*Sigrid Renaux
Em continuidade aos blogs REVELAÇÕES I e II, nos quais
foram apresentados e comentados poemas dos alunos do 8º. Período de Letras, no
blog REVELAÇÕES III apresentamos e comentamos poemas escritos pelas mestrandas
em Teoria Literária da UNIANDRADE. O fato de as mestrandas estarem cursando a
disciplina Teorias da Poesia, durante a qual foram apresentadas e discutidas as
poéticas de diversos teóricos e poetas, para, em seguida, aplicá-las a poemas
selecionados, ocasionou a sugestão de elas próprias escreverem e apresentarem
seus poemas, a fim de verificar, por meio de sua criatividade, como um poema é
uma conjunção de inspiração (natureza) e técnica (arte), ou, como afirmava
Longino em Do Sublime: “a arte é
acabada quando com esta [a natureza] se parece e, por sua vez, a natureza é bem
sucedida quando dissimula a arte em seu seio” (c.XXII, I). Seguem, pois, os
poemas de algumas das mestrandas de 2016:
Vanda Carla Bobato Claudino: “Palavras”
1.Um dia é muito tempo
2.para sorrir ou chorar
3.sentir e não gostar,
4.tempo para aceitar.
5. Que fazer com o tempo?
6. com desmedida, amar,
7. olhar, esperar, dar,
8. com cuidado... falar.
9. Palavras podem ser
10. doces igual ao mel
11. amargas como o fel,
12. palavra é poder!
13.Vejo a vida passar
14. rápida como a luz,
15. bonita como o mar,
16. doída como a cruz.
17. Numerosas palavras
18. semeadas ao vento.
19. Agora, o que fazer?
20. Esperar e colher!
A composição gráfica do
poema (cinco quadras), bem como a construção métrica e acentuação (com seis
sílabas poéticas e três acentos silábicos em quase todas as linhas) já
demonstra o cuidado formal da autora em salientar esta regularidade visível das
estrofes. Refere-nos, portanto, ao título, pois a palavra é uma “unidade da língua escrita, situada entre dois espaços
em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação” (HOUAISS).
O
uso que a poeta irá fazer das “palavras” demonstra como é versátil seu emprego,
pois nas duas primeiras quadras, a temática
gira em torno do tempo e de nossos gestos, ações e sentimentos e,
simultaneamente, do contraste entre aqueles que podemos usar “com desmedida” e
a ação que devemos usar “com cuidado... falar”. A repetição da palavra “tempo” no
final da linha 1 da primeira quadra e no final da linha 5 da segunda, bem como
as rimas em “-ar” nas outras linhas, criando o esquema abbb,abbb, demonstram
novamente a preocupação da autora com a homofonia externa.
Da palavra “falar”, última da segunda
quadra, retomamos o título “palavras”, no início da terceira quadra, pois o ato de falar significa literalmente “expressar
por meio de palavras”. Assim, o “cuidado” que se deve ter ao “falar”, é
concretizado por meio das comparações das “palavras” que podem ser “doces igual
ao mel” ou “amargas como o fel”, e, consequentemente, têm o “poder” de agradar
ou causar dor ou tristeza. Nesta quadra,
um novo esquema de rimas (cddc) acentua a mudança temática do “tempo” para o
poder das “palavras”.
A quarta quadra, por sua vez, retoma o
tema da temporalidade, desta vez mesclada à fugacidade, à beleza e ao
sofrimento da vida, os dois primeiros comparados à luz e ao mar – como
elementos que podemos visualizar – o último comparado ao instrumento em que
Jesus Cristo esteve crucificado e que se tornou símbolo da religião cristã,
lembrando-nos, portanto, que o sofrimento faz parte de nossa vida. A rima
alternada (efef) também enfatiza a alternância dos momentos belos com os
sofridos ao longo de nossa vida.
A quinta quadra, metalinguística como a
terceira – as palavras falando das palavras – sugere que um poema é constituído
de palavras “semeadas ao vento”, ou seja, lançadas para germinar. Entretanto,
não podemos assegurar em que local elas vão germinar, pois o “vento” – tão
simbólico de liberdade, inspiração poética, força vital, rapidez e, portanto,
carregando as palavras como inspiração poética – pode arremessá-las perto ou
longe. Só nos resta, como leitores, esperar e colher, onde quer que as palavras
estejam! O esquema de rimas (g, a,c,c) lança toda a homofonia para as duas
últimas linhas (rimas emparelhadas), corroborando, pela semelhança sonora, que
todo poeta, após ter lançado suas palavras ao vento, a única atitude que pode
tomar é esperar que germinem e que os leitores as colham e delas
desfrutem.
Luzia Maria Tistki Almeida: “Vida e
Morte”
1.Nascimento e morte:
2. duas magnificências antagônicas
3. circundam o ser humano.
4.Nascimento – celebração da vida
5. rompimento para a luz,
6.norte do pai e da mãe
7.com crença na criação divinal.3
8.Morte - a transgressão da vida perfeita, plena e
indelével.
9.O espaço entre elas é um espiral,
10.com altos e baixos,
11.conforme a própria vida se comporta.
12.Todos somos predestinados para o que vier.
13.Com saraivadas e com os afagos da própria vida.
14.Também o faz-de-conta
15.conta muito para ensinar a reaprender a amar a
ausência
16.e aguar
a sementinha do amor
17.na presença dos que estão presos à vida,
18.equilibrando-se na tênue linha do aqui e do
acolá.
19.Nascimento: muito te quis.
20.Tanto te quis que você nasceu!
21.Morte: muito te odiei.
22. Tanto te odiei que reaprendi a te aceitar!
O poema “Vida e Morte”,
composto de 22 linhas em versos livres, já indica no título a temática que será
desenvolvida: o contraste entre as “duas magnificências antagônicas” – “nascimento e morte”. O uso de “magnificência”
para sugerir a imponência e grandiosidade desses dois eventos que nos
“circundam”, revela bem o valor que a poeta atribui a essas duas forças
opostas: o nascimento como celebração e a morte como transgressão, como
violação da vida. Mesmo o poema não
obedecendo a nenhuma regra pré-estabelecida, as coincidências sonoras, em vez
da rima, aproximam as palavras no som e no sentido, como a assonância em
/nascimento/ magnificências/ rompimento/crença/, ou
a repetição da sibilante /s/ nas linhas 1,2,3,4,7,8, entre outros, como a
repetição de “vida” nas linhas 4 e 8.
A partir da linha 9, estes
círculos antagônicos contêm um novo desafio, pois “o espaço entre eles é uma
espiral” – esta linha curva que se desenrola num plano de
modo regular a partir de um ponto, dele afastando-se gradualmente; e,
figurativamente, um processo ascendente difícil ou impossível de deter
(HOUAISS) –, concretizando deste modo a predestinação, ou seja, os eleitos
estão destinados à bem-aventurança, enquanto os réprobos estão destinados ao
castigo eterno. As “saraivadas” e os “afagos”, são mais uma vez metafóricos
desse processo em espiral de nossa vida. A repetição de “vida” nas linhas 11 e
13, com suas reverberações sonoras nas aliterações com “vier” e “saraivadas”,
aproximam, novamente, som e sentido, pois a vida inclui o futuro – “vier” – bem
como as “saraivadas”, que se
sucedem em torrente.
Entretanto,
apesar da predestinação, o mundo do imaginário da fantasia é necessário para que
possamos expressar nossos sentimentos – amar a ausência e a presença – a fim
de que nossa trajetória em espiral continue em equilíbrio, como o eu poético conjectura
entre as linhas 14 e 18, conjecturações essas novamente plenas de reverberações
sonoras (sempre com a finalidade de aproximar som e sentido): a recorrência dos
infinitivos ensinar/reaprender/amar/aguar; a repetição da consoante surda /k/
em faz-de-conta/ conta/que/ equilibrando/ aqui/acolá, tanto em posição inicial
(aliteração), como final.
As linhas 19-22, que finalizam o poema,
resumem e simultaneamente anulam a proposição antagônica inicial, pois o
Nascimento, tão desejado, não é mais o oposto da Morte, tão odiada, porque
esta, apesar de inevitável¸ é agora aceita como consequência de nosso “reaprendizado”,
ou seja, aprendemos, através da própria espiral da vida, a aceitar a morte. A
ênfase nos advérbios “muito” (linhas 19 e 21), e “tanto” (linhas 20 e 22), este
último com suas implicações temporais, de grau e de maneira, tornam mais
penetrante o contraste inicial entre nascimento e morte, e que agora, ao final
do poema, tornam-se quase irmãos: amar e aprender a aceitar.
Sharon Martins Vieira Noguêz: “Tempos de paz”
1.Para tudo se leva um tempo
2.Tempo para a rosa desabrochar
3.Para o dia nascer
4.Para a criança crescer
5.Para o amor vigorar.
6.E no vazio do
silêncio
7.Espero as tempestades o supérfluo varrer
8.Espero
o tempo tudo germinar
9.Espero o fim do tormento, com preces de
paz.
Composto por 9 linhas em versos livres, como o
poema anterior, “Tempos de Paz”, entretanto, não apresenta antagonismos como
temática. Ao contrário, o tempo como duração
relativa das coisas, que cria no ser humano a ideia de presente, passado e
futuro percorre o texto, associado à postura serena do eu poético, que aguarda tranquilamente o tempo necessário para “a rosa
desabrochar/ o dia nascer/ a criança crescer/ o amor vigorar”. A construção
paralelística das linhas 2 a 5, como complementação semântica da linha 1 –
“Para tudo se leva um tempo” – é enfatizada não apenas a nível sintático (para
a rosa desabrochar/para o dia nascer/ para a criança crescer/ para o amor
vigorar/) e a nível sonoro, pois os verbos no infinito rimam: desabrochar/vigorar
(linhas 2 e 5) e nascer/crescer (linhas 3 e 4). É ressaltada também a nível
semântico, pois desabrochar/nascer/crescer/vigorar são metafóricos, ou seja, estão
todos associados à ideia de vida como expressão e força do tempo, enquanto os substantivos
rosa/dia/criança/amor também se tornam metafóricos do mundo natural e do mundo
humano, atingindo, em “amor”, o conceito mais elevado da função do tempo, ao
fortalecer o sentimento mais nobre do ser humano.
As
linhas 6 a 9 apenas concluem as considerações do eu poético sobre o tempo, pois
é “no vazio do silêncio” – o silêncio como “prelúdio de abertura à revelação”,
“envolvendo os grandes acontecimentos” (CHEVALIER et GHEERBRANT) – que o poeta
aguarda “as tempestades
o supérfluo varrer/o tempo tudo germinar/o fim do tormento”. E, se a ação de
“esperar”, no sentido de “ter confiança”, é passiva, “as preces de paz” – como consequência da introspecção gerada pelo
silêncio – implicam em exercer uma
atividade, a fim de que o tormento seja substituído pela concórdia, pela paz. A construção paralelística das linhas 7 a
9 novamente enfatiza e reforça a temática desta paciente espera do eu poético,
reforçada ainda pela aliteração “tempestade/tempo” e pela assonância
“tempo/tormento”, unindo os sentidos por meio dos sons dessas palavras. Simultaneamente,
“paz”, como a última palavra do poema, nos remete à palavra “tempo” da primeira
linha, ligando desta maneira a concepção de “tempo”, como um período indefinido,
a “tempos” como um determinado período em
relação aos acontecimentos nele ocorridos, como consta no título. “Tempos de
paz” torna-se, assim paradigmático da polivalência do conceito de tempo, unido
às conotações positivas de “esperar”.
Jusiani Maria de Souza: “A Brisa”
1.A brisa do amanhecer
2.Rejuvenesce a alma
3.Conforta os corações
4.Livrando das solidões.
5.O sol brilha, ilumina a vida durante o dia
6.A lua ilumina a noite conquistando os corações
apaixonados
7.Vindo deixa-los alegres, encantados os namorados.
Neste poema, composto por 7 linhas de versos livres, o eu poético
conjetura, nas 4 primeiras linhas, sobre o poder regenerador da brisa – esta
manifestação suave do vento: simbólica
de fertilidade e relacionada com a respiração, assim como o amanhecer é simbólico
de ressurreição e criação, “a brisa do amanhecer” tem esse poder de
rejuvenescer a alma e confortar os corações, centro das emoções e da essência
vital. Em contato com a brisa do amanhecer, o ser humano não está isolado, e,
mais ainda – como consta a partir da linha 6 –, sua vida é iluminada pelo sol
durante o dia e pela lua à noite, imagens estas tão recorrentes para todos nós,
mas das quais nem sempre nos damos conta. Por esta razão, a simplicidade com a
qual essas imagens da natureza são apresentadas não deve deixar de nos alegrar
e encantar, assim como no poema a lua alegra e conquista os corações
apaixonados. As rimas ocasionais na 3ª.e 4ª. linhas – corações/solidões – e na
6ª. e 7ª. linhas – apaixonados/namorados –, as aliterações conforta/corações na
linha 3 e conquistando/corações na linha 6, além da repetição da sibilante /s/
em amanhecer/rejuvenesce/ corações/solidões /sol/ reforçam a aproximação som/sentido
entre as palavras, preconizada por Jakobson. O otimismo do poema é realçado
ainda pelo fato de os verbos de ação /rejuvenesce/ conforta/ brilha/ ilumina/ estão
no presente do Indicativo, reforçando assim o poder semântico dos mesmos.
Essas considerações sobre
poemas das mestrandas terão sequência num próximo blog.
*Professora das disciplinas Teorias
da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin, no
Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário