Pesquisar este blog

sábado, 17 de agosto de 2013

O romance Tudo se ilumina, de Jonathan Safran Foer


Prof. Edna da Silva Polese

 

A imagem criada por Julio Cortazar para definir o romance poderia ser utilizada imediatamente após a leitura de Tudo se Ilumina, de Jonathan Safran Foer, publicado em 2005. Por teorizar que o romance puro não existe, mas, antes, apropria-se dos vários recursos da linguagem Cortázar diz que: “O romance é um monstro, um desses monstros que o homem aceita, alenta, mantém ao seu lado; mistura de heterogeneidade, grifo transformado em animal doméstico.”
A narrativa de Tudo se Ilumina dá ao leitor a sensação de que o monstro pode ficar cada vez mais esquisito. O romance está dividido em três grandes blocos que se alternam, cada qual com um narrador diferenciado, numa história que engloba a narrativa “de fora” feita por um estrangeiro que domina muito mal a língua inglesa, uma saga familiar construída com inspirações no realismo mágico e, por fim, os comentários sobre essa escrita em formato epistolar. Tal composição nasceu da adaptação que o autor se obrigou a fazer pela própria situação da realidade: Safran Foer é um jovem judeu nova-iorquino que pretendia escrever a história de sua família num tema, de certa forma, recorrente quando se pensa em judeus fugindo da Segunda Guerra na Europa: perseguição, holocausto, desaparecimentos de pessoas e vilarejos inteiros. Porém, o autor não conseguiu reunir informações suficientes para “unir as duas pontas da vida”, mas a experiência da viagem funcionou como o germe inicial para construir o romance.
 A primeira parte do romance, narrada pelo  guia de viagem ucraniano que se expressa em inglês macarrônico, é responsável pelo choque inicial do leitor com a obra. Tal parte da narrativa é extremamente divertida por colocar em evidência a força da linguagem, que no idioma original alcança uma repercussão muito maior por se apoderar, por exemplo, dos trocadilhos e mal entendidos que ocorrem naturalmente. O autor aparece como personagem, porém, apresentado pelo olhar de Alexander Perchov, seu guia e tradutor  em terras ucranianas.
 A segunda narrativa seria a “reconstrução” fictícia do vilarejo denominado Trachimbrod que, até onde o narrador/autor sabe, foi o local em que surgiu  a mãe da mãe da mãe da sua tataravó. Como não há nenhum vestígio factual, ou nenhum documento ou coisa que o valha, a não ser uma fotografia que Jonathan possui mostrando o avô, sobrevivente do holocausto, com uma tal Augustine, então a saída é reconstruir. É nessa narrativa que o autor se apropria de um dos recursos mais evidentes e marcantes dos romances chamados pós-modernos: a metaficção historiográfica, termo cunhado por Linda Hutcheon.
A terceira narrativa é composta pelas cartas que Alexander Perchov troca com o autor, o próprio Jonathan Safran Foer que, nesse sentido, é também personagem do livro, assim com o é também na primeira narrativa. Nas cartas, Alexander acompanha a construção da narrativa sobre Trachimbrod, a segunda narrativa, comenta, sugere, e, às vezes se desentende com o autor . No melhor estilo de narrativa metaficcional,
 
No fim, as três narrativas compõem uma razão de ser, fecham-se numa idéia aproximada dos temas recorrentes do romance clássico: a viagem, a experiência e a construção da memória. E, nesse sentido,  Tudo se Ilumina surpreende com tema: é uma narrativa que tem como assunto principal o holocausto, mas a maior parte do tempo, o leitor não se dá conta disso, como se acompanhando passo a passo a evolução da leitura e sendo obrigado a aceitar uma construção narrativa surpreendente, perceba, entre um acontecimento e outro, como as existências, coletivas e individuais, por algum motivo, se encontram.
 
***
Referências:
CORTÁZAR, Júlio. Notas sobre o romance contemporâneo in Obra crítica 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.
FOER, Jonathan Safran. Tudo se ilumina. Rio de Janeiro: Rocco, 2005
 
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário