrante de seus próprios poemas, Page está não
apenas ludicamente fazendo uso da glosa – forma métrica espanhola inventada
pelos poetas da corte no final do século XIV e que consiste num mote
introduzindo o tema do poema, seguida por uma estrofe para cada linha do mote,
comentando ou glosando a linha (CUDDON, 1992, p. 378). Está, concomitantemente, entrando num diálogo
altamente complexo com os motes, ao não só incorporá-los e comentá-los mas
assimilá-los, transformá-los e recriá-los de tal maneira que esses
textos-origem não são mais determinantes ou controladores do sentido mas
fragmentos significantes à procura de um outro referente. E, ao se
rearticularem em novas construções metalingüísticas, não ampliam apenas seu
próprio espaço semântico mas levam as glosas, conseqüentemente, a operar uma
“reescrita crítica”( JENNY, 1991, p. 44) dos textos originais.
Ao adotarmos
como estratégia de trabalho a intertextualidade como definida por Kristeva –
“qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é absorção e
transformação dum outro texto” – definição à qual Jenny acrescenta “trabalho de
transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto
centralizador, que detém o comando do sentido” ( JENNY, 1991, p. 13-14) e
tomando portanto como texto centralizador o poema “Planet Earth” (PAGE, 2002,
p. 14-15), cuja epígrafe é um mote de Pablo Neruda (1904-1973), estamos
simultaneamente levantando as seguintes questões: como se opera a assimilação,
transformação e recriação, no poema de Page, dos enunciados pré-existentes em
Neruda? Em que relação estão esses enunciados assimilados com o seu estado
primeiro? De que modo o poema de Page como criação pode ser considerado
simultaneamente uma reescrita crítica de Neruda?
A fim de
podermos trabalhar essas questões de modo coerente, iremos recorrer também,
como reforço teórico, à proposta de Jenny quanto aos tratamentos que um
enunciado sofre ao ser inserido num novo conjunto textual, quais sejam: a
verbalização, a linearização e o engaste. Se os dois primeiros – a nível de
expressão – já se encontram normalizados e explicitados no poema de Page, pois
a substância significante do texto está verbalizada e o significante verbal,
integrando o material transcrito – o cut up – com o novo texto,
desvenda-se progressivamente ao longo das linhas, são os engastes intertextuais
– a nível de conteúdo –, assentados em isotopias metonímicas e/ou metafóricas,
que irão nos auxiliar na análise da palavra poética de Neruda em sua relação
com a de Page. Essas três operações, incidindo na transformação do
condicionamento contextual, serão complementadas com o auxílio do arsenal de
figuras de retórica, que oferece uma matriz lógica para classificar os tipos de
alteração sofrida pelo texto no decurso do processo intertextual, ou seja, as
modificações imanentes às quais os fragmentos intertextuais estão sujeitos.
Dentre essas figuras faremos uso principalmente da amplificação, ou seja, a
transformação dum texto original por desenvolvimento de suas virtualidades
semânticas (JENNY, 1991, p. 30-44).
O poema de Page
já traz o próprio título como elemento marcado por excelência – “Planet Earth”
– visto que, pelo fato de nos remeter à definição de “Planeta Terra” e portanto
fazendo-nos visualizar o globo terrestre como um corpo celeste, parte de um
sistema de planetas que giram sobre si mesmos e à volta do sol, o título já
antecipa um vínculo entre “Earth” como planeta habitado pelo homem e “Earth” em
relação ao cosmos, vínculo esse que será ampliado e detalhado ao longo dos
versos. E, como elemento paratextual, o título será recuperado não apenas através
do mote de Neruda, mas principalmente através de isotopias metonímicas e
metafóricas, presentes tanto no plano de expressão, como no plano de conteúdo
do poema. Simultaneamente e dentro de nosso século XXI, no qual a grande tônica
recai sobre a conscientização da preservação do planeta Terra, o título também
adquire uma conotação ecológica, como o desenvolvimento do poema irá confirmar.
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