Profa. Dra. Edna da Silva Polese
Em Formas de tempo e de cronotopo do
romance, Bakhtin apresenta a mutação sofrida pelo romance a partir da
antiguidade grega e apresenta-as na seguinte ordem: O romance grego – romance
de aventuras e provação; Apuleio e Petrôneo – romance de aventuras e costumes;
Biografia e autobiografia antigas – romance biográfico; O problema da inversão
histórica e do cronotopo folclórico; O romance de cavalaria; Funções do
trapaceiro, do bufão e do bobo no romance; O cronotopo de Rabelais; Fundamentos
folclóricos no cronotopo de Rabelais e, por último, o Cronotopo idílico no
romance.
Dessas chamadas “formas de tempo”, é
possível destacar os seis primeiros para adentrar algumas maneiras de se ler a
obra monumental de Ariano Suassuna.
Romance que representa um projeto ainda
inacabado, o Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do
Vai-e-volta, reúne em si não uma ou duas, mas várias das características
que a forma do romance, de acordo com os ensaios de Bakhtin, apresenta.
Se fizermos uma breve visita à abertura do
livro, já estaremos emaranhados num leque de possibilidades de leituras que a
obra possui:
As epígrafes, localizadas logo no início do
romance, podem ser utilizadas como um dos exemplos da variedade possível que a
leitura desse romance proporciona. Vale lembrar que, de acordo com o Dicionário
de Termos Literários, a epígrafe alcança o sentido moderno de representar o
lema ou divisa de uma obra, demonstrando algum tipo de articulação do conteúdo
do texto com o fragmento apresentado na epígrafe. No romance de Suassuna, fica
claro que a epígrafe tem a função articulatória, pois os “autores” relembrados
pelo autor, ou pelo narrador da obra, são, em seqüência: Dom Sebastião, o
Desejado; Dom Antônio Conselheiro; Dom Pedro I; Dom José Pereira, denominado
rei pelo narrador do texto, por ter participado do confronto ocorrido em
Princesa, Sertão da Paraíba em 1930; e Dom João Ferreira-Quaderna, o rei da
Pedra Bonita.
Desse modo, é possível perceber, logo na
abertura da obra, que a formulação de Suassuna, através de Quaderna, o
protagonista, foge aos dogmas do romance convencional, pois apresenta epígrafes
de figuras históricas que sequer são conhecidas como literárias e, ao mesmo
tempo, apresenta o link que ocorrerá com a proposta final: a elaboração
de um romance sertanejo, épico, clássico, picaresco, histórico, poético que
reviverá os acontecimentos factuais ocorridos em várias regiões do sertão
nordestino, como o massacre da Pedra do Reino, assim como fatos políticos que
envolveram vários anônimos, mas também o pai do autor, assassinado em
circunstâncias políticas à época dos acontecimentos envolvendo a figura
política de João Pessoa. Também é clara a lembrança de um dos temas recorrentes
no romance, o sebastianismo, configurado na figura do rei português, desdobrado
nas figuras de Antonio Conselheiro e João Ferreira, beatos que em diferentes
momentos agruparam seguidores numa jornada religiosa e social em busca de uma
vida melhor.
No prefácio
dessa edição de A pedra do reino, Rachel de Queirós registra:
À primeira
vez em que Ariano Suassuna me falou da Pedra do Reino disse que estava
escrevendo “um romance picaresco.” (...) Mas o paraibano me enganou. Picaresco
o livro é – ou antes, o elemento picaresco existe grandemente no romance, ou
tratado, ou obra, ou simplesmente livro - sei lá como é que diga! Porque depois
de pronto A Pedra do Reino transcende disso tudo, e é romance , é odisséia, é
poema, é sátira, é apocalipse...”
A
falta de uma qualificação exata e, principalmente por registrar o elemento
picaresco, faz do romance de Suassuna um enigma– faltam-lhes registros,
conceitos. A Pedra do Reino está dividida em 86 folhetos, enumerados em
romanos, separados em cinco livros. A continuidade desse projeto, o romance História
d´O rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana, ainda sem
previsão de publicação, dá a idéia da dimensão do trabalho que Suassuna realiza
em sua vida literária.
[1]
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética – A teoria do
romance. São Paulo: Unesp, 1993.
[1]
SUASSUNA, Ariano. Romance d´A pedra do reino e o príncipe do sangue do
vai-e-volta. 5º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
[1] MOISÉS,
Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.p.
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