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domingo, 21 de abril de 2013

GRANDE SERTÃO: VEREDAS E A MULTIPLICIDADE DE INTERPRETAÇÕES



Professor Luiz Zanotti
A teoria dos efeitos de Wolfgang Iser (1996,1999) analisa o efeito estético como uma relação dialética entre texto e leitor, ou seja, uma interação que ocorre entre ambos. Neste sentido, ainda que se trate de um fenômeno desencadeado pelo texto, a imaginação do leitor é acionada, para dar vida ao que o texto apresenta e reagir aos estímulos recebidos.
Tal interação estreita o espaço entre texto e leitor, faz com que o texto seja transposto para a consciência do leitor através de uma estrutura básica formada por vazios e negações, fazendo que o padrão textual se revele como um jogo, uma interação entre o que está ou não expresso, estimulando o leitor a suprir o que falta.
Toda esta estrutura proposta por Iser, segundo Gabrielle Schwab (in ROCHA, 1999, p. 35), traz um aspecto fundamental no sentido de solapar qualquer forma de determinação, ou seja, num universo ficcional indeterminado é criada uma ilimitada perspectiva de interpretação que se deve a dinâmica semântica imposta a esse universo pelo jogo interpretativo e pelas mudanças constantes de realizações imaginarias.
A partir da premissa da existência em alguns textos da indeterminação, vamos analisar algumas das diversas possibilidades de leitura em Grande Sertão, cientes que cada leitura é uma interpretação (característica imanente do ser humano) e a única forma de se limitar esta infinitude é o critério da coerência, dada a complexidade do objeto.
Nesta perspectiva, para apresentar esta pluralidade interpretativa da obra, vali-me de algumas leituras do romance com diferentes focos de visão e que propiciaram diferentes resultados no que se refere às pistas deixadas da sexualidade de Diadorim. Para alguns, Guimarães Rosa deixa algumas pistas a respeito da verdadeira identidade de Diadorim, em passagens que descrevem gestos delicados, mãos finas e brancas, a aparência clara. Para outros, todas essas pistas a respeito da aparência e do comportamento feminino de Diadorim não são perceptíveis, pois a vestimenta é masculina e geram em Riobaldo uma profusão desnorteada de sentimentos.
A partir desta última vereda, a que não reconhece Diadorim como mulher, outras veredas vão se formar: desde aqueles que denunciam o caráter homoerótico da relação até aqueles que apesar de reconhecer o amor entre os dois jagunços continuam interpretando como uma relação pura, e muitas vezes sem conotação sexual.
Loyola (2009) encontra uma destas pistas da feminilidade de Diadorim no verde da frase “Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados” (GUIMARÃES ROSA, p. 405), para afirmar que Riobaldo intui a condição feminina, pois o verde é uma cor dita feminina no pensamento chinês, relacionada ao yin. 
Mas, dentro do princípio da inexauribilidade da leitura, o que numa leitura pode representar pistas da feminilidade: os traços finos e delicados, os olhos verdes e a cintura bem feita de Diadorim não invalidam a possibilidade, de ainda assim ser um homem, pois, Ana Paula Primo lembra que Platão em Fedro relatava que na antigüidade o apaixonado ia procurar um efeminado e não um forte, concluindo que: “Riobaldo busca em Diadorim a delicadeza e incorpora o efeminado, resguardando as funções masculinas, ou seja, ele pode proteger e cuidar do seu amado” (PRIMO, 2009, p. 5).
A natureza homoerótica da relação que é confirmada por Primo no fragmento narrado por Riobaldo: “O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo... Eu quase sei que nada não sei” (GUIMARÃES ROSA, p. 13), pois é o evidente relato de uma angústia profunda, pois ele sabe que Diadorim era homem, e portanto proibido.
Outro leitor, que vai interpretar esse relacionamento como sendo homoerótico, é o pesquisador chileno Daniel Balder que − em “El narrador dislocado y desplumado: los deseos de Riobaldo en Grande sertão: veredas”−, relata a experiência de seus alunos que ao chegarem ao momento final da leitura em que se descobre que Diadorim é mulher, reagiram de uma forma negativa, e deixando a dúvida se não é covarde por parte do autor criar uma história de amor homossexual só para revelar na última hora que sempre foi heterossexual.
Enfim, Almeida (2009) traz o “problema” de Riobaldo não como um traço eminentemente homossexual de seu caráter, e sim como a figura feminina de Diadorim (apesar dos trajes masculinos) na sua qualidade de musa inspiradora, ou seja, ela funciona como é uma espécie de anima para Riobaldo, onde “anima” significa, na psicologia junguiana, a estrutura psíquica que serve de ponte entre a consciência-do-eu e o inconsciente com seus arquétipos e seus complexos. Riobaldo encanta-se com toda aquela independência e ousadia do menino, mas, se pensarmos como Platão que desejar é desejar aquilo de que se é carente, Riobaldo deseja antes Diadorim pelo que ele, Riobaldo, não é e não tem” (ALMEIDA, 2009).
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Leonardo Vieira de. “Diadorim: o pacto como emblema trágico do corpo”. Disponivel em: http://www.filologia.org.br/ixcnlf/7/01.htm em 5/07/2009
BALDER, Daniel. “El narrador dislocado y desplumado: los deseos de riobaldo en grande sertão: veredas”. Disponivel em http://www2.cyberhumanitatis.uchile.cl/09/dbalder.htm em 3/08/2009
GUIMARÃES ROSA, João. Grande sertão: veredas. Disponível  em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=23499, em 27/07/2009.
ISER, Wolfgang.  O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. São Paulo, Ed.34, 1996.
____O ato da leitura: uma teoria do efeito estético – vol.2. São Paulo: Ed. 34, 1999
LOYOLLA, Dirlenvalder do Nascimento. “Diadorim, pássaro, ente da natureza”. Disponível em: www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/indiceanais.htm em 27/07/2009
PRIMO, Ana Paula. Grande Sertão: Veredas, Nas Brumas Da Paixão Interdita. Disponível em http://www.bing.com/search?q=1.%09Grande+Sert%C3%A3o%3A+Veredas%2C+Nas+Brumas+Da+Paix%C3%A3o+Interdita&src=IE-SearchBox em 27/07/2009
ROCHA, João Cezar de Castro (Org). Teorias da ficção: indagações obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro : Eduerj, 1999.
                

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