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terça-feira, 22 de agosto de 2017

RUKMINI BHAYA NAIR: GUIA SEGURO NOS MEANDROS DA LITERATURA INDIANA NO SÉCULO XXI


                                                                                 *Prof.ª Dr.ª Mail Marques de Azevedo

O encontro com a poeta e romancista indiana Rukmini Bhaya Nair, em um congresso na UNESP de São José do Rio Preto, em 2016, somado a meu interesse pelos estudos pós-coloniais, colocou-me no caminho da pesquisa da literatura escrita em língua inglesa, na Índia do século XXI. A conferência de abertura, a seu cargo, pôs em evidência o conhecimento profundo da pesquisadora na ciência da literatura e a sensibilidade artística da escritora. A razão de ser central da ficção, argumentou, é experimentar com as convenções e construtos de “dizer a verdade”. Os escritores pós-coloniais, em particular, tentam vigorosamente subverter as verdades que nos são apresentadas pela história convencional. Nesse aspecto, gêneros literários, como o romance pós-colonial, oferecem relatos desafiadores que redefinem contornos e vêm lançar luz sobre verdades ocultas nas entrelinhas da história.
Assim motivada, dediquei-me à análise do romance Mad Girl’s Love Song e ao estudo da coletânea de ensaios, Lying on the postcolonial couch. The Idea of indifference, de autoria de Bhaya Nair. Do encantamento de seu texto primoroso passei, gradativamente, a admirar sua determinação de trazer à vida os resíduos emocionais do colonialismo: “desejo, culpa, estoicismo, apatia, frustração tédio, vergonha, fascinação,solidão, desprezo, dor, crueldade, horror, antes que o fenômeno da pós-colonialidade passe para a obscuridade” (NAIR, 2002, p. xiii). Levada pela mão de uma escritora que vive no país, ao contrário de nomes conhecidos na cena literária internacional como Naipaul e Salman Rushdie, penetrei no mundo de contrastes e contradições paradoxais da Índia pós-independência e, por extensão, de seu passado de riqueza e sofisticação cultural. Na época dos primeiros contatos com os europeus a civilização indiana era séculos mais antiga e mais desenvolvida em todos os aspectos que a civilização europeia.
Desconhecedores dessa riqueza cultural, aos exploradores comerciais britânicos interessava apenas o lucro do empreendimento que gradativamente viria a se organizar como a poderosa Companhia das Índias Ocidentais, apoiada na força das armas. A história de rebeliões contra o poder crescente e opressivo dos ingleses traça o caminho que leva à oficialização das relações imperialistas entre metrópole e colônia, baseadas no estereótipo da inferioridade das raças escuras, incapazes de se autogovernar.
O sentimento de alienação é mais agudo quando a diferença está na cor da pele. Parineeta, a personagem do romance de Nair, Mad Girl’s Love Song, situado em tempos atuais, observa que a Inglaterra pode dizer-se multicultural, mas as pessoas de múltiplas cores não tinham certeza de ser britânicos, embora o fossem. “Por lei! Como proclamava com orgulho meu professor em Homerton, mas apenas por lei – e não em suas cabeças” (NAIR, 2013, p. 366. Ênfase no original)
Experiência semelhante viveu a própria Rukmini Nair, não por diferenças de cor, mas de língua e cultura. Quando seus pais se casaram, a mãe, nascida em Goa, e o pai, cidadão de Bengala, comunicavam-se em inglês. A mãe logo aprendeu a língua de Bengala – bangla ou bengali −confrontada com o imperialismo linguístico ali existente, quase tão agressivo quanto o imperialismo britânico. Rukmini também aprendeu a língua bangla, mas nunca de maneira formal. Em virtude dos múltiplos deslocamentos da família pelo país, quando chegou a Calcutá nos anos setenta, era uma “aleijada” linguística. Especializada na ciência linguística e dominando conhecimento literário bilíngue, faltavam-lhe raízes na cultura bengali. Tentou mergulhar fundo nessa cultura, mas sem êxito. Não só lhe era impossível recuperar décadas de desenraizamento híbrido, mas apaixonara-se pelo inglês, a língua proibida.
 Felizmente para seus leitores internacionais, as obras de Nair oferecem roteiro seguro para penetrar nos meandros da literatura produzida na Índia. Seu romance Mad Girl’s Love Song, a fantasia de uma mente insana, expressa o desejo inatingível do sujeito pós-colonial de subverter a relação colonizador-colonizado. Escritora pós-colonial não-diaspórica com agudo poder de observação, Rukmini Bhaya Nair fornece a seus leitores visão ampla da literatura produzida na Índia pós-independência e compreensão de sua relevância para superar o trauma emocional ainda presente nas sociedades pós-coloniais.
* Professora do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

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