Profa. Sigrid Renaux
Partindo do tema Linguagem,
identidade e subjetividade no “breve século XX” proposto pelo VII Ciclo de Estudos em
Linguagem, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, entre 19 e 21 de junho de
2013, um grupo de mestrandos em Teoria Literária apresentaram trabalhos, como
participantes do GT “Abordagens formalistas e bakhtinianas de narrativas
brasileiras e estrangeiras”, cuja ementa era a seguinte:
Em nosso “breve século XX”,
surgiram, a partir dos formalistas russos, novas reflexões sobre o texto
literário, e, consequentemente, novas abordagens teóricas e críticas para
análise e interpretação de obras poéticas e ficcionais. Partindo, pois de alguns dos conceitos-chave de formalistas
como Chklovski, Tomachevski, Eikhenbaum, Tynianov e Jakobson, bem como do “pós-formalista” Mikhail Bakhtin, este GT propõe-se a acolher
estudos acadêmicos que apresentem leituras de narrativas de origens diversas, tanto brasileiras como
estrangeiras, baseadas nesses teóricos.
As abordagens formalistas, seja
por meio dos procedimentos de singularização e da criação do efeito de
estranhamento, dos conceitos de fábula e trama,
da arte como procedimento, do
realismo artístico, de dominante,
literariedade, motivo e motivação, noção de construção,
estilística, da lingua cotidiana x
língua poética, entre outros, irão
revelar a relevância que esses
“operadores de leitura” têm para se penetrar no texto narrativo e extrair dele
toda a potencialidade contida em sua linguagem, ressaltando destarte o caráter
estético da linguagem artística. As abordagens
bakhtinianas, por sua vez, irão ressaltar como alguns dos conceitos-chave
deste filósofo da linguagem como
cronótopo e dialogismo, bem como as
particularidades fundamentais da Sátira menipeia - gênero sério-cômico do qual
descende o romance europeu, e, consequentemente, o romance contemporâneo- ,
quando aplicados às narrativas a serem apresentadas, contribuem para uma nova
visão/releitura e reinterpretação dessas
narrativas. Deste modo, este GT estaria
contribuindo, através das discussões/reflexões propostas nos trabalhos /as
análises pelos participantes do grupo, a
refletir como o estudo imanente do texto, sem descartar suas vinculações com o
contexto, pode aprofundar a percepção
dos diferentes níveis/usos da linguagem, tanto cotidiana como poética.
A partir dessa ementa, os
mestrandos, aproveitando o embasamento teórico ofertado no curso “Poéticas da
modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin”, fizeram as seguintes apresentações:
-
Adilson Costa Duarte, em “A atitude
dialógica do herói no conto Polzunkov de Dostoievski”, examina como a representação da particularidade
menipeana dos “estados
psicológico-morais anormais do homem” irá esclarecer a personalidade de Polzunkov. Podemos deste modo avaliar melhor
as atitudes tragicômicas deste suposto “bobo”, deste “mártir ridículo” – como o
chama Dostoievski – que não possui a
capacidade de reclamar seus direitos e
prefere rebaixar-se contando histórias para o auditório que o assiste e que
supostamente se diverte com suas histórias mentirosas e cômicas.
-Angela de Fátima Taline de Souza, em “O
diálogo como fio condutor das relações entre O carteiro e o poeta no romance de Antonio Skármeta”, demonstra
como as conceptualizações bakhtinianas sobre
o “diálogo socrático” nos fazem refletir sobre o poder da palavra e a
importância do diálogo e do questionamento, a fim de comprovar que, através do
diálogo, conseguimos trazer mudanças de pensamento, promover descobertas e
lançar encantamentos. Assim, os
procedimentos de anácrise e síncrese,
utilizados pelos personagens Mário Jiménez e Pablo Neruda, vão além da busca por uma verdade escondida e
não sabida, pois inicia-se um processo de tecer um fio que conduzirá toda a
narrativa: a amizade entre ambos, que
trará mudanças na personalidade e na vida de Mário.
-Adriane
Bendlin, em “A atitude diálogica do personagem Vássia face a si mesmo e aos
outros personagens em Coração frágil
de Dostoievski”, busca verificar, por meio das particularidades menipeanas da “experimentação moral e psicológica” do homem face a si
mesmo, bem como das “últimas questões”, como
Vássia, principalmente em seus diálogos
com o amigo Arkádi, vai aos poucos
se desintegrando psiquicamente. O herói transita, assim, por uma estrutura triplanar – da Terra ao
Olimpo e depois ao Inferno –, pois sua
demência, consequência do remorso em ser
feliz – uma linda noiva, um amigo e um
emprego –, acaba levando-o ao manicômio.
-Elidete
Zanardini Hofius, em “As interrelações diálogo/tempo/espaço em Noites Brancas de Dostoievski”, demonstra o papel fundamental do diálogo – na
acepção bakhtiniana – entre os protagonistas, pois é por meio dele que a
narrativa vai se desenvolvendo e que o leitor toma conhecimento da história de
vida dos personagens, do tempo e do espaço em que vivem, da
busca do protagonista e de sua amada
pelo amor e pela felicidade. Todas as revelações, portanto, fazem-se pelo
confronto, pela palavra, pela conversa durante as “noites brancas” em que os
personagens se encontram.
-
Josiel dos Santos Lima, em “Nada vale a pena se a alma é pequena”: o
conflito existencial como dominante artístico em Coração frágil de Dostoievski”, analisa o protagonista por meio da particularidade
menipeana da experimentação moral e psicológica, ou seja, da representação de
inusitados estados psicológico-morais anormais do homem. Deste modo, a
destruição da integridade e perfeição do
protagonista Vássia, facilitada pela atitude dialógica face a si mesmo,
tornar-se-ia, na concepção jakobsoniana, o dominante artístico, ou seja, o centro de
enfoque de Coração Frágil.
- Mara Bilk de Athayde, em “A estética da narrativa no conto
O Ladrão Honrado de Dostoievski”, examina como os procedimentos de fábula e trama, motivo e motivação, caracterização indireta das personagens
e narrativa dentro da narrativa
destacam os conceitos de polifonia e
dialogismo, pois os
personagens mantêm relações dialógicas
uns com os outros e também com o leitor. Deste modo, a análise imanente
do texto confirma como a beleza artística da narrativa dá mais intensidade ao
sofrimento e arrependimento do “ladrão honrado”.
-Marcia Izabel deLima em “As situações
extraordinárias do herói-narrador em O
mujique Marei de Dostoievski” discute,
utilizando algumas das características da sátira menipéia, como as aventuras do herói-narrador enfrentando
situações extraordinárias o levam à
descoberta da verdade e de uma ideia filosófica, tanto em suas recordações de
infância como na situação atual no presídio; consequentemente, como essa experimentação moral e psicológica revelam
nele possibilidades de um outro homem e
de outra vida.
-Patricia
Cristina de Oliveira
em “Uma
visão cronotópica do romance O pelo negro
do medo de Sérgio Abranches” examina,
utilizando o conceito de cronótopo como uma categoria da
forma e do conteúdo que realiza uma fusão dos índices espaciais e temporais em
um todo inteligível e concreto, como o tempo e o espaço constituem
o pano de fundo para o enredo deste romance, e como os personagens são
inspirados pelo passado e pelos seus fantasmas, que confundem seu trajeto no
presente.
- Profa. Sigrid
Renaux (coordenadora), em “A
ecocrítica como dominante artístico em Tres
mortes de Tolstoi” faz uma leitura
deste conto em que ressalta como o
paralelismo usado pelo autor, ao introduzir o tema da morte por meio de três
variantes – a morte de uma dama, de um camponês russo e de uma árvore – é na
realidade muito mais profundo do que uma
primeira leitura poderia indicar. Pois, por meio da aplicação do conceito de
Dominante à linguagem poética que predomina na morte da árvore, em
contraposição à linguagem referencial das duas primeiras variantes, o
equilíbrio temático existente receberia
uma nova orientação, ao sairmos do antropocentrismo para um ecocentrismo. Assim, a derrubada e morte da árvore como valor
artístico dominante no texto – dando voz
à natureza com a personalização e o sofrimento de um ser não-humano – colocaria
o autor na vanguarda deste novo ramo dos estudos de literatura.
Acreditamos
que todas as apresentações tenham servido para comprovar como o estudo imanente do texto, cujo início se deve aos
formalistas russos, sem descartar suas vinculações com o contexto, pode aprofundar a percepção dos diferentes níveis
e usos da linguagem, tanto cotidiana como poética, como proposto na ementa.
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