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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Robert Crumb: um seguidor dos beats?

                                                                                                                                       
                                                                                                                  *Prof. Dr. Luiz Zanotti

O escritor, músico e cartunista americano Robert Crumb (1953-), que criou o controvertido Fritz the Cat, iniciou a sua carreira na empresa American Greetings onde desenhava cartões comemorativos, apesar de sua personalidade “outsider” que nunca aceitou estes tipos de convenções. Crumb é autor de uma vastíssima obra composta de romances gráficos, cartuns, desenhos, coletâneas de jazz, etc. Sua obra tem grande influência do movimento da contracultura que ocorreu na década de 1960, um fenômeno cultural anti-establishment que se desenvolveu primeiro nos Estados Unidos e no Reino Unido, e depois se espalhou por grande parte do mundo ocidental.
Este movimento esteve ligado ao desenvolvimento dos  direitos civis afro-americano, à expansão da intervenção militar do governo dos EUA ao Vietnã, à liberdade sexual, à música psicodélica e os seus grandes festivais, aos direitos femininos, aos modos tradicionais das autoridades, à experimentação com drogas psicoativas como o LSD, às interpretações divergentes do sonho americano, entre outros, atividades, que, de certa forma, remontam à filosofia beat dos anos 50.
Neste contexto, Crumb, que desde pequeno amava as animações de Walt Kelly e os Irmãos Fleischer, começou a desenhar e se transformou no temerário cartunista que desafiou as normas para introduzir um cartoon de cunho extremamente sexual, que chocou profundamente a conservadora sociedade americana dos anos 60 que reservava as histórias em quadrinhos para as crianças.
Seus trabalhos o colocaram como o mais popular cartunista entre o final dos anos 60s e os anos 70s com o seu humor satírico e conteúdo explicitamente sexual. Crumb, é se duvida, um dos mais criativos artistas que encenou na cena dos “comics underground”. Entre as sua criações destaca-se Mr. Natural, cuja primeira aparição esta no primeiro numero de ‘Yarrowstalks’. A personagem tem poderes mágicos e hábitos sexuais pouco convencionais. Na seqüência, Crumb cria a personagem, “Fritz o gato” uma imagem antropomórfica que vai viver aventuras selvagens, geralmente de natureza sexual. Este cartum se tornou muito popular com presença em revistas como Help!’ e ‘Cavalieri’.
 É importante notar que toda esta criação tendo como motivo a sexualidade está de acordo com as premissas da “redescoberta do corpo” na contemporaneidade, um corpo que havia sido abandonado pela filosofia do “Penso, logo existo” de René Descartes, e que é resgatado pela filosofia de Friedrich Nietzsche.  A partir dessa necessidade de se perceber o corpo como mais uma das possibilidades de obtenção de entendimento e também do conceito de “ser-no-mundo” formulado por Martin Heidegger, o teórico alemão Hans Ulrich Gumbrecht apresenta o conceito de “produção de presença”. Tal conceito vaticina que essas “coisas do mundo” podem ser mais que uma simples atribuição de um significado metafísico e que o impacto dessas coisas podem ir além da razão, perpassando todo o nosso corpo físico.
Gumbrecht propõe uma tipologia que identifica alguns diferentes tipos de apropriação-do-mundo pelo corpo como por exemplo “Comer as coisa do mundo” e “Penetrar coisas e corpos”. “Penetrar coisas e corpos” está claramente ligado à sexualidade, elemento que já pode ser verificado na obra do poeta beat Allen Ginsberg em seu poema Uivo:

que se deixaram ser enrabados por motoqueiros
beatíficos e gritaram com prazer
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins humanos, os
marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cai da tarde em roseirais, na
grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-
mente seu sêmem para quem quisesse vir,

 Desta forma, podemos verificar que a obra de Crumb, assim como todo o movimento da contra cultura tem a sua origem na denominada geração beat, que teve entre os seus principais articuladores, escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Assim, como estes autores, Crumb também traz a “redescoberta do corpo”, o descrédito à sociedade americana do sucesso e sua normalidade, a não aceitação de suas normas, o credo numa existência livre, mesmo que tivesse que pagar o alto preço de ser considerado um “outsider”. Os seus desenhos, como teremos oportunidade de analisar, refletem toda dificuldade em se manter no seio desta sociedade.
Dentre seus diversos trabalhos, como podemos verificar na figura 1, ele ilustrou a capa de diversos álbuns de musica para as empresas Yazoo Records e Blue Goose Records, sendo os mais importantes as suas ilustrações para os álbuns de Janis Joplin ‘Cheap Thrills’ e do grupo Greateful Dead ‘The Music Never Stopped: Roots of the Grateful Dead’.

                                           Figura 1. Capa do disco de Janis Joplin

Crumb na capa do disco de Joplin já demonstra toda a importância do corpo, que como vimos, foi por muito tempo esquecido pela filosofia moderna. As imagens do corpo de Joplin, apesar de ter uma estrutura física voluptuosa, é representada por uma mulher com seios fartos e coxas grossas. A proximidade de Crumb com Joplin deve também ter se dado pelo fato do inconformismo da cantora com a sociedade americana, assim como aconteceu na geração beat.

* Professor do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

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