A ESCRITA DO COTIDIANO EM JULYO RAMÓN RIBEYRO
RIBEYRO, Julio Ramón.
Prosas Apátridas. Rio de Janeiro:
Rocco, 2016.
Marcelo B. Alcaraz ¹
A obra
Prosas Apátridas, publicada em 2016 pelo editora Rocco, é uma
pequena mostra da literatura do escritor
peruano Julio Ramón Ribeyro, autor ainda pouco conhecido no Brasil. Uma
escrita aparentemente simples e de difícil classificação, o livro
explora as inquietações e possibilidades do cotidiano, representando-o de modo ao mesmo tempo breve e profundo.
Júlio Ribeyro foi um
importante escritor peruano nascido em 1929, residiu parte de sua vida na capital francesa. Ele
percorreu a sua maneira as ruas da
cidade parisiense, e de certo modo fugiu
do estereótipo de muitos outros
autores do século XX, como Hemingway ou Fitzgerald, que deixaram a América para de alguma
sobreviverem e se divertirem na capital. Ribeyro, ao contrário dos
autores supracitados, não idealiza de forma alguma, os trabalhos e os frágeis
vínculos formados na cidade, sua escrita é gris, quase amarga quando fala do
lugar.
Ribeyro estreou na literatura com o
romance Los Gallinazos sin Plumas ( 1955) e publicou duas outros narrativas
longas, no entanto as formas breves
nortearam a sua vida de escritor. Seu contos completos formam um volume
de quase mil páginas e uma coletânea deles foi traduzida para o português, publicada
em 2007 pela extinta editora paulista
Cosac e Naify.
Prosas Apátridas
é um livro constituído por 200 fragmentos:
aforismos, reflexões, trechos de diário, e sua difícil classificação é uma de
suas maiores marcas. O texto pertence a coleção Otra língua, que lançou no mercado editorial brasileiro relevantes
autores latino-americanos como Mário Levrero, Copi, Pablo Palacio, e mais uma dezena de
nomes importantes nunca antes traduzidos para o português.
O modo de vivenciar e sobreviver
em Paris
teve como contraponto permanente a ideia do fracasso e dificuldades de
toda ordem. Antes de trabalhar na imprensa, o autor fez uso de muitos
expedientes para sobreviver. Não por
acaso, tais dificuldades vividas na capital francesa são descritas também nos
seus volumosos diários, chamado La
Tentación del Fracaso.
O título, Prosas Apátridas, segundo o próprio escritor peruano Júlio Ribeyro (RIBEYRO,
2016, p.9), não significa uma literatura sem pátria, mas textos independentes,
sempre na fronteira, no limite entre um e outro gênero; originalmente não foram
pensados como contos nem prosa poética, diário íntimo ou aforismos, mas podem
ocasionalmente apresentar características de tais gêneros, ou permanecerem
inclassificáveis.
Os gêneros que se apresentam e se
entrelaçam na obra convergem para um aspecto
comum: o apreço aos movimentos do cotidiano: velozes, aleatórios e inconscientes, mas também um
espaço desvinculado do universo do trabalho, capaz de gerar cenas
surpreendentes. Dor, poesia, solidão, encontros e desencontros dos habitantes
de Paris, o livro se insere na tarefa que Certeau pensou para a literatura ao
representar o cotidiano: “Essas maneiras
encontram aí um novo espaço de representação, o da ficção, povoado por
virtuosidades cotidianas das quais a ciência não sabe o que fazer” (CERTEAU,
2008, p.142).
O livro tem uma certa filiação, segundo
o próprio autor com o Spleen de Paris de Baudelaire, (RIBEYRO, 2016, p.10) não
só por tratar de forma fragmentada o cotidiano parisiense, mas também por
representar um dos sentimentos mais frequentes nos dois livros: o tédio.
Onipresente no século de Baudelaire, mas
também frequente na prosa de Ribeyro o tédio é um aborrecimento anacrônico que,
além de não ser atenuado pelos chamados avanços da civilização, transmuta-se
também em melancolia e depressão: “A vida começa a parecer-nos insulta, lenta, estéril,
sem atrativos e repetitiva, como se cada dia fosse o plágio do dia anterior (RIBEYRO,
2016, p. 71).”
Apesar do aspecto fronteiriço de sua
prosa, ela se aproxima constantemente do diário íntimo. Não é demasiado lembrar
que Ribeyro foi um grande leitor e produtor de diários, expressando-se em quase
mil páginas nesse gênero na obra La
tentacion del fracasso (RIBEYRO, 2008). O texto também tem muitas
características dos diários íntimos:
a onipresente temática do cotidiano e o exercício do autoexame.
Segundo Lejeune, no diário: “o autorretrato
nada tem de definitivo, e a atenção dada a si esta sempre sujeita a desmentidos
futuros” (LEJEUNE, 2008, p. 304). O tom é ácido e o olhar peculiar se dirige às
máscaras sociais usadas pelo homem urbano. Para Ribeyro: “Vivemos em um mundo
ambíguo, as palavras não querem dizer nada, os valores carecem de valor, as
pessoas são impenetráveis, os fatos, uma massa disforme de contradições, a
verdade, uma quimera” (RIBEYRO, 2016, p.12).
Contudo, ao contrário de outros diários
íntimos, ou escritas de si muito comuns na historia do ocidente desde as
Confissões de Santo Agostinho, em Prosas
Apátridas não há uma relação de segredo, catarse, ou mesmo amizade entre o
diarista e seu diário e sim uma áspera e contraditória relação com a literatura.
” Admiro, portanto, os artistas que criam no sentido de sua vida e não contra a
sua vida, os longevos, verdadeiros e jubilosos, que se alimentam de sua própria
criação e não fazem dela, como eu, a subtração do que nos era tolerado viver (RIBEYRO,
2016, p. 99).
Outra característica da obra é que em
muitos trechos ela pode assumir um tom ensaístico ou aforístico, tecendo
considerações variadas sobre a condição humana, a vaidade, as contradições da
história, e o apego às coisas mundanas. A paixão do colecionador é um dos temas
desses breves escritos, nela, assim como em outras paixões, o homem tenta
construir um templo para afastar o medo da morte. Sobretudo após raciocinar muito, o autor
concluiu que nada afasta tal sentimento, nem mesmo a escrita e a notoriedade de
alguém pode afastar o perigo do total esquecimento que um dia advirá.
Todos esses temas citados fazem parte desses pequenos
ensaios, aforismos ou diário íntimo, constituintes da prosa de Ribeyro, e mesmo
numerados eles não sugerem nenhuma ordem ou hierarquia; a aleatoriedade é um
dos pontos fortes do livro tornando-o inclassificável, sua hibridez o situa em
um locus de inovação e liberdade, pouco frequente na indústria do livro
hodierna.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BAUDELAIRE, CHARLES. O Spleen de Paris. Porto Alegre: L&PM,
2016.
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano,vol
1. Petropólis: Vozes, 2010.
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
RIBEYRO, Julio Ramón. La Tentación del Fracaso. Madri: Seix
Barral, 2003.
______
Prosas Apátridas. Rio de
Janeiro: Rocco, 2016.
_______. Los Gallinazos sin plumas. Disponível em: <https://docelibros.files.wordpress.com/2012/05/julio-ramocc81n-ribeyro-11-cuentos.pdf>
Acesso em: 25 de julho de 2017.
[1] Graduado em Filosofia pela
UFPR, Doutor em Literatura pela UFSC
possuí Pós- doutorando pela Univerirsidade do Minho- Portugal. Professor do
Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade, email: marceloalcaraz1969@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário