*Verônica Daniel Kobs
Figura 1: Cartazes dos filmes Julieta, de Pedro Almodóvar, e
Life, de Anton Corbijn
Imagens disponíveis em:
<www.adorocinema.com>
Comecemos, então, por Julieta. Do início ao fim, a história reflete
sua intensidade nas cores utilizadas, tanto no cenário como no figurino, como
costuma ocorrer em todos os filmes de Almodóvar. O amarelo representa o
esplendor do verão, mas também anuncia o outono, em toda a sua sobriedade,
relacionando-se ao “declínio”, à “velhice” e à “morte” (CHEVALIER; GHEERBRANT,
2009, p. 40). Além disso, como o alaranjado, o amarelo é associado à
infidelidade e esse traço define a relação entre Julieta (a mãe) e Antía (a
filha), que sai de casa e fica mais de uma década sem dar notícias à mãe. Depois
da morte do pai, passam a viver apenas as duas, em um apartamento. Antía,
ressentida e culpando secretamente a mãe, espera completar dezoito anos e usa
um retiro como pretexto para fugir.
Outra
cor bastante utilizada no filme é o castanho, de conotação muito negativa,
porque “faz lembrar (...) a folha morta, o outono, a tristeza” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 198), reforçando o sentimento de Julieta, sempre à espera
de notícias de Antía, ainda que sem conhecer, nem compreender as razões da
filha. Por fim, o vermelho, “matriarcal, uterino”, “a cor do sangue” e “da
união” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 944-946), completa o conjunto de cores
matizadas que reforça as tragédias sucessivas que afetam a família de Julieta.
Na cultura japonesa, “a cor (...) é usada quase que exclusivamente pelas
mulheres” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 946). Quando raramente é usada por
homens, aparece na roupa dos recrutas japoneses, que “usam um cinto vermelho no
dia de sua partida” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 946). Essa simbologia
oriental serve para enfatizar a partida de Antía e o fato de as personagens
principais do filme serem mulheres. Além disso, o vermelho sugere duplicidade:
“(...) ação e paixão, libertação e opressão” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p.
946). A filha age instintivamente, movida pela rebeldia adolescente, deseja e
alcança sua liberdade, mas à custa da opressão de Julieta.
Figura 2: Cenas que mostram as cores predominantes
em Julieta
Imagens disponíveis em: <www.adorocinema.com> e <http://i.huffpost.com>
Em Life, biografia de James Dean dirigida
por Anton Corbijn, a tragédia permanece, mas é caracterizada por outro jogo
cromático, de modo a estabelecer estreita relação com a morte prematura do ator
e com o objetivo das fotos que Dennis Stock publica
na revista Life (tema central da
história) e, por extensão, do filme: mostrar James Dean além do estrelato,
privilegiando sua simplicidade, suas inquietações sobre a fama e a carreira de
sucesso e seu lado familiar. Para esse projeto, Corbijn trabalhou com uma
predominância de cores frias, com destaque às cores azul (a mais importante,
razão pela qual predomina no cartaz do filme), verde e cinza.
Diferente
de Julieta, Life utiliza as cores
principais apenas nos cenários. Primeiramente, analisemos a cor verde, definida,
em sua simbologia, por seu “valor médio, (...) entre o calor e o frio, o alto e
o baixo, equidistante do azul celeste e do vermelho infernal – ambos absolutos e
inacessíveis – é uma cor tranquilizadora, refrescante, humana” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 938-939). Nesse aspecto,
pode-se enfatizar a conformidade do verde com o destino de James Dean, morto em
um acidente de carro, no momento em que ascendia em sua carreira, contradição também
sinalizada pela cor, que “conserva um caráter estranho e complexo, que provém
da sua polaridade dupla: o verde do broto e o verde do mofo, a vida e a morte.
É a imagem das profundezas e do destino” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 943).
Além disso, o verde simboliza “imortalidade”, “juventude eterna” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 939-940) e o elo com a mãe e com ambientes bucólicos: “A
expressão ficar verde, nascida da
hipertensão provocada pela vida urbana, também exprime a necessidade de uma
volta periódica a um ambiente natural, o que faz do campo um substituto da mãe” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 939, ênfase no original). De fato, o filme mostra que Dean
só aceita fazer as fotos com Dennis, depois de convencer o fotógrafo a passar
uma breve temporada no interior, em Indiana, na fazenda onde Jimmy foi criado
pelos tios. Nessa viagem, o protagonista também revela a Dennis seu forte
vínculo com a mãe.
De modo a reforçar a
simbologia da cor verde, o uso do cinza sugere “(...) uma função mágica, ligada
à germinação e ao retorno cíclico da vida manifestada”, razão pela qual essa
cor é associada à Fênix mitológica (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 248). Tons
acinzentados representam “um valor residual: aquilo que resta após a extinção”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 247). Por isso, essa cor dá a James Dean uma
espécie de sobrevida, em consonância com o mito da rebeldia, representado pelo
ator.
Já o azul, conforme Chevalier e Gheerbrant
(2009), é a cor mais profunda que existe e simboliza pureza, imaterialidade,
frieza e um imenso vazio. É também a cor da “verdade” e da “morte” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 108).
Figura 3: Cenas em que predomina o uso do azul, do
cinza e do verde, em Life
Imagens disponíveis em: <https://abrilveja.files.wordpress.com>, <http://i0.wp.com>
e <http://dane-dehaan.org>
A
cor azul se assemelha ao cinza, pois ambos correspondem ao yang. Porém, a simbologia desse elemento é avessa a alguns
significados geralmente atribuídos aos tons azulados. Yang representa “o Sol, o calor, a atividade, o elemento masculino,
o número ímpar” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 490), características, aliás,
mencionadas por Stewart Stern, em uma carta que enviou a Marcus e Ortense
Winslow, tios de James Dean, no ano de 1955, alguns dias depois da morte do
ator. Stern era amigo de Dean, escreveu o roteiro de Juventude transviada e definiu James como singular, “luminoso” e
“irrequieto” (STERN, 2014, p. 144-145). Nessa oposição entre azul e yang, entretanto, percebe-se estreita
conformidade com a contrariedade expressada pelo verde. Contudo, essa relação
complementar das cores não aparece apenas nessas correspondências. Chevalier e
Gheerbrant mencionam que tal junção pode ser encontrada até mesmo em algumas
línguas célticas, que “não têm um termo específico para designar a cor azul (o
vocábulo glas, tanto em bretão, como
em gaélico e em irlandês, significa azul ou
verde, ou até mesmo cinzento, conforme o contexto; (...))” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009, p. 109).
Voltando
à comparação entre os filmes, apesar das semelhanças, cujo destaque cabe ao
aspecto cromático funcional das duas produções, que utilizam as cores para fins
estéticos e de conteúdo, há uma diferença bastante salutar: em Julieta, de Almodóvar, as cores têm uma
função orgânica, proliferando-se em várias cenas (no cenário, no figurino e nos
acessórios); já, em Life, de Corbijn,
as cores são usadas nas paredes, mantendo-se ao fundo ou nas laterais das cenas,
sem nunca invadir o centro. Esses diferentes usos caracterizam os estilos dos
dois diretores. Entretanto, não deixam de desempenhar função primordial no
aspecto semântico das duas histórias, ressaltando as ações e os sentimentos dos
personagens.
Referências:
CHEVALIER,
J; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos.
24 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009.
JULIETA.
Direção de Pedro Almodóvar. Espanha: El Deseo; Universal Pictures, 2016. 1 DVD
(100 min); son.
LIFE. Um retrato de James Dean. Direção
de Anton Corbijn. Eua, Reino
Unido, Canadá, Alemanha, Austrália: See-Saw Films, Barry Films e First Generation Films; Paris Films,
2016. 1 DVD (112 min); son.
STERN,
S. Carta 051. Ele está aqui, vivo, vívido e inesquecível para sempre. In:
USHER, S. (Org.). Cartas extraordinárias.
São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 144-145.
* Professora das disciplinas de Imagem e Literatura e Crítica Cultural, no Mestrado em Teoria
Literária da Uniandrade. Professora de Língua
Portuguesa e Dramaturgia no Curso
de Graduação de Letras da FAE.
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