TORNAR-SE
ESCRITOR
Otto
Leopoldo Winck
Apesar de não dar
dinheiro, não trazer prestígio, a não ser em diminutos círculos herméticos e
autofágicos, ainda encontro inúmeros jovens que querem ser escritores – e pior:
consomem seu tempo e dinheiro em oficinas de escrita criativa que acontecem em
dias tão impraticáveis para tais atividades como sábados. E muitas vezes me
perguntam, com olhos súplices, o que devem fazer para se tornarem escritores.
Ora, os caminhos são muitos, são complexos, mas advirto que ser escritor, ao
contrário de que apregoa nosso romantismo renitente, não é vocação, chamado
divino ou destino. Ser escritor é acima de tudo decisão, determinação, escolha
que se concretiza e se renova em múltiplas escolhas. Em determinado momento da
vida, geralmente depois da leitura de livros ou de um livro em especial, alguém
decide ser escritor. E em cima dessa decisão, outras decisões são tomadas: uma
certa disciplina de leituras, estudo de línguas, determinada faculdade ou
profissão -- tudo em função de favorecer a opção fundamental: tornar-se
escritor. O escritor poderá a vir trabalhar como publicitário, jornalista,
professor, advogado, o escambau, mas essa “profissão” sempre será subsidiária
diante da decisão maior de ser escritor. Ele pode até passar anos sem escrever,
mas estará sempre acumulando forças para o grande livro que escreverá ou
tentará escrever um dia, pois só os grandes escritores malogram. Mesmo quando
ele está vivendo, ele não vive simplesmente pela vida. Ele vive para acumular
experiências para enriquecer sua escritura. Nesse sentido ele vampiriza-se a si
mesmo e aos outros. Ele pode estar na maior fossa, sozinho num quarto de hotel
ou numa estação deserta, depois que seu amor o deixou -- e mesmo em meio a dor
ele estará pensando: como posso transformar esse acontecimento num poema ou na
cena de um romance?
Assim, tornar-se
escritor não é necessariamente decidir-se a escrever livros, mas orientar a sua
vida de tal maneira que o objetivo de vir a escrever livros não seja
prejudicado. Boa parte da energia libidinal do escritor será canalizada para
este objetivo, às vezes a tal ponto que faltará energia para outras áreas
vitais. Não é que o escritor esteja condenado a ser um fracassado na vida, mas
suas energias estão voltadas de tal maneira para sua decisão que chegam a
faltar em outras áreas, muitas vezes mais necessárias na luta cotidiana pela
vida. Quem não entende isso, não sente isso, pode até escrever livros e ser
reconhecido socialmente como escritor, mas nunca o será de fato. Muitos podem
alegar que há aqui uma certa herança do cristianismo (ou do romantismo, sua
versão gótica) e de suas ideias de sacrifício e abnegação. Não nego. A
literatura não é um evento solto no ar da não-história. A literatura, como nós
a entendemos aqui no Ocidente, é o resultado de uma longa construção histórica
que teve suas raízes lá na Grécia antiga e cuja configuração atual se
determinou em algum momento entre os séculos 18 e 19. Faz parte dessa
construção a ideia de que o escritor é um santo sem fé num mundo sem deuses
cujo último sucedâneo do sagrado não é necessariamente o fetichismo do livro
literário mas o própria decisão de tornar-se escritor. E se a literatura perdeu
sua relevância no mundo contemporâneo, este gesto só se reveste de maior
heroísmo e tragicidade ainda. E nós sabemos que só o herói trágico é belo.
Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de
Janeiro, capital. Depois de uma passagem por Porto Alegre, radicou-se em
Curitiba. Em 2005 foi vencedor do prêmio da Academia de Letras da Bahia, com o
romance Jaboc, publicado no ano
seguinte pela editora Garamond. Em 2012 recebeu o Prêmio Governo de Minas
Gerais de Literatura, na categoria poesia. Doutor em literatura pela UFPR,
leciona atualmente na PUCPR e no pós-graduação stricto sensu da Uniandrade. Resultado de sua pesquisa de
doutorado, seu livro Minha pátria é minha
língua: identidade e sistema literário na Galiza saiu em 2017, pela editora
Appris. Este ano sai pela Kotter Editorial Cosmogonias,
reunindo sua mais recente produção poética.
Perfeito, prof. Otto.
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