Sigrid Renaux*
Considerado por Mikhail Bakhtin como “um dos problemas
mais complexos e interessantes da história da cultura”, o carnaval –
(no sentido de conjunto e todas as variadas
festividades, ritos e formas de tipo carnavalesco), da sua essência, das suas
raízes profundas na sociedade primitiva e no pensamento primitivo do homem, do
seu desenvolvimento na sociedade de classes, de sua excepcional força vital e
seu perene fascínio. (BAKHTIN, 2005, p. 122)
– continua
presente na vida diária de todos nós. Basta examinar as notícias e imagens nos
jornais, televisão e internet para nos dar conta de sua força e fascínio.
Oriundas
do fato de que, durante o carnaval, vive-se uma vida desviada de sua ordem habitual,
as categorias carnavalescas apresentadas por Bakhtin – o livre contato
familiar, excentricidade, as mésalliances
carnavalescas e a profanação – continuam a se concretizar diariamente à nossa
volta, muitas vezes sem nos darmos conta de sua origem. O mesmo acontece com
relação às ações carnavalescas (a coroação bufa e o destronamento do rei do
carnaval), às imagens carnavalescas (imagens pares, objetos, o fogo, o riso, a
paródia), à praça carnavalesca e outros lugares de encontro e contato de
pessoas, como ruas, tavernas, estradas, bem como com relação ao discurso
familiar de rua (a gesticulação e
linguagem do insulto e da zombaria), todos eles impregnados do simbolismo do
ritual de coroação-destronamento.
Examinando
apenas algumas das manifestações recentes de ações carnavalescas e dos diversos
ritos secundários do carnaval – como as mudanças carnavalescas dos trajes, as
mistificações carnavalescas, as incruentas guerras carnavalescas, a troca de
presentes (a abundância como momento da utopia carnavalesca), (BAKHTIN, 2005,
p. 125) – basta lembrar, dentre outros:
Tomatina
A Tomatina, tradicional festa que ocorre
em Buñol, próximo a Valência, na Espanha, faz parte de uma semana inteira de
festas em honra ao patrono da cidade, São Luis Beltrão, com desfiles, exibições
de fogos de artifício, bailes nas ruas e concursos de paellas. Celebrada anualmente
por uma hora na última quarta-feira de agosto, na Plaza Mayor, a Tomatina começou
nos anos 40, com uma batalha entre amigos e, atualmente, milhares de pessoas
participam desta “guerra” de tomates, na qual festeiros arremessam tomates uns
nos outros e depois nadam em meio à polpa de tomate.
Como a imagem revela,
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Corrida das Cores
esta guerra, que consume toneladas de tomate, é apenas
uma das manifestações dos ritos secundários do carnaval, as “incruentas guerras
carnavalescas” mencionadas por Bakhtin, nas quais o livre contato familiar
entre os participantes desfilando nas ruas – palco das ações carnavalescas –,
fazendo brincadeiras e depois nadando em meio à polpa de tomate, as mudanças de
trajes, a abundância e o riso concretizam outros ritos secundários
carnavalescos, todos eles impregnando as festas ao patrono da cidade com a
alegre relatividade do carnaval.
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gazetadopovo.com.br/mundo em 20/04/2015
Como consta na legenda,
Milhares de pessoas e muito
colorido tomaram as ruas de Paris, na França, na manhã de domingo (19). Elas
participaram da Corrida das Cores, evento em que os participantes correm um
percurso de cinco quilômetros e são cobertos com tintas de diversas cores. Ao
final, elas se reúnem em um festival de música.
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Em ambas as imagens, percebemos novamente o liame profundo que se estabelece com o carnaval, na definição bakhtiniana, nas quais temos, além das ruas e praças como local de encontro das pessoas – eliminando as distâncias entre os homens –, também a “organização de ações de massas”(BAKHTIN, 2005, p. 123), pois “os participantes recebem um banho de pó colorido com uma cor específica,chegando ao final do percurso com todas as cores nas roupas, no corpo e no sorriso” (http://www.corridadascores.com/acorrida.php). Aproximam-se assim, por meio da Corrida das Cores (com suas imagens carnavalescas de roupas, corpos e sorrisos cobertos de cores variadas), festividades com raízes profundas na sociedade primitiva com festividades atuais.
Panelaço
Definido como “manifestação popular coletiva de protesto que consiste em fazer grande ruído percutindo especialmente utensílios metálicos numa hora determinada” (Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa), o panelaço tornou-se uma das opções mais democráticas para a demonstração da insatisfação dos brasileiros contramedidas governamentais. Basta lembrar, entre outras, das imagens do protesto dos professores contra os baixos salários realizado na Bahia, nas quais o uso de utensílios domésticos como armas e, portanto, como objetos carnavalescos, nos remete à natureza ambivalente dessas imagens: trata-se “de uma manifestação específica da categoria carnavalesca de excentricidade, do que é comum e geralmente aceito; é a vida deslocada do seu curso habitual” (BAKHTIN, 2005, p. 126).
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Deste
modo o panelaço, como uma grande ação de massas e gestos carnavalescos, exerce
duas funções – uma política e outra carnavalesca –, unindo, assim, o lado sério com o lado lúdico da vida.
Essas manifestações recentes de carnavalização
evidenciam, portanto, como o carnaval, como parte da história da cultura, continua
a se fazer presente na vida diária das pessoas, em diferentes festejos e
contextos, oferecendo inúmeros exemplos, facilmente detectáveis, de sua força
vital e atração.
Referências
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
Os 10 Festivais
Mais Bizarros do Mundo. IN:forum.outerspace.terra.com.br 400 × 239. Acesso em 11 ago. 2015.
A CORRIDA DAS CORES,
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em 20/04/2015;(http://www.corridadascores.com/acorrida.php);vaipraruamenino.wordpress.com960x640.
Acesso em 11 ago. 2015.
PANELAÇO. Disponível
em: Disponível em: www.blogsagaztico.com 956x500. Acesso em: 11 ago. 2015.
*Sigrid Renaux é Professora Titular das
disciplinas “Teorias da Poesia” e “Poéticas da Modernidade ” do Mestrado em
Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE), em
Curitiba.
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