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domingo, 8 de junho de 2014

A poesia de Maya Angelou

Sigrid Renaux


A morte de Maya Angelou (1928-2014), na última semana de maio, levou-nos a relembrar sua carreira como escritora, poeta, ativista de direitos civis e historiadora. Entre muitos fatos memoráveis, sua autobiografia I know why the caged bird sings (1969) tornou-se o primeiro best-seller escrito por uma autora afro-americana; sua primeira coletânea de poemas, Just give me a cool drink of water ‘fore I die (1971), recebeu o Pulitzer Prize; ela própria recitou um de seus poemas mais famosos, “On the pulse of morning” na posse do Presidente Bill Clinton em 1993.

No artigo “A re-reading of Pablo Neruda´s ‘Vengo a renegociar mi deuda con Walt Whitman’ through the poetry of Maya Angelou and Alice Walker” (Transit Circle 5, 2006, p. 36-58), discutimos alguns poemas representativos de Maya Angelou e Alice Walker como recontextualizações das posições do poeta chileno ao ele tratar, entre outros tópicos, de Whitman como “el primer poeta totalitario” e da inseparabilidade da poesia das lutas políticas pela liberdade.

Dentro desta perspectiva, comentamos comoWalker e Angelou, juntamente com tantas outras poetas de ascendência afro-americana, transformaram suas canções num instrumento de auto-afirmação e de sobrevivência das mulheres negras numa sociedade que pretende ser multicultural, mas na qual ser afro-americana ainda significa pertencer a uma cultura minoritária. Como afirma Elena Featherstone, “a cor é o derradeiro teste de ‘americanidade’ e a cor negra é a mais ‘não-americana’”. Além disso, ao devolver o olhar do “outro”, essas poetas também lançam um grito de alerta contra o poder de destruição e, consequentemente, contra o sofrimento e morte que as superpotências podem causar a toda a humanidade. Elas transcendem, desta forma, sua estatura afro-americana continental e adquirem uma dimensão macro-cósmica.

 Como instrumentos de assertividade, os versos de Maya Angelou “(...)my drums beat out the message/and the rhythms never change./ Equality, and I will be free./Equality, and I will be free”, “I’m a woman /Phenomenally. /Phenomenal woman, / that´s me”, ou o conhecido refrão “I shall not be moved” palpitando incessantemente através das estrofes de “Our Grandmothers”, e a tripla repetição “We are more alike, my friend, /that we are unlike” finalizando “Human Family”, atestam o tom intensamente pessoal e desafiador da poeta, ao ela escrever sobre raça, gênero, sobrevivência e igualdade. Como ela própria confirmou numa entrevista, “O protesto é uma parte intrínseca de minha obra. Não se pode simplesmente não escrever sobre temas de protesto ou não cantá-los. É parte da vida. Se eu não concordo com uma parte da vida, então minha obra precisa se consagrar a ela”.

Tendo aprendido com a vida o que significa ser negra e mulher na América, Angelou e Walker - como Whitman e Neruda antes delas renegociam sua dívida com a vida ao assumirem a responsabilidade de transmitir suas experiências aos outros e ao fazerem sua própria canção “song of myself” tornar-se simultaneamente as canções de nós próprias “songs of ourselves”. Entretanto, como herdeiras do modo individualístico de Whitman, bem como de sua reivindicação de que apenas numa sociedade livre as pessoas atingem sua individualidade, elas assumiram esta responsabilidade ainda mais. Os cantos de resistência e de libertação de Angelou e Walker, denunciando destemidamente “a violação e degradação das mulheres afro-americanas” (Cudjoe apud Evans, 1984), tornaram-se mais amplos ao sua preocupação com a condição da mulher negra na América ter sido abarcada e portanto absorvida pela preocupação com a sobrevivência não apenas dos afro-americanos mas de todo o povo norte-americano e também da raça humana.

Deste modo, quando Angelou se dirige ao povo no poema “America”, estamos afastados no tempo da “America” de Whitman, mas também da imagem whitmanesca da América como centro de igualdade e como Mãe – forte, justa e eterna com liberdade, lei e amor – ao essas associações positivas terem sido substituidas pela imagem de uma América na qual essas qualidades e conceitos adquiriram conotações negativas, precedidas como estão por “never”, “not”, “untrue”:

The gold of her promise/has never been mined/

Her borders of justice/not clearly defined/

Her crops of abundance/the fruit and the grain/

Have not fed the hungry/nor eased that deep pain (...)

She kills her bright future/and rapes for a sou/

Then entraps her children/with legends untrue/

I beg you/

Discover this country.

 

Ao implorar que o povo americano descubra este país, ela não afirma que eles precisam descobrir um país desconhecido – como Colombo – mas que descubram uma América ainda “coberta”, desconhecida, expondo à vista de todos o dano causado a este país, revelando a traição que foi perpetrada contra o povo afro-americano e assim fazendo compreender o que a América é na realidade.

            A voz de Angelou, ao fundir o individual com o coletivo, o particular com o público, não apenas confirma a opinião de Ledo Ivo de que a poesia norte-americana como instrumento de crítica social sempre permitiu a seus poetas questionarem e falarem contra as instituições norte-americanas. A abrangência de seus poemas também demonstra como a preocupação das poetas afro-americanas em relação a raça, gênero, igualdade e sobrevivência transcende sua própria condição e pois eles se tornaram cantos de sobrevivência de toda a humanidade, inseridos no âmago da poesia norte americana e da poesia mundial.

            Que estas breves considerações retiradas de um texto mais amplo possam servir de estímulo à leitura de Maya Angelou, como se encontra em The Complete Collected Poems of Maya Angelou, entre tantas outras obras.

 

 

 

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