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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

BORGES E A METÁFORA


Profa. Sigrid Renaux
Em virtude de estar lecionando o curso “Teorias da Poesia” para os mestrandos em Teoria Literária neste semestre, chamou-me a atenção, recentemente, o livro Esse ofício do Verso de Jorge Luis Borges (São Paulo: Editora Schwarcz,  2007). Entre as diversas obras deste grande mestre argentino, o que esta apresenta de peculiar é que se trata de palestras  proferidas em inglês em 1967-68  para estudantes da Universidade de Harvard, publicadas sob o título This craft of verse  (Harvard University Press, 2000).  O simples fato de um escritor ser convidado para dar palestras em Harvard já seria o suficiente para situá-lo entre os melhores da atualidade. No caso de Borges, na época com 68 anos e, portanto, no auge de sua carreira,  essas seis palestras – intituladas “O Enigma da Poesia”, “A metáfora”, “O Narrar uma História”, “Música da Palavra e Tradução”, “Pensamento e poesia” e “o Credo de um Poeta” – irão demonstrar não apenas sua  imensa erudição mas simultaneamente a abrangência dos assuntos apresentados,  aliados a uma linguagem clara e  acessível.

Concentrando-nos na segunda dessas palestras, “A Metáfora”, ressaltamos, a seguir, algumas das considerações de Borges.

 Partindo do pressuposto que “as metáforas são feitas pelo encadeamento de duas coisas diversas  Borges lança a pergunta: “por que diabos os poetas pelo mundo afora, e pelos tempos afora, haveriam de usar as mesmas metáforas surradas quando há tantas combinações possíveis?” (30). Borges cita então o poeta argentino Lugones  que afirma, em  Lunario sentimental, “cada palavra é uma metáfora morta”(p.31). Acrescenta Borges: “...acho que todos sentimos a diferença entre metáforas mortas e vivas. Se pegarmos qualquer bom dicionário etimológico (...) e se procurarmos uma palavra qualquer, na certa encontraremos uma metáfora enfurnada em alguma parte”.(p.31)

Essa questão antiquíssima já está expressa em Aristóteles, que, ao tratar da elocução poética, destaca o valor deste tropo:

Grande importância tem, pois, o uso discreto de cada uma das mencionadas espécies de nomes, de nomes duplos e de palavras estrangeiras; maior, todavia, é a do emprego das metáforas, porque tal se não aprende nos demais, e revela portanto o engenho natural do poeta; com efeito, bem saber descobrir as metáforas significa bem se aperceber das semelhanças”. (Poética, XXII)

Ou seja, a percepção das semelhanças entre  duas coisas, “transportando para uma coisa o nome de outra”, é que revela a engenhosidade do poeta, algo que não se aprende nos demais nomes.   Também Longino já menciona as “metáforas ousadas” como imprescindíveis para as emoções fortes e para o sublime genuíno (Do sublime, XXXII), mostrando, portanto, como a preocupação com conceituação e utilização da metáfora atravessa os séculos.

Essa distinção que Borges faz entre metáforas mortas e vivas é crucial para todos nós, pois, mesmo quando ele afirma  que sentimos a diferença entre ambas, acredito que a dificuldade de entender uma metáfora vem do fato de que, acostumados a usar metáforas “mortas” –  como “o sol se põe”, o que era  realidade até se descobrir que a terra gira em torno do sol,  ou “a perna da mesa”, ambas mostrando como a metáfora pode ser utilizada tanto na linguagem cotidiana quanto na literária –  não percebemos em profundidade  a metáfora “como uma metáfora” (p.31), como um organismo vivo com sua “virtualidade de leituras múltiplas” (Greimas/Courtés, p.274).

Os inúmeros  exemplos que Borges apresenta na conferência são de metáforas “que são sentidas como metáforas pelos leitor” (p.31-32), desde “modelos surrados” (p.32)  a modelos mais sofisticados e sutis. Entre esses, a identificação de olhos e estrelas, mulheres e flores, tempo e rios, vida e sonho, morte e sono, incêndio e batalhas (p. 41).  O que realmente importa, como continua Borges, “é que há uns poucos modelos, mas que são capazes de variações quase infindas” (p.41), ou seja, mesmo dentre os modelos  apresentados por Borges, ainda podemos criar novas metáforas, nas quais a identificação entre as duas “coisas” continua a fascinar poetas e leitores.

Borges cita, como último exemplo, a linha “She walks in beauty, like the night” (ela anda em beleza, como a noite), de Byron. Segundo Borges, “o verso é tão perfeito que não lhe damos valor”. Ele apresenta, em seguir, a “complexidade oculta e secreta do verso”,  pois “dentro dessas palavras bem simples, temos uma dupla metáfora: uma mulher é ligada à noite, mas a noite é ligada à mulher”, ou seja, uma adorável mulher é ligada à noite e, simultaneamente,  a noite também é como uma mulher (p.48). Este exemplo mostra claramente como costumamos tratar superficialmente as metáforas,  prendendo-nos apenas à primeira semelhança, sem nos dar o tempo de ir adiante, em nossa investigação da metáfora como uma “virtualidade de leituras múltiplas”.

Borges conclui esta conferência confirmando primeiro que, mesmo existindo milhares de metáforas que “podem ser reconduzidas a uns poucos modelos simples”, não precisamos nos preocupar, pois “toda vez que o modelo é usado, as variações são diferentes”. Sua segunda conclusão é que “ há metáforas – por exemplo, “teia de homens” ou caminho da baleia” [explicadas na conferência] – que não podem ser reconduzidas a modelos definidos.” (p.49)

Sua afirmação final “talvez ainda nos seja dado inventar metáforas que não façam parte, ou que ainda não façam parte, dos modelos aceitos” (p.49), nos leva a acreditar como a criação de uma nova metáfora, por parte do poeta, nos faz ver novamente as possibilidades infinitas das palavras – a partir do uso no dicionário – escondidas, trazidas à tona e recriadas pelo poder do poeta, como criador de metáforas.

 

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