Prof. Edson Ribeiro
Há algumas décadas, o ensino
de Literatura, como disciplina, muito mais do que como Arte e atividade humana,
vem tentando encontrar um caminho que o faça superar a visão historiográfica.
Não tem conseguido na rotina de sala de aula. Mas as propostas curriculares
descobriram que existem métodos desenvolvidos por quem estuda literatura e,
além do mais, por quem a lê. Aquela literatura que é arte, antes de se tornar
disciplina.
As propostas curriculares
assumiram diferentes vieses ao longo dos anos, da década de 80 para cá.
Quem ler o Currículo básico para a escola pública do
Paraná, documento que passou a vigorar a partir de 1990 no estado, perceberá
um esforço para dar à disciplina Literatura uma função. Não bastava uma
compreensão do fenômeno literário, algo que nunca ocorreu na escola pública.
Era preciso apoiar o estudo de autores e obras em pressupostos mais
pragmáticos. Aquela proposta curricular citava Engels a cada página, e se
esquecia de que cada ciência ou cada disciplina possuem os seus pensadores,
teóricos, estudiosos. A sociologia de inspiração marxista tentava dizer ao
professor que ler pode ser uma forma de se compreender a sociedade e de se
lutar contra as desigualdades. A literatura como formadora de uma “visão
crítica” estava a um passo. Veio logo em seguida e acabou por formar um pequeno
cânone de leituras críticas. Ler “O açúcar”, de Ferreira Gullar, ou “O bicho”,
de Manuel Bandeira, poderia salvar a disciplina da sistematização do conteúdo.
Falar sobre o trabalhador explorado ou sobre catadores de lixo valia mais que
ler Machado ou Rosa. O que levou o professor a pensar: Por que trabalhar com a
poesia, que o aluno nem conhece, se esses temas estão todos na música popular?
Ler Zé Ramalho ou Renato Russo passou a ser uma etapa para aquele professor que
já não via razões para copiar e imprimir poemas das décadas de 40 ou 50.
Foi então que os Parâmetros curriculares nacionais
falaram em competências. Era uma forma de se confirmar a leitura para produzir
cidadãos que soubessem que quem corta cana ganha menos do que o usineiro. O ano
de 1996 marcou a obrigatoriedade de um ensino de literatura que não se apoiasse
apenas em fatos da história literária, e instituiu a necessidade de o professor
também chegar aos sentidos dos textos. Chegar ao sentido sempre foi um problema
para o aluno-leitor. Virava um problema para o professor-leitor. Como a
preocupação era com os sentidos, o professor podia encomendar ao seu núcleo de
educação aquelas fitas com adaptações de obras literárias. As relações de fitas
não saíam das salas de professores. E o professor acreditava que, exibindo a
adaptação duvidosa feita nos anos de ditadura e que, por razões de censura,
jamais exibia cenas de nudez ou usava linguagem mais desinibida, estaria livre
de ele mesmo ler a obra. Chegava-se ao sentido superficial e se fazia uma
apologia da obra pelo seu conteúdo.
Quando o governo do estado
passou a perseguir as propostas curriculares nacionais, o principal esforço
voltou-se para o questionamento do conceito de competência. Este era visto como
capitalista, mercadológico, e o aluno deveria ser formado a partir de critérios
humanistas. A ideia da literatura como “sorriso da sociedade”, para usar a
expressão de Afrânio Peixoto, estava rondando, mas o estado queria um humanismo
marxista, algo que ele mesmo criara ao dizer que o ensino paranaense não
apoiava as competências, mas o conteúdo, sem nunca ser conteudista. O professor
nunca entendeu, mas aceitou os pressupostos. Quando apareceu a primeira versão
das Diretrizes curriculares estaduais,em
2006, o documento falava em “rizoma”, em uma aula de literatura que fosse
conteudista, mas que formasse o gosto pela leitura. Nessa perspectiva, se o
aluno se levantasse para jogar o papel de bala no lixo, o professor poderia
encetar uma proveitosa discussão sobre açúcar e trazer para a aula o poema de
Ferreira Gullar, enquanto a aluna aplicada poderia contar suas experiências
lendo João Cabral de Melo Neto, e tanto professora quanto aluna despertarem o
desejo de toda a turma ler José Lins do Rego ou João Américo de Almeida. Ou
seja, o tema geraria uma comparação entre autores e obras, no sentido de fazer
disso algo como os debates futebolísticos nas emissoras de televisão. Ledo engano, pois o professor poderia até
trabalhar como a formiga, mas jamais cantaria como a cigarra. Falar de obras
que pudessem ser interligadas, comparadas, novamente exigiria certo repertório
de leitura. Para esse professor, uma vez sem ter que formar competências, era
melhor voltar a fazer esquemas com a cronologia de autores (só os principais) e
obras (só a mais conhecida de cada autor).
O rizoma encontrava um muro.
A versão de 2008 trouxe o
alento. A Estética da Recepção definia um conceito de literatura tal como nunca
fora pensado. A literatura era arte. E o programa curricular falava sobre
Jauss. Cogitava a possibilidade de uma abordagem estética, que para os
professores causava mais motivo para estranhamento que todas as obras
consideradas clássicas pelo Formalismo Russo.
Como assim, uma abordagem estética? E o conteúdo? E o senso crítico? O
que fazer com cortadores de cana e meninos de rua? Ter que sugerir a leitura de
Rosa, de Lygia, de Clarice, de Rubião? A exposição de pressupostos da Estética
da Recepção está mais do que clara nas diretrizes. Mas ela chega a um ponto que
representa o final de uma hermenêutica do texto literário: o horizonte de
expectativas. A ampliação do horizonte de expectativas do aluno abocanhou a
proposta curricular de 1990 e trouxe de volta a preocupação com depreender o
sentido, com a formação crítica. Agora, não mais como sentido expressado pela
obra, mas como fenômeno extraliterário. Como se falar de temas que pudessem ser
relacionados às aulas de História, de Sociologia, pudesse fazer o professor
enxergar um motivo para as aulas de Literatura. Ampliar o horizonte de
expectativas tornou-se apenas uma expressão própria da disciplina para dizer
“desenvolver o senso crítico e aumentar o referencial de conteúdos”, pois o
aluno que lesse seria mais instruído que aquele que se recusasse a fazê-lo.
Sorriso de uma escola que quer alunos críticos.
A Estética da Recepção havia
entrado na proposta curricular paranaense para ensejar uma abordagem estética
do texto. Poderia voltar aos sentidos, mas teria que olhar a obra literária
como Arte. A formação de um senso estético já estava na proposta nacional da
década de 90. Está na proposta curricular de Artes. Mas a escola não olha para
tal aspecto. Ela ainda quer ostentar um motivo para que o professor leia Rosa,
Raduan, Nélida, Autran, Clarice, quando existem adaptações agora em DVD nas
videotecas escolares. O ensino de Literatura ainda não entendeu conceitos como
“forma” e “estilo”; ele quer a confirmação do senso comum a respeito de temas
que são chavões.
Não durou muito, e as escolas
voltaram às listas de autores e obras (mas só aquilo que qualquer livro
didático inclui), e o senso crítico fica a cargo de letras de músicas e filmes
sobre temas estandardizados. Observar planejamentos de professores de escolas
públicas faz perceber o alívio que eles sentem ao não precisar detalhar suas
propostas curriculares. Palavras que resumem meses de atividade, como
“modernismo” ou “gênero lírico” podem servir mais para excluir do que para
incluir. A palavra “realismo” pode servir para excluir Machado, assim como
“modernismo” não dá espaço para Bandeira e Oswald. No máximo um deles, aquele
pelo qual o professor sentir mais simpatia. Ou o que ocupar menos aulas. As
demais são usadas para conceitos de gramática pura.
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