Luiz Zanotti*
O ensaio a seguir busca mostrar o importante momento do
desenvolvimento do teatro no Brasil, através de uma breve discussão sobre a
peça Vestido de noiva a partir dos
seus textos e de algumas críticas referentes a montagens das mesmas. Vestido de noiva é uma obra que está na
própria origem do moderno teatro brasileiro, com
Nelson Rodrigues construindo um universo dramático absolutamente original,
fazendo uso do teatro da memória com maestria (parece ter tido forte influência
de Eugene O’Neill, Luigi Pirandello ou Henrik Ibsen –, autores que Nelson,
aliás, dizia não conhecer, embora isso fosse pouco provável), rompendo com a narrativa linear, e mostrando um sujeito
pós-moderno, e, portanto, fragmentado, um sujeito que perdeu um “sentido
de si” estável (Hall, A identidade na pós-modernidade).
Para que tais resultados sejam possíveis, Nelson Rodrigues
divide o palco em três planos diferentes: um para a memória, outro para a
realidade e o terceiro para as alucinações. O diretor polonês Ziembinski vai
concretizar estas divisões através de recursos de iluminação, que divide os
planos, e sonoplastia que traz as vozes de pessoas não presentes, num recurso
cujo principal objetivo parece ser o de acentuar a natureza multifacetada do
sujeito do inconsciente.
Assim, esta informação fragmentada, ora
através da iluminação de imagens visuais obtidas pela apresentação de cenas
mudas, ora através de sons que inesperadamente invadem o silêncio do teatro por
intermédio de algum microfone estrategicamente colocado, ora através dos
diversos planos, acabam por formar um quebra-cabeças que o espectador vai
montando pouco a pouco.
Este quebra-cabeças que se passa dentro da mente da mulher atropelada,
que embaralha fatos “reais”, imaginários e até alucinações correspondem aos
diversos planos em que foi dividido o palco, dentro de uma trajetória não linear,
que para Benjamin (Benjamin, W. In: GAGNEBIN, J. M., História e narração em W. Benjamin), em sua não linearidade, assim
como o véu tecido por Penélope, se encontra nos movimentos, as vezes complementares,
as vezes opostos dos fios da trama e da urdidura, na descrição do esquecer como
princípio produtivo, na comparação com as franjas tecidas pelo esquecimento e
seus ornamentos.
Em seu comentário sobre o espetáculo, Almeida Prado cita o ator Sérgio
Cardoso, aprovando a sua atuação de uma forma como se o expressionismo nunca
tivesse existido: “Sua encenação é original no sentido mais raro e genuíno da
palavra, o etimológico, no sentido de provir diretamente da origem, de ter
voltado ao texto, deixando-se guiar e inspirar exclusivamente por ele” (Prado,
D. A. Teatro em progresso).
Enfim, Vestido
de noiva apresenta ao público, o que se passa na memória de uma mulher
atropelada durante uma operação de emergência, com sua mente relembrando várias
passagens, reais ou num estado de delírio
que muitas vezes lembra A morte do caixeiro
viajante, de Arthur Miller dentro, e de uma perspectiva barroca dá face ao
próprio delírio, causando uma ruptura na tradição cênica brasileira.*Professor do Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade
Nenhum comentário:
Postar um comentário