Prof.
Mail Marques Azevedo
Tomamos por empréstimo a
Sérgio Sá o título, A reinvenção do escritor, da obra em que discute o périplo do escritor nos dias atuais. O
subtítulo, literatura e mass media,
esclarece o tema da discussão. O autor enfatiza a tendência atual de vivermos a
cultura do videoclip e nos curvarmos
às demandas de marketing por
resultados imediatos:“rápida renovação, sucesso efêmero, sensação imediata,
pura estimulação” (SÁ, 2010, p. 16). Neste cenário a literatura deve buscar
alternativas a fim de sobreviver. O escritor está dividido entre a necessidade
de entreter, a fim de chegar mais próximo do público (o entretenimento é o
objetivo profundo e irrefutável do mundo da mídia), e a tentação da
experimentação literária (e, consequentemente, a opção de permanecer fora
dele).
Quanto aos subtítulos desta
página─ [a reinvenção] do leitor; dos costumes e da língua ─ de criação própria, decorrem da observação das transformações que se processam no indivíduo como
leitor, nos seus costumes e na sua língua de comunicação. Desde que o mundo é
mundo, o homem experimenta, cria, imita, transforma, num processo inexorável de
evolução em que se cria o novo pela absorção e transformação do já existente.
Tal processo de absorção e
transformação constitui, em última análise, o fulcro da abordagem
intermidiática de crítica literária, baseada nas relações entre mídias ou
“midialidades”: textos impressos, cinema, televisão, comicstrips, vídeo games, animação e outras. Irina Rajewski aponta
que a relação entre mídias, que a convenção determina serem distintas, é
estabelecida com base na possibilidade de evocar, num receptor, aqueles modelos
midiáticos específicos que lhe vêm à mente. A relação autor-leitor, portanto, é
via de mão dupla: o primeiro busca diferentes meios que o aproximem do leitor
de hoje, nutrido desde a infância nas mídias audiovisuais; por outro lado,
espera-se que o leitor identifique
os modelos midiáticos sugeridos pelo texto.
A reinvenção dos costumes é patente. Perdem-se nas
brumas do passado, os jogos de amarelinha, as canções de roda, as pandorgas,
substituídos por celulares, Ipods, Ipads, vídeo games e quejandos.(Será que
alguém ainda sabe o que são “pandorgas” e “quejandos”?)
Neste ponto, a reinvenção da língua está mais do que clara. É
evidente que o nosso português absorve, sem a menor cerimônia, palavras de
outras línguas, ao mesmo tempo em que descarta as próprias. As que estão
destacadas no texto revelam de imediato sua origem na língua inglesa. Existem
outras, no entanto, de tal modo arraigadas em nosso discurso cotidiano que nem
nos ocorre questionar de onde vieram.
Fiquei surpresa ao ler o texto
“Clientela ideal” de J.R. Guzzo, na revista Veja,§ que revela a origem de algumas palavras de uso corrente no
português do Brasil: otário, afanar,
engrupir, embromar, cambalacho, bacana, bronca, fajuto, punguista, fuleiro,
grana, gaita, escracho, cana, tira, lábia, patota, cabreiro, pirado,
barra-pesada etc.
Tais palavras, explica o
articulista, vêm do lunfardo ou “lunfa”, linguajar que surgiu, aparentemente,
nos fins do século XIX, “como meio de comunicação entre presidiários,
criminosos em geral, proxenetas, vigaristas, batedores de carteira, vadios e outros
malvivientes do submundo de Buenos
Aires”. Chegaram ao Brasil via cais do Porto de Santos e Praça Mauá, no Rio de
Janeiro e se incorporaram à língua. Note-se que todas foram aceitas por meu
computador, exceção feita a “engrupir”.
E daí, a que conclusão
chegamos?As conclusões do articulista não são muito lisonjeiras para o caráter
dos brasileiros, a “clientela ideal”.
Certamente a opinião dos leitores de Guzzo, ou deste modesto comentário,
estarão divididas: uma avaliação positiva indicaria o caráter democrático do
brasileiro, pronto a absorver novidades e fazer seus instrumentos e ideias vindos de fora; uma avaliação negativa,
penso, apontaria os excessos desse mesmo caráter democrático, pouco criterioso
na adoção do novo.
Se o mundo de hoje exige a reinvenção
do escritor, em função da reinvenção do leitor, bem como a reinvenção do
leitor, de seus costumes e de sua língua, em função das modificações céleres da
cultura dos grupos sociais, qualquer que seja nossa opinião pessoal, tais
reinvenções estão aí para ficar.
REFERÊNCIAS
RAJEWSKI, I. A fronteira em discussão: o status
problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre
intermidialidade. In: DINIZ, T.F.N. & VIEIRA, A.S. (Org) Intermidialidade e
estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: UFMG, 2012,
p. 51-73.
SÁ, S. A reinvenção do
escritor.
Literatura e mass media. Belo
Horizonte: UFMG, 2010.
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