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segunda-feira, 2 de junho de 2014

O ensino de literatura na escola pública. Qual mesmo?

Prof. Edson Ribeiro


Há algumas décadas, o ensino de Literatura, como disciplina, muito mais do que como Arte e atividade humana, vem tentando encontrar um caminho que o faça superar a visão historiográfica. Não tem conseguido na rotina de sala de aula. Mas as propostas curriculares descobriram que existem métodos desenvolvidos por quem estuda literatura e, além do mais, por quem a lê. Aquela literatura que é arte, antes de se tornar disciplina.

As propostas curriculares assumiram diferentes vieses ao longo dos anos, da década de 80 para cá.

Quem ler o Currículo básico para a escola pública do Paraná, documento que passou a vigorar a partir de 1990 no estado, perceberá um esforço para dar à disciplina Literatura uma função. Não bastava uma compreensão do fenômeno literário, algo que nunca ocorreu na escola pública. Era preciso apoiar o estudo de autores e obras em pressupostos mais pragmáticos. Aquela proposta curricular citava Engels a cada página, e se esquecia de que cada ciência ou cada disciplina possuem os seus pensadores, teóricos, estudiosos. A sociologia de inspiração marxista tentava dizer ao professor que ler pode ser uma forma de se compreender a sociedade e de se lutar contra as desigualdades. A literatura como formadora de uma “visão crítica” estava a um passo. Veio logo em seguida e acabou por formar um pequeno cânone de leituras críticas. Ler “O açúcar”, de Ferreira Gullar, ou “O bicho”, de Manuel Bandeira, poderia salvar a disciplina da sistematização do conteúdo. Falar sobre o trabalhador explorado ou sobre catadores de lixo valia mais que ler Machado ou Rosa. O que levou o professor a pensar: Por que trabalhar com a poesia, que o aluno nem conhece, se esses temas estão todos na música popular? Ler Zé Ramalho ou Renato Russo passou a ser uma etapa para aquele professor que já não via razões para copiar e imprimir poemas das décadas de 40 ou 50.

Foi então que os Parâmetros curriculares nacionais falaram em competências. Era uma forma de se confirmar a leitura para produzir cidadãos que soubessem que quem corta cana ganha menos do que o usineiro. O ano de 1996 marcou a obrigatoriedade de um ensino de literatura que não se apoiasse apenas em fatos da história literária, e instituiu a necessidade de o professor também chegar aos sentidos dos textos. Chegar ao sentido sempre foi um problema para o aluno-leitor. Virava um problema para o professor-leitor. Como a preocupação era com os sentidos, o professor podia encomendar ao seu núcleo de educação aquelas fitas com adaptações de obras literárias. As relações de fitas não saíam das salas de professores. E o professor acreditava que, exibindo a adaptação duvidosa feita nos anos de ditadura e que, por razões de censura, jamais exibia cenas de nudez ou usava linguagem mais desinibida, estaria livre de ele mesmo ler a obra. Chegava-se ao sentido superficial e se fazia uma apologia da obra pelo seu conteúdo.

Quando o governo do estado passou a perseguir as propostas curriculares nacionais, o principal esforço voltou-se para o questionamento do conceito de competência. Este era visto como capitalista, mercadológico, e o aluno deveria ser formado a partir de critérios humanistas. A ideia da literatura como “sorriso da sociedade”, para usar a expressão de Afrânio Peixoto, estava rondando, mas o estado queria um humanismo marxista, algo que ele mesmo criara ao dizer que o ensino paranaense não apoiava as competências, mas o conteúdo, sem nunca ser conteudista. O professor nunca entendeu, mas aceitou os pressupostos. Quando apareceu a primeira versão das Diretrizes curriculares estaduais,em 2006, o documento falava em “rizoma”, em uma aula de literatura que fosse conteudista, mas que formasse o gosto pela leitura. Nessa perspectiva, se o aluno se levantasse para jogar o papel de bala no lixo, o professor poderia encetar uma proveitosa discussão sobre açúcar e trazer para a aula o poema de Ferreira Gullar, enquanto a aluna aplicada poderia contar suas experiências lendo João Cabral de Melo Neto, e tanto professora quanto aluna despertarem o desejo de toda a turma ler José Lins do Rego ou João Américo de Almeida. Ou seja, o tema geraria uma comparação entre autores e obras, no sentido de fazer disso algo como os debates futebolísticos nas emissoras de televisão.  Ledo engano, pois o professor poderia até trabalhar como a formiga, mas jamais cantaria como a cigarra. Falar de obras que pudessem ser interligadas, comparadas, novamente exigiria certo repertório de leitura. Para esse professor, uma vez sem ter que formar competências, era melhor voltar a fazer esquemas com a cronologia de autores (só os principais) e obras (só a mais conhecida de cada autor).  O rizoma encontrava um muro.

A versão de 2008 trouxe o alento. A Estética da Recepção definia um conceito de literatura tal como nunca fora pensado. A literatura era arte. E o programa curricular falava sobre Jauss. Cogitava a possibilidade de uma abordagem estética, que para os professores causava mais motivo para estranhamento que todas as obras consideradas clássicas pelo Formalismo Russo.  Como assim, uma abordagem estética? E o conteúdo? E o senso crítico? O que fazer com cortadores de cana e meninos de rua? Ter que sugerir a leitura de Rosa, de Lygia, de Clarice, de Rubião? A exposição de pressupostos da Estética da Recepção está mais do que clara nas diretrizes. Mas ela chega a um ponto que representa o final de uma hermenêutica do texto literário: o horizonte de expectativas. A ampliação do horizonte de expectativas do aluno abocanhou a proposta curricular de 1990 e trouxe de volta a preocupação com depreender o sentido, com a formação crítica. Agora, não mais como sentido expressado pela obra, mas como fenômeno extraliterário. Como se falar de temas que pudessem ser relacionados às aulas de História, de Sociologia, pudesse fazer o professor enxergar um motivo para as aulas de Literatura. Ampliar o horizonte de expectativas tornou-se apenas uma expressão própria da disciplina para dizer “desenvolver o senso crítico e aumentar o referencial de conteúdos”, pois o aluno que lesse seria mais instruído que aquele que se recusasse a fazê-lo. Sorriso de uma escola que quer alunos críticos.

A Estética da Recepção havia entrado na proposta curricular paranaense para ensejar uma abordagem estética do texto. Poderia voltar aos sentidos, mas teria que olhar a obra literária como Arte. A formação de um senso estético já estava na proposta nacional da década de 90. Está na proposta curricular de Artes. Mas a escola não olha para tal aspecto. Ela ainda quer ostentar um motivo para que o professor leia Rosa, Raduan, Nélida, Autran, Clarice, quando existem adaptações agora em DVD nas videotecas escolares. O ensino de Literatura ainda não entendeu conceitos como “forma” e “estilo”; ele quer a confirmação do senso comum a respeito de temas que são chavões.

Não durou muito, e as escolas voltaram às listas de autores e obras (mas só aquilo que qualquer livro didático inclui), e o senso crítico fica a cargo de letras de músicas e filmes sobre temas estandardizados. Observar planejamentos de professores de escolas públicas faz perceber o alívio que eles sentem ao não precisar detalhar suas propostas curriculares. Palavras que resumem meses de atividade, como “modernismo” ou “gênero lírico” podem servir mais para excluir do que para incluir. A palavra “realismo” pode servir para excluir Machado, assim como “modernismo” não dá espaço para Bandeira e Oswald. No máximo um deles, aquele pelo qual o professor sentir mais simpatia. Ou o que ocupar menos aulas. As demais são usadas para conceitos de gramática pura.

Não foi só a literatura que o professor enjaulou nos modelos de ensino anteriores à década de 80. Para o professor de escola pública, tal como Jauss, a Escola de Genebra ou Bakhtin não cabem no poema.

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