A LITERATURA DO PARANÁ EM DOIS
TRABALHOS ACADÊMICOS.
Dra. Mail
Marques de Azevedo
Nossas
orientandas Luzia Almeida e Einetes Spada defenderam nos dias cinco e oito de
março os trabalhos de dissertação intitulados, respectivamente, “Imbricações do
memorialístico e do ficcional em Muitas
margens, sete dias na rodovia, de Miguel Sanches Neto” e “O universo
romanesco de Domingos Pellegrini: de tropeiros a viajantes,” estudado a partir
do romance juvenil A última tropa.
Existem pontos
em comum no corpus das pesquisas e na
abordagem escolhida para a análise, bem como na biografia dos autores. O
nascimento de Domingos Pellegrini em Londrina, em 1949, precede em apenas onze
anos a década de 1960, quando se completa historicamente a ocupação territorial
do Paraná, conforme aponta o historiador Ruy Christovam Wachowicz: “Cessaram de
existir as frentes pioneiras, não restando mais terras a serem ocupadas e
colonizadas” (2010, p. 327). Pellegrini conviveu intensamente, portanto, com a
corrida de migrantes e imigrantes em direção às terras roxas do Eldorado
paranaense. Bela Vista do Paraíso, terra natal de Miguel Sanches Neto, fundada
em 1947, pertence a uma segunda fase do povoamento da região norte. Quinze anos
mais novo que seu confrade londrinense, Miguel Sanches Neto desenvolveria sua
carreira de jornalista, escritor e professor no eixo Apucarana, Ponta Grossa,
Curitiba.
O caráter
memorialístico, por vezes autobiográfico, tanto do corpus como da totalidade da criação literária de ambos os
escritores, determinou a exploração das várias possibilidades de leitura e
significação do alinhamento referencial/ficcional. A mescla inevitável das
histórias de vida com a do contexto sociocultural ocasionou a revisão de
fenômenos históricos, a exemplo do tropeirismo.
É um aparente
paradoxo que seja o londrinense Domingos Pellegrini a desenvolver a temática do
tropeirismo, o meio de transporte que ligava o Rio Grande do Sul a Sorocaba,
local da grande feira em que se negociavam muares para todo o Brasil, que cruzava o
estado do Paraná na região dos Campos Gerais.
Um segundo
caminho entrava no Paraná na região de Palmas, mesclando-se ao primeiro na altura
de Piraí do Sul, para prosseguir até Sorocaba. De
maneira tangencial, porém, Pellegrini foi ele mesmo um pioneiro desbravador, ao
colocar toda uma galeria de personagens a serviço da comunicação entre pontos
distantes do território paranaense. No lombo de cavalos ou na cabine de
caminhões, tropeiros, mascates e viajantes povoam seus contos e romances.
A estrada, onde
circulam caminhões ao invés de tropas, em substituição aos caminhos de
tropeiros, é o lócus da ação nos dois
livros do corpus. Muitas margens: sete dias na rodovia
(2014) é um misto de relato presencial e diário de viagem, intercalado de
memórias pessoais, despertadas por pessoas e lugares e, ainda, de um conto e de
haicais que descrevem a paisagem.
Assumindo a persona de poeta lírico, Miguel Sanches Neto escreve haicais que reverenciam a natureza, a paisagem oculta e a própria viagem. |
Bandeiras da paz
No barranco da rodovia
Açucenas brancas acenam.
Os substantivos barranco e açucena valorizam elementos da paisagem revisitada e enaltecida pela percepção poética do sujeito-lírico; bandeiras e rodovia são elementos modernos inseridos na paisagem, mostrando a interferência humana; a metáfora bandeiras da paz para as açucenas brancas que balançam ao sabor do vento transmite a sensação de tranquilidade e de confiança na expedição que se desenhava de uma perspectiva poética.
Açucenas brancas acenam.
Os substantivos barranco e açucena valorizam elementos da paisagem revisitada e enaltecida pela percepção poética do sujeito-lírico; bandeiras e rodovia são elementos modernos inseridos na paisagem, mostrando a interferência humana; a metáfora bandeiras da paz para as açucenas brancas que balançam ao sabor do vento transmite a sensação de tranquilidade e de confiança na expedição que se desenhava de uma perspectiva poética.
O livro resulta
de uma experiência literária: visitar locais às margens dos 368 quilômetros da
Rodovia do Café, de Apucarana a Curitiba, que percorrera vezes sem conta quando
estudante, e registrar as impressões de escritor consagrado sobre o cenário,
feito de terras e homens, que passara despercebido ao jovem Miguel. Concretizado
o projeto da viagem, com apoio do Ministério da Cultura, com base na lei Rouanet, e da CCR RodoNorte a publicação de Muitas margens privilegia o leitor com a
história viva do Paraná, testemunhada in
loco por um viajante apaixonado por sua terra.
Verifica com tristeza a destruição das matas,
o desaparecimento da peroba, como fadadas a desaparecer estão também as casas
de peroba rosa dos pioneiros, postas abaixo e vendidas como madeira de
demolição para atender ao modismo atual de móveis de estilo rústico. Diante do
painel de Napoleon Potyguara Lazzarotto (1924-1998), o nosso Poty, marca
inaugural da Rodovia do Café, tem um sobressalto ao ler a data da inauguração que
coincide com a de seu nascimento: 25 de julho de 1965. Nesse instante, compreende
a essência da sua viagem: ele “era a própria rodovia” (2014, p. 100).
O trabalho de orientação deu-nos a
oportunidade de uma volta às origens no interior do Paraná e da renovação do
estudo de sua história, transformada de maneira magistral em arte literária,
por escritores conterrâneos. A leitura de Ruy Wachovicz, fonte principal da
pesquisa do contexto histórico, transportou-nos de volta às palestras do
historiador paranaense, cuja erudição, temperada pelo humor, conquistava auditórios.
Especialmente gratificante foi o
interesse em divulgar a literatura e a história do Paraná demonstrado por
nossas orientandas, professoras de ensino médio e superior. Luzia Almeida vem
da vizinha cidade de Palmeira, um dos pontos-chave do tropeirismo no Paraná, já
familiarizada, portanto, com a história dos Campos Gerais.
Moradora em Ampere, cidade menina,
fundada em 1961, Einetes Spada apaixonou-se pela pesquisa sobre o tropeirismo,
− que conhecia pouco, e sobre a sobrevivência da tradição tropeira cultivada
por associações e grupos conservacionistas − e, por extensão pela história do
Paraná tradicional. Daí o propósito que declara na conclusão do trabalho:
“Esperamos que [este trabalho] seja o início de novos estudos sobre a
literatura paranaense e de uma proposta de sua inclusão em ementas curriculares
de Cursos de Graduação em Letras, bem como dos cursos de ensino médio nas
escolas do Paraná” (p. 90).
Objetivo imediato, no entanto, é
transmitir a seus atuais alunos a paixão pela terra e tradições do Paraná, em
excursões periódicas. As fotos abaixo ilustram a visita ao Canyon de Guartelá,
nos municípios de Castro e Tibagi, realizada em dezembro de 2017.
“É uma emoção diferente observar ao vivo
a paisagem onde se ambienta a narrativa de A
última tropa”, diz a professora Einetes.
“Parece-nos reviver a euforia do narrador-personagem de Pellegrini, às
vésperas de sua primeira experiência como tropeiro.”
Prof.ª Einetes Spada. Ao fundo o rio Iapó. 03.12.2017 |
Correu até perder o fôlego,
subindo a colina por entre as
ovelhas (...) e lá do alto viu o rio
Iapó desaguando no Tibagi. Viu
longe os campos por onde faziam
as tropas. (PELLEGRINI, 1998, p 10)
A pesquisadora mantém-se firme no propósito
de divulgar a literatura e as tradições do Paraná, guiando alunos no conhecimento da história e da literatura do tropeirismo e mediante a reconstrução in loco dos caminhos das tropas nos Campos Gerais.
Einetes Spada
Coordenação de Letras/Espanhol/Inglês FAMPER / Prof. SEED/PR
REFERÊNCIAS
ALMEIDA,
L.M.T. “Muitas margens, sete dias na
rodovia, de Miguel Sanches Neto.” Dissertação de Mestrado. Centro Universitário
Campos de Andrade, Curso de Mestrado em Teoria Literária. Curitiba, 2018. Orientadora:
Mail Marques de Azevedo.
SPADA, E. “O universo romanesco de Domingos Pellegrini: de tropeiros a viajantes.” Dissertação de Mestrado. Centro Universitário Campos de Andrade, Curso de Mestrado em Teoria Literária. Curitiba, 2018. Orientadora: Mail Marques de Azevedo.
WACHOVICZ, R.C. História do Paraná. 2.ed.Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010.
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