*Paulo Sandrini
O romance Mala onda (1996), do
chileno Alberto Fuguet — organizador, ao lado de Sergio Gómez, da coletânea McOndo — nos traz a história do jovem
Matías Vicuña, que narra sua própria experiência de vida após uma temporada nas
areias do Rio de Janeiro e a volta para Santiago.
A ficção se passa em 1980. Drogas, e às vezes sexo, embalam a tediosa
existência de Matías, dias antes do plebiscito que “decidiria” a favor ou
contra a nova constituição “proposta” pela Junta e por Augusto Pinochet.
Romance semiautobiográfico, como confessa o próprio autor, Mala onda não conta a história daqueles
que se deram mal na ditadura; sim, a história dos que se deram bem durante o
período de política dos militares.
Traduzido no Brasil como Baixo
Astral (2001), o livro é representativo das ideias que Alberto Fuguet e
Sergio Gómez propalaram na Presentación
del país McOndo (espécie de manifesto-bula
que abre a coletânea citada anteriormente) — e uma delas seria fugir ao
realismo mágico e maravilhoso, tomados por exóticos e de fundo essencialista em
relação à identidade do sujeito latino-americano. Por isso, Mala onda é tecido por uma prosa urbana
e marcado por um modo de vida norte-americanizado (e em processo de
globalização) no qual vive parte da elite e também da classe média chilena
naquele período.
Apesar de mal recebido por seus leitores iniciais, o romance foi
encorajado por Antonio Skármeta, um dos ícones maiores do posboom. Talvez a
constatação de que se tratava de uma narrativa linear — sem malabarismos
experimentais e com a política sendo um assunto não muito aprofundado — tenha
sido determinante para a identificação que a obra causou em Skármeta, visto que
esses traços foram comuns ao posboom.
Narrado em primeira pessoa, o livro soa como um grande monólogo, que
alterna, raras vezes, mergulhos existenciais com momentos de completa apatia
(alienação, conformismo). É escrito como se fosse um diário, com marcações de
datas do ano de 1980 abrindo os capítulos. São onze ao todo, ou seja, um
período curto na vida do protagonista. Contudo, mesmo com o uso de uma
personagem que narra, não temos uma noção mais aprofundada dessa consciência.
Quando isso ocorre, encontramos uma personagem até certo ponto crítica, menos
plana — no entanto, Fuguet abre mão de explorar melhor essa possibilidade de
aprofundamento para concluir suas personagens à maneira monológica (predomínio da
voz do autor em relação à consciência das personagens).
Matías Vicuña é claramente inspirado por Holden Caulfield, o protagonsita
de O
apanhador no campo de centeio. A
certa altura, recebe de um amigo o livro de Salinger, que passa a ser uma referência
constante nessa ficção chilena.
Mala onda, questionável ou não em suas qualidades, nos oferece
uma narrativa sem amarras e que abre mão do romance ao estilo rompe cabezas, típico do
experimentalismo do Boom. Desse modo, Fuguet nos proporciona a leitura de uma
obra bastante convencional em termos formais. Podemos apontar Mala onda qual uma narrativa
despretensiosa, que busca nos contar somente a história de Matías entre sua
adolescência entediada e a ditadura que marca a história chilena naquele momento.
Matías, como Caulfield, acha-se sem rumo, vagando por Santiago, nos revelando a
crônica de uma viagem juvenil
por entre sexo, drogas e álcool, numa visão cheia de cinismo em relação ao
mundo que o cerca.
Repleto de marcas da cultura pop,
sobretudo pela cultura de massa estadunidense, Mala onda registra uma juventude afastada dos valores culturais
chilenos, tendo por pano de fundo a descrença no país (esvaziado e sufocante) e
o desejo de abandoná-lo. O caos implantado pelo sistema de Pinochet pode ser a
resposta para o desencanto e o tédio que assolam Matías. As personagens muitas
vezes soam a um reflexo da política repressora que esmaga os sonhos e a
consciência crítica dos sujeitos sociais. Entretanto, as vidas da classe média
e da elite chilena não parecem assim tão afetadas pelas forças ditatoriais. É
como se para o desânimo de Vicuña ainda houvesse saídas. Se, por um lado,
muitos resistiram ao sistema, foram torturados, perseguidos, exilados (fatos
que não repercutem na obra de Fuguet), por outro, as festinhas e a vida regada
a drogas e sexo são algumas das opções para aqueles que não sofreram
diretamente com a ditadura.
Apesar de algumas questões postas pelo romance de
Alberto Fuguet, que parecem denunciar os abusos da política militar de
Pinochet, chegamos à conclusão de que Matías Vicuña, mesmo sendo um estranho em
seu próprio meio — um rebelde e, por vezes, questionador do modo de vida que
levam sua família e seus amigos —, ao final não dá as costas ao status quo. Tanto no plebiscito quanto
em sua trajetória de vida, escolhe o “Sim”, consciente e livremente, sem que o
forcem a isso — e assim o faz porque, chegada a hora de optar, a resignação é
para ele o melhor caminho. Mesmo que por vezes pareça crítico em relação ao seu
entorno, Matías deixa-se vencer pela indiferença e pela conveniência.
*Professor do Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade
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