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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

HOUSE OF CARDS: A TRILOGIA DE MICHAEL DOBBS

                                                        Prof.ª Dr.ª Brunilda Tempel Reichmann*

Michael Dobbs, hoje Lord Dobbs, atuou como assessor da primeira-ministra Margaret Thatcher (1987), da Inglaterra, e conheceu os bastidores da política britânica em detalhes. Esse conhecimento é revelado na trilogia política que inspirou as séries britânica e norte-americana. O primeiro desses romances, intitulado House of Cards (1989), foi traduzido para o português em 2014, e conservou o mesmo título da versão em inglês. Esse título de sucesso foi repetido nas traduções dos outros dois volumes: House of Cards – xeque-mate (tradução de To Play the King, 1992) e House of Cards – o último ato (tradução de The Final Cut, 1994), ambas de 2016.
Neles, Dobbs recria, com ironia e sarcasmo, os bastidores da monarquia parlamentarista da Inglaterra. Nas séries baseadas na trilogia, atores shakespearianos inserem apartes, como vemos principalmente em Ricardo III e em Otelo, com o personagem Iago. Na trilogia de Dobbs, não há apartes, mas há epígrafes, ou seja, uma possível reconfiguração de apartes – ditos mordazes e picantes, e muitas vezes tragicômicos, sobre a política da Inglaterra. Citamos alguns, retirados da tradução do primeiro volume:

Política exige sacrifício. Sacrifício dos outros, é claro. (p. 33)

Se você tiver que infligir dor, certifique-se de que será uma dor irresistível e esmagadora, assim o outro saberá que você pode lhe fazer mais mal do que ele jamais será capaz de lhe fazer. (p. 38)

Política? Guerra? Como minha esposa constantemente me lembra, não existe diferença entre as duas. (p. 47)

A verdade é como uma garrafa [do melhor] vinho. Com frequência você a encontra no canto mais escuro da adega. (p. 55)

Mas no fundo, no fundo [Westminster] ainda é um pântano. (p. 99)

O mundo de Westminster é movido por ambição, exaustão e álcool. E tesão. Especialmente tesão. (p. 137)

“Política”. A palavra vem do grego antigo. “Poli” significa “muitos”. E “tica” vem de “ticaca”, algo sem valor, pequeno. (p. 164)

Todos os membros de um Gabinete são tratados como Corretos e Honoráveis Cavalheiros. Há apenas três coisas erradas num título como esse... (p. 186)

Um político não deve gastar tempo demais pensando. Isso tira a atenção que ele deve manter em vigiar sua retaguarda. (p. 199)

A beleza está nos olhos de quem vê. A verdade está nas mãos de seu editor. (p. 221)

A crueldade, de qualquer natureza, é imperdoável. Portanto, não faz sentido algum ser cruel pela metade. (p. 288)

Mentir sobre a própria força é a marca da liderança; mentir sobre os próprios erros, a marca da política. (p. 299)

Se por um lado, as epígrafes dos três volumes levam o leitor a hesitar entre a comicidade e a tragicidade da narrativa, emaranhadas na vida pública e privada, tão próprias do dramaturgo inglês, por outro, elas afinam o ouvido do leitor à voz e planos do primeiro-ministro Francis Urquhart, tornando mais fácil a aceitação das vilanias cometidas ou a serem cometidas pelo protagonista. A narrativa de Dobbs é construída de forma episódica, mas, nos dois primeiros volumes, conserva a linearidade.  Se esses romances não exigem uma maior participação do leitor como coautor da narrativa, o terceiro volume, por outro lado, exige uma atenção redobrada pela intercalação de episódios que remetem a um passado longínquo, vinculado ao protagonista, à participação de novos personagens e à utilização de relatos históricos, ficcionais ou não. A narrativa caminha, portanto, num crescendo de intensidade dramática e apresenta um final ousado, inesperado, surpreendente e bombástico no terceiro volume.
House of Cards (Livro 1) revela que, não importa o país, a dissimulação, a intriga, a traição e a criminalidade reinam nos bastidores do poder. Ao ajudar a eleger o primeiro-ministro fictício que sucede a Margaret Thatcher, impulsionado pelo instinto de vingança por não ter sido mantida a promessa de um cargo no gabinete, Francis Urquhart, vice-líder da bancada conservadora do Parlamento inglês, promete vingar-se e trabalha para a desmoralização e queda do primeiro-ministro que ajudara a eleger. Ele tem nas mãos os políticos do país e está disposto a tudo para se tornar primeiro-ministro. Mortima, sua esposa, companheira, incentivadora e cúmplice, aparece pouco no romance. Eles têm um casamento aberto, sem cobranças. Afastam-se de casos ou amantes em época de campanha. Mattie Storin é uma jovem repórter investigativa, amante do vice-líder, com um talento especial para descobrir a verdade atrás dos fatos. Quando ela se depara com uma teia escandalosa de intriga, corrupção financeira e assassinato, ela ameaça revelar a verdade e paga com a vida pela ousadia de enfrentar Urquhart. Sobre a estreia da trilogia de Dobbs, York Evening Press escreve: “Francis Urquhart é um dos grandes personagens da ficção atual”. The Independent diz: “Esta história, sangrenta, cínica e tão semelhante à vida real, certamente possui uma marca de autenticidade... um grande triunfo” e The Times resume: “O timing [de Michael Dobbs] é impecável” (comentários incluídos na quarta capa do romance). 
House of Cards – xeque-mate (Livro 2): depois de pavimentar sua escalada ao poder, o primeiro-ministro recém-eleito, Francis Urquhart, tem que lidar com o Chefe de Estado. A monarquia na Grã-Bretanha fica, então, sob escrutínio do primeiro-ministro, que ameaça expor segredos reais quando seus planos são questionados pelo rei idealista. As diferenças de opinião entre Urquhart e o rei rapidamente se transformam em hostilidade aberta. A batalha entre os dois é travada, pelo lado de Urquhart, com pesquisas de opinião fraudulentas, manchetes manipuladas, escândalos sexuais e ameaça de desastre econômico, ao mesmo tempo que se empenha em destruir não somente a família e os amigos do rei, mas o próprio rei. A peças “do jogo de xadrez” são cuidadosamente movimentadas no jogo de poder entre Urquhart e o rei até o xeque-mate. Sobre este segundo volume, The Times registra: “Com um amigo como Michael Dobbs, quem precisa de inimigos? Seus livros prendem a atenção por conta de toda a autenticidade que deixam transparecer – ele realmente sabe do que está falando”. Sunday Express comenta: “Michael Dobbs tem uma incrível habilidade de prever o futuro. Uma história fascinante cujo fim deixaria o Palácio de Buckingham de cabelos em pé” (comentário incluídos na quarta capa do segundo romance). 
House of Cards – o último ato (Livro 3): Francis Urquhart está prestes a ser o primeiro-ministro que permanece, no século XX, por mais tempo na função, mais do que os 4227 dias de Magaret Thatcher. No entanto, o povo inglês está cansado dele, e o movimento para forçá-lo a afastar-se cresce continuamente. Ele, no entanto, ainda não está pronto para deixar o poder. Se o público exige sangue novo, é precisamente isso que vai lhes dar. O Francis Urquhart deste volume é mais vulnerável e cruel. Após dez anos como chefe do governo, ele é constantemente visitado por fantasmas do passado: a visão e o som que acompanham a queda da jornalista e amante Mattie Storin do terraço do Parlamento, 10 anos antes, perpetrada por ele, e a visão e o cheiro dos corpos de dois adolescentes cipriotas, ao serem queimados vivos, há cerca de 40 anos, o atormentam. A crueldade do jovem tenente Urquhart, então com 23 anos, realmente não tem limites: ele queima os corpos de George e Alcides Passolides (15 e 13 anos, respectivamente), embebidos em gasolina. George e Alcides eram irmãos de Evanghelos Passolides que, no presente da narrativa, mora na Inglaterra e cujo objetivo na vida é descobrir quem assassinou seus irmãos e onde seus corpos estão enterrados. Os adolescentes mortos, George e Alcides, são também os tios de Maria Passolides que, no final do romance, está envolvida emocionalmente com Tom Makepeace, Secretário de Estado do Exterior, adversário de Urquhart nas últimas eleições.
Nesse último volume, Urquhart arrisca tudo, pois está certo de uma coisa: qualquer que seja o resultado, seu nome entrará para a história. E, no final, mesmo debilitado e vulnerável, ele destrói, com um golpe de mestre, o candidato já praticamente eleito como seu sucessor. Sobre esse terceiro volume The Times comenta: “Um ótimo entretenimento. O personagem de Urquhart é uma pérola, e os incríveis jogos em que ele se envolve continuam prendendo a atenção do leitor”. Sunday Express afirma: “Magnífico [...] Não falta nada a este livro” e Sunday Telegraph complementa: “Um retorno triunfante [...] O melhor livro da trilogia. A ação é incansável, a caracterização é perfeita e as irônicas alfinetadas nos políticos e na política são incrivelmente precisas. F.U. é uma brilhante criação” (comentários incluídos na quarta capa do terceiro romance).
                                                                                    *Professora do Curso de  
                                                                                     Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

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