A
PRESENÇA DE HANS ULRICH GUMBRECHT
Profa. Dra. Greicy
Pinto Bellin (UNIANDRADE)
Hans Ulrich Gumbrecht,
professor e pesquisador da Universidade de Stanford, ministrou o minicurso
intitulado “O leitor não-profissional de literatura e seus desafios”, no XI
Seminário de Pesquisa - III Seminário de Dissertações em Andamento – Semana de
Iniciação Científica de Letras do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE,
que aconteceu entre os dias 18 e 20 de setembro de 2019 no campus em Santa
Quitéria. O minicurso versou sobre as características do leitor
não-profissional de literatura e seus desafios nos dias de hoje. Aproveitando a
presença de Gumbrecht ente nós, abordarei, neste breve texto, a importância de
seu pensamento para a teoria literária contemporânea, apontando para um
percurso teórico que transita entre várias áreas do conhecimento e que, talvez
por este mesmo motivo, não perca a sua vitalidade.
Uma das grandes
contribuições do estudioso não apenas para a teoria literária como também para
o campo da intermidialidade é a organização, em 1988, da coletânea Materialidades da comunicação, publicada
pela editora Suhrkampf Verlag no mesmo ano em Berlim. A obra representa um
verdadeiro turning point na forma de
se pensar nas relações entre literatura, artes e outras mídias, instaurando um
entendimento sobre as materialidades da comunicação, isto é, as experiências
estéticas advindas da produção de sentido de um texto. Gumbrecht contribui,
neste sentido, para a ruptura com uma tradição hermenêutica forte na academia
brasileira, permitindo-nos pensar a respeito da concretude da obra literária,
capaz de produzir presença, termo utilizado para se referir à esfera do
não-hermenêutico, de tudo aquilo que não se encontra no campo da interpretação
e do sentido. Exemplar sob este aspecto é a obra Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir,
publicado em 2010, que se inscreve no panorama da chamada “crise da
representação”, tão cara ao pensamento pós-moderno e ao que Otávio Leonídio
chama, em seu prefácio, aos “arautos da desconstrução”. Influenciada por
pensadores como Wolfgang Iser e Hans Robert Jauss, que foi, aliás, seu
orientador de pesquisa, a obra de Gumbrecht é muito importante para a estética
da recepção pelo fato de investigar as relações entre obra e receptor por meio
da exploração da ideia de presença ou stimmung,
para usar o termo em língua alemã. Outra contribuição relevante de Gumbrecht é
a obra Modernização dos sentidos,
publicado em 1998, em que ele amplia, com lucidez, o entendimento do conceito
de modernidade desde a Idade Média até o século XXI. Esta obra é basilar em
bibliografias de cursos de pós-graduação no Brasil todo, o que reforça a sua
relevância e potencial de atuação entre pesquisadores de diversas áreas.
Uma característica
marcante do estudioso é sua abertura para diálogos dos mais variados tipos com
intelectuais e acadêmicos brasileiros. Gumbrecht esteve no Brasil pela primeira
vez em 1977, na condição de professor visitante na Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Travou diálogos intensos com Luiz Costa Lima e João
Cezar de Castro Rocha, tendo resenhado, em 2013, o livro Machado de Assis: por uma poética da emulação. Criou verdadeira
tradição em receber orientandos brasileiros na Universidade de Stanford,
contribuindo para a internacionalização da pesquisa brasileira de forma
coerente e consistente. Seus orientandos, aliás, são unânimes em afirmar que
Sepp, como gosta de ser chamado pelos mais íntimos, dá total liberdade para o
desenvolvimento de pensamentos e teorias próprias, o que é altamente salutar e
desejável para a formação de um pesquisador. Em entrevista dada para o Estado de S. Paulo em 2016, por ocasião
de sua vinda para o congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada
(ABRALIC), Gumbrecht admitiu que o intercâmbio com os brasileiros foi e ainda é
de fundamental importância para lapidar as reflexões desenvolvidas em sua obra,
que transita não apenas pela literatura, mas pela história, filosofia,
filologia, estética, história e antropologia.
Em tempos em que se
dissemina a crença de que forma literária e processo social estão imbricados,
conforme nos diria o já falecido crítico Antonio Candido, o pensamento de
Gumbrecht, mas especificamente o exposto em Produção
de presença, não nos deixa esquecer que somos seres biológicos com uma
existência material concreta. Não se trata de negar a existência do social e/ou
do histórico, mas de reafirmar a primazia do estético e, por conseguinte, da
literatura como experiência estética compreendida a partir das materialidades
da comunicação, as quais são de fundamental importância para o entendimento do
fenômeno literário em todas as épocas e em todas as suas nuances.
No XI Seminário de
Pesquisa deste ano, circulou, entre os participantes, a edição especial de
crítica literária do Jornal RelevO,
organizada por Greicy Bellin, professora do Mestrado em Teoria Literária da
UNIANDRADE, e Daniel Zanella, jornalista e aluno da instituição. A edição conta
com artigos de ex-orientandos de Sepp Gumbrecht e traduções, tanto do inglês
quanto do alemão, de autoria de Greicy Bellin, Anna Camati e Sigrid Renaux,
professoras eméritas do Mestrado. Entre estas traduções, está uma biografia de
Michel Foucalt, um dos teóricos mais relevantes da contemporaneidade. Merece
especial atenção o artigo “Gelassenheit
e seus descontentes: algumas reflexões sobre a obra de Hans Ulrich Gumbrecht”,
de autoria de João Cezar de Castro Rocha, no qual o estudioso realiza um
percurso instigante pela obra de Sepp, como gosta de ser chamado por seus
amigos. O simpático e afetuoso pensador alemão agradece.
Referências
ANTONIOLLI, Juliano Francesco; BATALHONE
JR, Vítor. Entrevista com Hans Ulrich Gumbrecht. Aedos: revista do corpo discente do PPG-História da UFRGS, Porto
Alegre, v. 5, n. 2, 2009, p. 152-159. Disponível em: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/12072/7331
Acesso em: 08/08/2018.
GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença: o que o sentido
não consegue transmitir. Trad. Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto,
2010.
_________. Modernização dos sentidos. Trad. Lawrence Flores Pereira. São
Paulo: Editora 34, 1998.
________; PFEIFFER, Ludwig. Materialities of communication.
Stanford: Stanford University Press, 1994.
PETRONIO, Rodrigo. A arte-vida de Hans
Ulrich Gumbrecht. Revista Caliban,
São Paulo, 2016. Disponível em: https://revistacaliban.net/a-arte-e-a-vida-de-hans-ulrich-gumbrecht-123246dfcb
Acesso em: 08/08/2018.
RIBEIRO, Claudio. Uma filosofia da
presença. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 2016. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/hans-ulrich-gumbrecht-todo-o-passado-de-que-conseguimos-lembrar-esta-presente-quase-que-de-maneira-fisica-em-nosso-presente/
Acesso em: 08/08/2018.
ROCHA, João Cezar de Castro. Machado de Assis: por uma poética da
emulação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
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