Anna Stegh Camati
Introdução
Em
seu recente livro, Extramural Shakespeare
(2010), Denise Albanese argumenta que a posição de Shakespeare na cultura
americana mudou nos anos próximos à virada do milênio. Esse autor não está mais
situado no topo da cultura erudita, mas tornou-se propriedade pública. Pegando
emprestado do ensaio “O que é um autor?” (1969), de Michel Foucault, que
desmistifica a autoria e estabelece o conceito denominado função-autor,
Albanese cria um termo análogo — função-Shakespeare — para explicar “a soma dos
inúmeros papéis que Shakespeare desempenha e é levado a desempenhar
institucional e publicamente” (p. 5) na contemporaneidade.
As
experiências interculturais bem-sucedidas de Eugenio Barba, Peter Brook e
Ariane Mnouchkine têm incentivado grupos brasileiros de teatro, cujos
participantes geralmente são oriundos do meio acadêmico, a dessacralizar ou a
abrasileirar Shakespeare, rejeitando práticas teatrais ortodoxas e apresentando
as peças desse autor a céu aberto, como arte pública, fora dos muros da
academia.
Encenações ao ar livre: quando o lugar se torna espaço teatral
Na
horinha, mesmo; este lugar é maravilhosamente conveniente para o nosso ensaio.
O gramado, aqui, vai ser nosso palco, esse arbusto de espinhos, nossa coxia
[...].[1]
shakespeare, sonho
de uma noite de verão
De
acordo com Michel de Certeau (2010), lugar
é um local fixo, em oposição a espaço,
que é socialmente construído: embora uma rua possa ser idealizada pelo
planejamento urbano, ela dependerá de movimento, de mudança e de interação para
se transformar em espaço ativo. O estudioso francês alega que “o espaço é um
lugar praticado” (p. 119) que adquire uma dinâmica sui generis, tornando-se espaço quando apropriado para fins
específicos durante um período de tempo. Assim, quando uma peça é apresentada
em locais públicos, o lugar escolhido, por um curto período de tempo, torna-se
espaço teatral, como é afirmado por Pedro Quina[2]
no prólogo da cena de ensaio de Sonho de
uma noite de verão (1595-1596), citado na epígrafe. Ou, como Peter Brook
(1968) teoriza em The Empty Space:
“Posso escolher qualquer espaço vazio e considerá-lo um palco nu. Um homem
atravessa este espaço enquanto outro observa. Isto é suficiente para criar uma
ação cênica”[3]
(p. 9).
Encenar
ao ar livre é, na verdade, voltar às raízes do teatro: “Téspis se apresentava
para as ágoras atenienses em uma carroça, no século VI a.C., e as peças
medievais chamadas “mistérios” aconteciam no adro das igrejas e nas praças das
cidades” (Pavis, 1998, p. 372). E mesmo durante a era elisabetana, as peças de
Shakespeare foram muitas vezes representadas em espaços a céu aberto, principalmente
quando a grande peste de Londres se tornou uma epidemia e os teatros tiveram de
ser fechados para evitar o contágio.
Este trabalho foi apresentado
no congresso da Latin American Studies Association (LASA), realizado de 20 de
maio a 01 de junho de 2013, em Washington, DC. Título em inglês: “Brazilian
Street Theatre as Public Art: Ueba’s The
Taming of the Shrew”. Tradução para o português de Thelma Christina Ribeiro
Côrtes. O trabalho completo foi publicado em Tradução em Revista, v. 14, 2013/1, p. 113-121. Disponível em:
[1]
N.T. Tradução de Barbara Heliodora (SHAKESPEARE, William. Sonho de uma noite de verão. Tradução:
Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2004. 128p.).
[2] N.T. Os
nomes em português dos personagens shakespearianos citados neste artigo seguem
as traduções de Barbara Heliodora.
[3]
N.T. As traduções das citações do livro de Peter Brook foram extraídas
da edição brasileira: BROOK, Peter. O
teatro e seu espaço. Tradução: Oscar Araripe e Tessy Calado. Petrópolis:
Ed. Vozes, 1970. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/20061686/O-Teatro-e-seu-espaco-Peter-Brook>
Nenhum comentário:
Postar um comentário