Professor Luiz Zanotti
A teoria dos efeitos de
Wolfgang Iser (1996,1999) analisa o efeito estético como uma relação dialética
entre texto e leitor, ou seja, uma interação que ocorre entre ambos. Neste
sentido, ainda que se trate de um fenômeno desencadeado pelo texto, a
imaginação do leitor é acionada, para dar vida ao que o texto apresenta e
reagir aos estímulos recebidos.
Tal interação estreita
o espaço entre texto e leitor, faz com que o texto seja transposto para a consciência
do leitor através de uma estrutura básica formada por vazios e negações,
fazendo que o padrão textual se revele como um jogo, uma interação entre o que
está ou não expresso, estimulando o leitor a suprir o que falta.
Toda esta estrutura
proposta por Iser, segundo Gabrielle Schwab (in ROCHA, 1999, p. 35), traz um
aspecto fundamental no sentido de solapar qualquer forma de determinação, ou
seja, num universo ficcional indeterminado é criada uma ilimitada perspectiva
de interpretação que se deve a dinâmica semântica imposta a esse universo pelo
jogo interpretativo e pelas mudanças constantes de realizações imaginarias.
A partir da premissa da
existência em alguns textos da indeterminação, vamos analisar algumas das diversas
possibilidades de leitura em Grande Sertão, cientes que cada leitura é uma
interpretação (característica imanente do ser humano) e a única forma de se
limitar esta infinitude é o critério da coerência, dada a complexidade do
objeto.
Nesta perspectiva, para
apresentar esta pluralidade interpretativa da obra, vali-me de algumas leituras
do romance com diferentes focos de visão e que propiciaram diferentes
resultados no que se refere às pistas deixadas da sexualidade de Diadorim. Para
alguns, Guimarães Rosa deixa algumas pistas a respeito da verdadeira identidade
de Diadorim, em passagens que descrevem gestos delicados, mãos finas e brancas,
a aparência clara. Para outros, todas essas pistas a respeito da aparência e do
comportamento feminino de Diadorim não são perceptíveis, pois a vestimenta é
masculina e geram em Riobaldo uma profusão desnorteada de sentimentos.
A partir desta última
vereda, a que não reconhece Diadorim como mulher, outras veredas vão se formar:
desde aqueles que denunciam o caráter homoerótico da relação até aqueles que
apesar de reconhecer o amor entre os dois jagunços continuam interpretando como
uma relação pura, e muitas vezes sem conotação sexual.
Loyola
(2009) encontra uma destas pistas da feminilidade de Diadorim no verde da frase
“Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de
todos os rios em seus lugares ensombrados” (GUIMARÃES ROSA, p. 405), para
afirmar que Riobaldo intui a condição feminina, pois o verde é uma cor dita feminina
no pensamento chinês, relacionada ao yin.
Mas, dentro do
princípio da inexauribilidade da leitura, o que numa leitura pode representar
pistas da feminilidade: os traços finos e delicados, os olhos verdes e a
cintura bem feita de Diadorim não invalidam a possibilidade, de ainda assim ser
um homem, pois, Ana Paula Primo lembra que Platão em Fedro relatava que na antigüidade o apaixonado ia procurar um
efeminado e não um forte, concluindo que: “Riobaldo busca em Diadorim a
delicadeza e incorpora o efeminado, resguardando as funções masculinas, ou
seja, ele pode proteger e cuidar do seu amado” (PRIMO, 2009, p. 5).
A natureza homoerótica da relação que é confirmada por
Primo no fragmento narrado por Riobaldo: “O senhor saiba: eu toda a minha vida
pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de
todo o mundo... Eu quase sei que nada não sei” (GUIMARÃES ROSA, p. 13), pois é
o evidente relato de uma angústia profunda, pois ele sabe que Diadorim era homem,
e portanto proibido.
Outro leitor, que vai interpretar esse relacionamento
como sendo homoerótico, é o pesquisador chileno Daniel Balder que − em “El
narrador dislocado y desplumado: los deseos de Riobaldo en Grande sertão:
veredas”−, relata a experiência de seus alunos que ao
chegarem ao momento final da leitura em que se descobre que Diadorim é mulher,
reagiram de uma forma negativa, e deixando a dúvida se não é covarde por parte
do autor criar uma história de amor homossexual só para revelar na última hora
que sempre foi heterossexual.
Enfim, Almeida (2009) traz
o “problema” de Riobaldo não como um traço eminentemente homossexual de seu
caráter, e sim como a figura feminina de Diadorim (apesar dos trajes
masculinos) na sua qualidade de musa inspiradora, ou seja, ela funciona como é
uma espécie de anima para Riobaldo, onde “anima” significa, na psicologia junguiana, a
estrutura psíquica que serve de ponte entre a consciência-do-eu e o
inconsciente com seus arquétipos e seus complexos. Riobaldo encanta-se com toda
aquela independência e ousadia do menino, mas, se pensarmos como Platão que
desejar é desejar aquilo de que se é carente, Riobaldo deseja antes Diadorim
pelo que ele, Riobaldo, não é e não tem” (ALMEIDA, 2009).
Referências bibliográficas
ALMEIDA,
Leonardo Vieira de. “Diadorim: o pacto como emblema trágico do corpo”.
Disponivel em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/7/01.htm
em 5/07/2009
BALDER,
Daniel. “El narrador dislocado y desplumado: los deseos de riobaldo en grande
sertão: veredas”. Disponivel em http://www2.cyberhumanitatis.uchile.cl/09/dbalder.htm
em 3/08/2009
GUIMARÃES
ROSA, João. Grande sertão: veredas.
Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=23499,
em 27/07/2009.
ISER,
Wolfgang. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo, Ed.34,
1996.
____O ato da leitura: uma teoria do efeito
estético – vol.2. São Paulo: Ed. 34, 1999
LOYOLLA,
Dirlenvalder do Nascimento. “Diadorim, pássaro, ente da natureza”. Disponível
em: www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/indiceanais.htm
em 27/07/2009
PRIMO,
Ana Paula. Grande Sertão: Veredas, Nas Brumas Da Paixão Interdita. Disponível
em http://www.bing.com/search?q=1.%09Grande+Sert%C3%A3o%3A+Veredas%2C+Nas+Brumas+Da+Paix%C3%A3o+Interdita&src=IE-SearchBox
em 27/07/2009
ROCHA,
João Cezar de Castro (Org). Teorias da ficção: indagações obra de Wolfgang Iser.
Rio de Janeiro : Eduerj, 1999.
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