*Prof.ª Dr.ª Mail Marques de Azevedo
O encontro com a poeta e
romancista indiana Rukmini Bhaya Nair, em um congresso na UNESP de São José do
Rio Preto, em 2016, somado a meu interesse pelos estudos pós-coloniais,
colocou-me no caminho da pesquisa da literatura escrita em língua inglesa, na
Índia do século XXI. A conferência de abertura, a seu cargo, pôs em evidência o
conhecimento profundo da pesquisadora na ciência da literatura e a
sensibilidade artística da escritora. A razão de ser central da ficção,
argumentou, é experimentar com as convenções e construtos de “dizer a verdade”.
Os escritores pós-coloniais, em particular, tentam vigorosamente subverter as verdades
que nos são apresentadas pela história convencional. Nesse aspecto, gêneros
literários, como o romance pós-colonial, oferecem relatos desafiadores que
redefinem contornos e vêm lançar luz sobre verdades ocultas nas entrelinhas da
história.
Assim motivada, dediquei-me à
análise do romance Mad Girl’s Love Song
e ao estudo da coletânea de ensaios, Lying
on the postcolonial couch. The Idea of indifference, de autoria de Bhaya
Nair. Do encantamento de seu texto primoroso passei, gradativamente, a admirar sua
determinação de trazer à vida os resíduos emocionais do colonialismo: “desejo,
culpa, estoicismo, apatia, frustração tédio, vergonha, fascinação,solidão,
desprezo, dor, crueldade, horror, antes que o fenômeno da pós-colonialidade passe
para a obscuridade” (NAIR, 2002, p. xiii). Levada pela mão de uma escritora
que vive no país, ao contrário de nomes conhecidos na cena literária internacional
como Naipaul e Salman Rushdie, penetrei no mundo de contrastes e contradições
paradoxais da Índia pós-independência e, por extensão, de seu passado de
riqueza e sofisticação cultural. Na época dos primeiros contatos com os
europeus a civilização indiana era séculos mais antiga e mais desenvolvida em
todos os aspectos que a civilização europeia.
Desconhecedores dessa riqueza
cultural, aos exploradores comerciais britânicos interessava apenas o lucro do
empreendimento que gradativamente viria a se organizar como a poderosa
Companhia das Índias Ocidentais, apoiada na força das armas. A história de
rebeliões contra o poder crescente e opressivo dos ingleses traça o caminho que
leva à oficialização das relações imperialistas entre metrópole e colônia,
baseadas no estereótipo da inferioridade das raças escuras, incapazes de se
autogovernar.
O sentimento de alienação é mais agudo quando a diferença está na cor da
pele. Parineeta, a personagem do romance de Nair, Mad Girl’s Love Song, situado em tempos atuais, observa que a
Inglaterra pode dizer-se multicultural, mas as pessoas de múltiplas cores não
tinham certeza de ser britânicos, embora o fossem.
“Por lei! Como proclamava com orgulho meu professor em Homerton, mas apenas por
lei – e não em suas cabeças” (NAIR,
2013, p. 366. Ênfase no original)
Experiência semelhante viveu a própria Rukmini Nair, não por diferenças
de cor, mas de língua e cultura. Quando seus pais se casaram, a mãe, nascida em
Goa, e o pai, cidadão de Bengala, comunicavam-se em inglês. A mãe logo
aprendeu a língua de Bengala – bangla ou bengali −confrontada com o
imperialismo linguístico ali existente, quase tão agressivo quanto o
imperialismo britânico. Rukmini também aprendeu a língua bangla, mas nunca de
maneira formal. Em virtude dos múltiplos deslocamentos da família pelo país,
quando chegou a Calcutá nos anos setenta, era uma “aleijada” linguística.
Especializada na ciência linguística e dominando conhecimento literário
bilíngue, faltavam-lhe raízes na cultura bengali. Tentou mergulhar fundo nessa
cultura, mas sem êxito. Não só lhe era impossível recuperar décadas de
desenraizamento híbrido, mas apaixonara-se pelo inglês, a língua proibida.
Felizmente para seus leitores internacionais,
as obras de Nair oferecem roteiro seguro para penetrar nos meandros da
literatura produzida na Índia. Seu romance Mad Girl’s Love Song, a fantasia de uma mente insana, expressa o
desejo inatingível do sujeito pós-colonial de subverter a relação
colonizador-colonizado. Escritora pós-colonial não-diaspórica com agudo poder
de observação, Rukmini Bhaya
Nair fornece a seus leitores visão ampla da literatura produzida na Índia
pós-independência e compreensão de sua relevância para superar o trauma
emocional ainda presente nas sociedades pós-coloniais.
* Professora do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE
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