O QUARTETO DE ALEXANDRIA, en
passant
Brunilda T. Reichmann
No segundo volume da
edição em inglês da tetralogia The
Alexandria Quartet, publicado pela E. P. Dutton em
1961, Lawrence Durrell, o romancista, poeta e dramaturgo britânico, insere uma
nota, dizendo: “Os três primeiros romances (...) foram organizados
espacialmente (...) e não estão ligados de forma seriada. Eles se sobrepõem, se
entrelaçam, numa relação puramente espacial. O tempo não muda. Apenas o quarto romance
apresenta o passar do tempo e é uma verdadeira sequência” (minha tradução). Dos
quatro romances que têm nomes de personagens como títulos: Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, em Clea apenas o
tempo flui para além do limite temporal dos três primeiros livros, que tratam
do mesmo momento em Alexandria, mas sob prismas diferentes, numa narrativa
multifacetada, complexa, instigando o leitor a uma negociação constante em
busca de compreensão. As personagens dos títulos são protagonistas dos romances
com seus nomes e permanecem importantes nos que seguem.
É sob o ponto de vista
de Daley, um jovem escritor, que adentramos o universo ficcional de Durrell, onde
são relatados inúmeros encontros e desencontros de um grupo de amigos na cidade
de Alexandria em Justine. A “mesma”
história é recontada, as personagens vivem o mesmo momento no mesmo lugar –
Alexandria – no segundo volume, Balthazar.
Mas a história é realmente outra, porque há informações adicionais e muitas
vezes contraditórias, fornecidas pelo manuscrito que é enviado a Darley por
Balthazar. Darley, o personagem escritor, vive um emaranhado de emoções, se
envolve com duas mulheres, Justine e Melissa, e, juntamente com as outras
personagens – amigos, amantes, maridos –, envolve-se numa trama surpreendente,
repleta de mistério, sedução e erotismo, construída por Durrell.
Narrado em terceira
pessoa, Mountolive, o terceiro
volume, (re)apresenta os eventos dos dois primeiros sob uma nova perspectiva. Desta
vez a trama gira em torno do diplomata Mountolive e tem início com a paixão
dele por Leila, mulher casada com um homem inválido e mãe de dois filhos.
Aspectos desconhecidos da vida de Darley, o narrador dos dois primeiros
volumes, Justine, Melissa e das outras personagens são revelados e surpreendem
o leitor a cada momento, enquanto a trama se intensifica. “É um caleidoscópio
de imagens através do qual percebemos novos ângulos das histórias contadas em Justine e Baltazar.”
Em Clea, romance narrado em primeira pessoa, Darley, depois de passar
anos isolado em uma ilha com a pequena filha de Nessim, marido de Justine, e
Melissa, retorna para Alexandria, o local que lhe traz lembranças de um conturbado
passado com seus antigos amigos, entre eles Clea. Esta lhe fornece informações
cruciais para que ele e o leitor possam preencher algumas das lacunas que foram
deixadas nos romances anteriores. Pursewarden, um dos personagens, parece
esclarecer um dos propósitos de Durrell ao escrever O quarteto de Alexandria. Ele diz: “Preste atenção leitor, pois o
artista é você, somos todos nós: a estátua que precisa libertar-se do monótono
bloco de mármore que a aloja para então começar a viver” – em clara alusão a
Michelangelo.
O estilo de Durrell
também sofre alteração nos romances. No primeiro, ele sugere uma mente tentando
encontrar um sentido no emaranhado de eventos caóticos ou pelo menos ininteligíveis
em Alexandria. Estes são relatados de acordo com a ordem de importância na
mente de Darley, e nós, leitores, nos vemos em busca de um sentido tal qual o
narrador. Em Balthazar, temos um
narrador mais relaxado, há passagens narrativas mais longas e o foco do romance
se expande. A visão da “realidade” de Darley tem que se adaptar a novas
descobertas, seu estilo não sugere mais a ansiedade de um narrador em busca
sedenta por causas. O segundo volume também prenuncia a técnica tradicional que
será usada no terceiro. Temos a sensação que o estilo de Durrell – sua linguagem
e técnica narrativa – torna-se uma metáfora para mundo caótico em processo de
organização na tetralogia. Caso essa sensação seja válida, temos que aceitar a
noção de que, em Mountolive, Durrell
sugere uma organização da experiência ou pelo menos uma progressão reconhecível
em direção à organização da experiência de Darley. Mas, talvez possamos dizer
que, se por uma lado, concordamos com o comentário do narrador sobre o fato de
que ele apresenta a relatividade da “verdade” nos três primeiros volumes, por
outro lado, temos que acrescentar que Justine,
Balthazar e Mountolive, apesar de apresentarem diferentes aspectos da
“verdade”, se predispõem em cada volume subsequente a negociar com a “verdade”
oferecida no(s) anterior(es) e a modificá-la.
Em O quarteto de Alexandria, a escritura literária é também um dos
temas do texto: “é o fio condutor de uma história estruturada numa linguagem
sofisticada e intertextual, repleta de referências a outros livro e outros
autores”. Nós, leitores, ficamos cientes,
ao ler a tetralogia, que estamos diante de uma das mais instigantes obras
literárias da metade do século XX, onde “realidade” e literatura se entrelaçam
para criar uma tessitura novelística densa, profunda e inusitada.
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