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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Lampião: o cangaceiro intermídia


Prof. Luiz Zanotti     

 O cangaceiro Lampião se transformou numa figura lendária em vida no panorama sociocultural brasileiro, não só em razão dos seus feitos, mas também graças a uma mídia ávida de notícias sensacionalistas e a todo um trabalho literário, em que predominava a literatura de cordel e a musicalidade. No entanto, outras artes se apropriaram da temática lampiônica como por exemplo o cartoon. Nesta época esta sendo relançada a sua obra para marcar os vinte e cinco anos do falecimento do cartunista mineiro Henfil que buscou inspiração no fenômeno do cangaço para elaborar a uma crítica ao regime ditatorial brasileiro da época. Henfil cria nos anos 1960 “tiras de quadrinhos” para o jornal de oposição O Pasquim:
 

FIGURA 1. Zeferino, Bode Orelana e Graúna.

As personagens foram situadas na caatinga, onde o cangaceiro Zeferino, com seu chapelão incrustado e vestimenta de encourado, contracena a Graúna, uma ave típica da região, e, com Orelana, um bode de cartola.
 
Zeferino é o cangaceiro dos sertões brasileiros, cabra macho, protagonista das historinhas, simbolizando o povo em sua mistura de intuição e conhecimento, inocência e malandragem. Graúna é um pássaro preto do Nordeste, representando a ingenuidade e a irreverência da mulher classe média, ao mesmo tempo consciente, vulgar, dominadora e dominada. Francisco Orelana é um bode comedor de livros, típico representante da intelectualidade pequeno-burguesa, símbolo do medo e da auto-censura que predominam nos intelectuais brasileiros da década de 70, porém por vezes capaz de atitudes heróicas e idealistas. (SEIXAS, 1996, p. 50)
 
Também merece atenção o trabalho do ceramista Mestre Vitalino de Caruaru, que se encontra registrado no documentário Vitalino/Lampião (1969), de Geraldo Sarno. No filme, o cineasta apresenta o processo de criação de uma estatueta de barro de Lampião pelo artesão Manuel Vitalino – filho de Mestre Vitalino – fazendo ressoar, ao fundo, uma canção do repentista Severino Pinto sobre as razões que levaram Virgolino Ferreira ao cangaço:
 
O cineasta-narrador introduz o filme apresentando sua concepção de arte popular: uma arte que não cria, apenas materializa modelos propostos pela coletividade. Para ele, o artesão não é um criador, mas aquele que dá forma a temas criados pela "consciência coletiva". Artesão e cantador não participam da concepção artística; eles nada criam, apenas interpretam algo que já está dado. Entre a arte individual e a criação coletiva do mito, entre Vitalino e Lampião, cria-se uma relação através da qual a violência trágica de Lampião dá sentido e justifica o ato solitário do artesão. [...] Dessa forma o artista popular torna-se intérprete tradicional da sociedade a que pertence e o produto de seu artesanato reflete não apenas o mito trágico criado pela consciência coletiva mas o próprio destino trágico de toda a violência gerada pelo Nordeste tradicional. (D’ALMEIDA, 2009)
 
É interessante notar a afirmação feita pelo artesão a respeito da produção limitada:
 
ninguém é artista e todo mundo é artista. Porque a fôrma... Quem nunca viu um boneco de barro e nem sabe o que é, pegando na fôrma e pegando no barro pode fazer. A fôrma desenhada, vamos dizer, feita a cabeça do boneco. Forma o corpo e faz as cabeça tudo de fôrma. Então é de fabricar, vamos dizer, 50 e mesmo um cento de bonecos, de peças. Você olhar assim é tudo um só. Quer dizer que aí não é arte. É uma fôrma e tudo o que fizer fica igual. (VITALINO apud em D’ALMEIDA, 2009).
 
Outra mídia que utilizou a temática de Lampião é o universo das histórias em quadrinhos, também designados como romances gráficos.  Uma obra que vale a pena ser destacada é o comix Lampião: ...era o cavalo do tempo atrás da besta da vida (2006), de Klévisson Tupynanquim. Segundo Sidney Gusman[1] (2010), o comix foi selecionado pelo Programa Nacional do Livro Didático do Estado de São Paulo, bem como pelo Programa Nacional da Biblioteca Escolar, o que resultou em mais de quarenta mil exemplares distribuídos nas escolas públicas participantes do programa.
Segundo Gusman, um dos maiores especialistas de história em quadrinhos no Brasil, Klévisson dá uma verdadeira aula sobre comix, demonstrando enorme conhecimento do tema, obtido por uma profunda pesquisa bibliográfica e visual. Para o especialista, o cartunista criou desenhos expressivos, tendo o cuidado de escrever todos os textos dos balões “exatamente” como o povo local pronunciava na época.
Enfim, a diversidade midiática que se apropria da temática lampiônica é infinda e propicia a criação de verdadeiras obras de arte como é o caso do romance gráfico Lampião e Lancelote (2007), de Fernando Vilela, ganhador do premio Bolonha Ragazzi:
 FIGURA 2. Luta entre os cangaceiros de Lampião e os cavaleiros de Lancelote
 
O autor cria o seu romance partindo de uma perspectiva intertextual e  relativiza as antinomias através da escolha de uma diversidade de cores (preta, dourado e prata), da utilização de várias linguagens (verso, sextilha do cordel sertanejo, prosa, narrativa épica), recursos gráficos (carimbo e xilogravura) e outros símbolos. Vilela oferece um Lampião mais humano, um indivíduo que não foi mais violento do que o cavaleiro Lancelote, um exemplo paradigmático de herói medieval e, que assim como o cavaleiro amava Guinevere, também foi capaz de ter um grande amor por Maria Bonita.
 
 
 
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


[1] Sydnei Guzman no artigo “Lampião de Klévisson Viana adotado em escolas de todo o Brasil”. Disponível em http://www.universohq.com/quadrinhos/2007/n02042007_07.cfm. Acesso em: 20 set. 2010.


[1] Sydnei Guzman no artigo “Lampião de Klévisson Viana adotado em escolas de todo o Brasil”. Disponível em http://www.universohq.com/quadrinhos/2007/n02042007_07.cfm. Acesso em: 20 set. 2010.

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