VIDA ARTE, ARTE VIDA: REFLEXÕES SOBRE A POTENCIALIDADE DA PERFORMANCE COMO EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA E TRANSFORMADORA
Lúcia Helena Martins
Receber o convite da Verônica para
escrever para este blog foi um presente. É uma delícia relembrar momentos de
quando cursei o Mestrado em Teoria Literária na Uniandrade. Nesse período,
conheci pessoas, professoras e colegas maravilhosas, comprometidas com a
literatura, com a educação e com a pesquisa. Na Uniandrade, além das aulas de
mestrado e da pesquisa, me sentia instigada a publicar artigos e participar de
eventos, simpósios e congressos junto às professoras e colegas. Minha pesquisa
de mestrado me abriu portas para muitos lugares. Dois meses após a defesa, por
exemplo, eu fui aprovada em um concurso para professora cres na Universidade
Estadual do Paraná – FAP (onde estou até hoje). Nunca esquecerei da sensação de
alegria no dia em que eu e minha orientadora de mestrado, Dra. Anna Stegh
Camati, estávamos apresentando nossas pesquisas no Simpósio Internacional de Brecht
em Porto Alegre (2012) e recebi o telefonema da universidade me chamando para
assumir o cargo.
Hoje, além de professora, sou
performer e diretora teatral e venho realizando pesquisas com base em minhas
práticas com a performance e as artes da cena. Um dos espetáculos que dirigi em
2016 teve muita influência das discussões fomentadas nas aulas de Teoria
Literária e Poéticas da Reciclagem das professoras Dra. Brunilda Reichmann e
Dra. Anna Camati, respectivamente. Trata-se do espetáculo “No coração das trevas:
uma jornada mítica civilizada pelo centro cívico”, inspirada na obra Coração das Trevas de Joseph Conrad. A
performance aconteceu no espaço urbano, especificamente na Av. Candido de
Abreu, onde o público realizava a pé um percurso poético-político que se dava
entre a Praça do casal Nu e a Praça Nossa Senhora de Salete. Além de minhas
práticas como artista, também trabalho como roteirista para filmes artísticos,
institucionais e publicitários. O mestrado em Letras foi fundamental em
diversos aspectos da minha vida profissional.
A minha pesquisa de mestrado teve como tema a dramaturgia do espaço, especificamente intitulada: “Dejetos, detritos e devaneios: dramaturgias do espaço em manifestações cênicas contemporâneas”. A partir desse trabalho, criei meu percurso e a minha pesquisa acadêmica e artística que hoje engloba outros temas mais como: Artes da cena, Dramaturgias do espaço, Intervenções urbanas, Teatro de rua e Performance. Tornei-me membro da Rede Brasileira de Teatro de Rua e criei e coordenei o projeto de extensão “Performances em espaços diversos” durante muitos anos pela UNESPAR - FAP. Além disso, cursei o doutorado em “Teatro e Sociedade” na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC- SC). Minha tese teve como tema a Pedagogia da Performance e o Artivismo da Proximidade. Desde então, venho pesquisando performance e também me tornei integrante do Hemispheric Institute of Performance and Politics de New York Universit (NY).
Folder de Práticas e processos de performances e intervenções. Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.
Do mestrado para cá, publicar
artigos em revistas e anais se tornou um hábito. Dentre esses artigos está o
intitulado “Pedagogias da Performance: implicações e reflexões”, publicado em
2023 como capítulo do livro Literatura e
Interartes: rearranjos possíveis, e tomo este espaço para convidar a/o
leitor/a a lê-lo. Nele, apresento um apanhado teórico com algumas noções do
termo performance e problematizo e realizo uma reflexão sobre a pedagogia da
performance.
A performance é um campo de investigação muito interessante
e amplo, pois engloba a antropologia, a linguística, a psicologia, a
sociologia, a física, a educação, as artes. E, apesar de encontrar-se nesses
diversos campos do conhecimento, ela dialoga com todos, mesmo quando abordada
pela perspectiva de apenas um deles. Neste sentido, ela é transdisciplinar e
está sempre em processo de construção, o que a torna um fenômeno impossível de
ser definido e categorizado e/ou colocado em alguma caixinha. Ela está no campo
da experiência. O sufixo “per” significa “per”igo, ex”per”iência. Ela é processo.
É conhecer o desconhecido. Lançar-se ao jogo. Burlar as suas próprias regras. Romper
com o que se convenciona. A partir do momento em que se define o que é, ela já
se tornou outra coisa. A força da performance está na potência de realizar,
transformar e transgredir. Possui a capacidade de criar realidades e
identidades por meio de palavras (Hurssel) e de ações (Schecnher, Taylor).
Para Hurssel, a performatividade na
linguística é o fenômeno que permite realizar ações ou efeitos no mundo real
por meio da linguagem para além da descrição ou representação. Por exemplo, alguém
em situação formal diz: “Eu vos declaro “marido e mulher” e o casal está
oficialmente casado. Da mesma maneira, as palavras e normas sociais atribuídas,
como postulado por Simone Beauvoir, de que “ninguém nasce mulher, mas torna-se”,
não constitui uma identidade feminina inata, mas molda e define a identidade
por meio de palavras, ensinamentos e práticas. É performance.
Segundo o criador dos Estudos da Performance, Richard
Schechner, a potência da performance é ela significar comportamento restaurado,
repetido, aquele que as pessoas treinam e buscam e, ao mesmo tempo, ela ter em
si o poder de ruptura desses comportamentos. Através das palavras e dos
comportamentos dos corpos e da ruptura com os padrões estabelecidos, é possível
criar outros modos de fazer, divergências, encruzilhadas. Ruptura. Daí a sua característica
rebelde, transgressora e a sua força e potência de transformação social a ser
realizada no campo da educação.
A performance-arte apareceu com
força na década de 1960, quando artistas buscavam romper com diversas convenções
que regiam os processos artísticos. Por exemplo, a saída dos museus em direção às ruas e espaços
não convencionais, sustentado pelo discurso de democratização da arte; a
desfronteiralização entre arte e vida, artista e público; a ruptura com o
representacional e o deslocamento da arte como produto acabado vendido como
mercadoria para a arte enquanto processo; a enaltação da presença do performer em
vez da representação, dos corpos divergentes, das denúncias; as energias,
pulsão de energia no aqui e agora, o
deslocamento das noções de separação entre mente e corpo, na qual o corpo
é colocado como protagonista porque ele pensa. Performance arte caracteriza-se
pela intermidialidade e interdisciplinaridade entre as diversas linguagens
artísticas (música, pintura, dança, escultura, literatura, teatro) e, sendo
assim, é difícil encontrar aproximações e definições para esse gênero. No
entanto, apesar dessa diversidade, há um ponto em comum que une os diferentes
tipos de performances: elas se propõem como modo de intervenção e de ação sobre
o real, um real que elas procuram desconstruir por intermédio da obra de arte
que elas produzem.
Considerando o caráter
indisciplinado, rebelde, transgressor e de ruptura com os comportamentos restaurados
e ensinados pelo establishment, bem
como a sua grande diversidade de noções, pensar a performance e
seu ensino provoca dúvidas e inquietações. A partir dessa
perspectiva, e considerando que a performance é ruptura sempre em busca de
invenção, questiono: seria possível “ensinar” performance se ensino é algo no
qual a aprendizagem se repete? Seria realmente possível a criação de
metodologias da performance que, de fato, ensinem performance? No que
consistiria ensinar performance? Como
pensar uma prática pedagógica?
A partir dessas questões analiso, no capítulo do livro,
algumas pedagogias da performance realizadas em cursos e workshops tais como a metodologia de La Pocha Nostra do México e o método performático da performer
norte-americana Marina Abramovich. Além disso, faço um breve relato e análise
de uma prática de pedagogia da performance realizada por mim com estudantes do
curso de graduação em Licenciatura em Teatro na disciplina Estudos da
Performance que aconteceu durante a pandemia Covid 19 em meio remoto. É
possível presença? O que é presença? Como desnaturalizar o olhar num mundo já
desnaturalizado? São questionamentos que discuto ao falar sobre as práticas de
performances. Assim, convido você leitor/a para ler esse artigo que convoca a
um olhar crítico e reflexivo sobre a performance como uma forma de conhecimento
e prática artística, oferecendo perspectivas sobre sua potencialidade pedagógica
transformadora no campo das artes. Fica o convite à leitura do livro no
link:
https://drive.google.com/file/d/1CP_eG_3Ve_9XoiiLFe6GWgS7clTeEWc7/view
Richard
Schechner e Lúcia Martins. Universidade Autônoma da cidade do
México - UNAM (2019). Crédito
da imagem: Lúcia Helena Martins.
Acervo pessoal.
Fala-manifesto no Encontro da Rede Paranaense do Teatro de Rua. Rua XV de Novembro. 2019. Crédito da imagem: Lúcia Helena Martins. Acervo pessoal.
Lúcia
Helena Martins é Professora-artista,
pesquisadora, performer e diretora teatral. Docente (CRES) do curso de Teatro
da UNESPAR - Curitiba II (desde 2012 até a atualidade). Doutora em Teatro pela
UDESC / Bolsista da CAPES: Programa de Demanda Social (2022). Mestre em Teoria
Literária pela UNIANDRADE (2012).
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