*Prof. Dr. Luiz Zanotti
O
escritor, músico e cartunista americano Robert Crumb (1953-), que criou o
controvertido Fritz the Cat, iniciou
a sua carreira na empresa American Greetings onde desenhava cartões
comemorativos, apesar de sua personalidade “outsider” que nunca aceitou estes
tipos de convenções. Crumb é autor de uma vastíssima obra composta de romances
gráficos, cartuns, desenhos, coletâneas de jazz, etc. Sua obra tem grande influência
do movimento da contracultura que ocorreu na década de 1960, um fenômeno
cultural anti-establishment que se desenvolveu
primeiro nos Estados Unidos e no Reino Unido, e depois se espalhou por grande
parte do mundo ocidental.
Este
movimento esteve ligado ao desenvolvimento dos direitos civis afro-americano, à
expansão da intervenção militar do governo dos EUA ao Vietnã, à
liberdade sexual, à música psicodélica e os seus grandes festivais, aos direitos femininos, aos modos tradicionais das
autoridades, à experimentação com drogas psicoativas como
o LSD, às interpretações divergentes do sonho americano, entre
outros, atividades, que, de certa forma, remontam à filosofia beat dos anos 50.
Neste contexto, Crumb, que desde pequeno amava as animações de Walt Kelly e os Irmãos Fleischer, começou a desenhar e se transformou no temerário cartunista que desafiou as normas para introduzir um cartoon de cunho extremamente sexual, que chocou profundamente a conservadora sociedade americana dos anos 60 que reservava as histórias em quadrinhos para as crianças.
Neste contexto, Crumb, que desde pequeno amava as animações de Walt Kelly e os Irmãos Fleischer, começou a desenhar e se transformou no temerário cartunista que desafiou as normas para introduzir um cartoon de cunho extremamente sexual, que chocou profundamente a conservadora sociedade americana dos anos 60 que reservava as histórias em quadrinhos para as crianças.
Seus
trabalhos o colocaram como o mais popular cartunista entre o final dos anos 60s
e os anos 70s com o seu humor satírico e conteúdo explicitamente sexual. Crumb,
é se duvida, um dos mais criativos artistas que encenou na cena dos “comics
underground”. Entre as sua criações destaca-se Mr. Natural, cuja primeira aparição
esta no primeiro numero de ‘Yarrowstalks’. A personagem tem poderes mágicos e
hábitos sexuais pouco convencionais. Na seqüência, Crumb cria a personagem, “Fritz
o gato” uma imagem antropomórfica que vai viver aventuras selvagens, geralmente
de natureza sexual. Este cartum se tornou muito popular com presença em
revistas como Help!’ e ‘Cavalieri’.
É importante notar que toda
esta criação tendo como motivo a sexualidade está de acordo com as premissas da
“redescoberta do corpo” na contemporaneidade, um corpo que havia sido
abandonado pela filosofia do “Penso, logo existo” de René Descartes, e que é resgatado
pela filosofia de Friedrich Nietzsche. A
partir dessa necessidade de se perceber o corpo como mais uma das
possibilidades de obtenção de entendimento e também do conceito de
“ser-no-mundo” formulado por Martin Heidegger, o teórico alemão Hans Ulrich
Gumbrecht apresenta o conceito de “produção de presença”. Tal conceito vaticina
que essas “coisas do mundo” podem ser mais que uma simples atribuição de um
significado metafísico e que o impacto dessas coisas podem ir além da razão,
perpassando todo o nosso corpo físico.
Gumbrecht propõe uma tipologia
que identifica alguns diferentes tipos de apropriação-do-mundo pelo corpo como
por exemplo “Comer as coisa do mundo” e “Penetrar coisas e corpos”. “Penetrar
coisas e corpos” está claramente ligado à sexualidade, elemento que já pode ser
verificado na obra do poeta beat Allen Ginsberg em seu poema Uivo:
que se deixaram ser enrabados por
motoqueiros
beatíficos e gritaram com
prazer
que enrabaram e foram enrabados por
esses serafins humanos, os
marinheiros, carícias de amor atlântico e
caribeano,
que transaram pela manhã e ao cai da
tarde em roseirais, na
grama de jardins públicos e cemitérios,
espalhando livre-
mente
seu sêmem para quem quisesse vir,
Desta forma, podemos verificar que a obra de
Crumb, assim como todo o movimento da contra cultura tem a sua origem na
denominada geração beat, que teve entre os seus principais articuladores,
escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Assim, como estes autores, Crumb
também traz a “redescoberta do corpo”, o descrédito à sociedade americana do
sucesso e sua normalidade, a não aceitação de suas normas, o credo numa
existência livre, mesmo que tivesse que pagar o alto preço de ser considerado
um “outsider”. Os seus desenhos, como teremos oportunidade de analisar,
refletem toda dificuldade em se manter no seio desta sociedade.
Dentre
seus diversos trabalhos, como podemos verificar na figura 1, ele ilustrou a
capa de diversos álbuns de musica para as empresas Yazoo Records e Blue Goose
Records, sendo os mais importantes as suas ilustrações para os álbuns de Janis
Joplin ‘Cheap Thrills’ e do grupo Greateful Dead ‘The Music Never Stopped:
Roots of the Grateful Dead’.
Figura 1. Capa do disco de Janis Joplin
Crumb
na capa do disco de Joplin já demonstra toda a importância do corpo, que como
vimos, foi por muito tempo esquecido pela filosofia moderna. As imagens do
corpo de Joplin, apesar de ter uma estrutura física voluptuosa, é representada
por uma mulher com seios fartos e coxas grossas. A proximidade de Crumb com
Joplin deve também ter se dado pelo fato do inconformismo da cantora com a
sociedade americana, assim como aconteceu na geração beat.
* Professor do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE
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