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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Cláudio Manuel da Costa em três momentos



Prof. Dra. Edna Polese

A obra de Cláudio Manuel da Costa, poeta árcade, morto em circunstâncias misteriosas por seu envolvimento com os Inconfidentes, demonstra a tentativa de se cantar um Brasil em formação. Por um lado, a poesia épica, Vila Rica, de 1773: envolta em acontecimentos históricos, conta a conquista do território brasileiro, mais especificamente as vilas de Minas Gerais, a busca pelo ouro e a instalação de um projeto civilizatório buscando seus moldes na mentalidade europeia que se embasava na Razão. Por outro lado, a poesia bucólica “brigava” com uma paisagem selvagem e ainda indomável frente a uma imagem herdada da paisagem idealiza e europeia. A figura do poeta ganha contrastes diferentes em decorrência de seu envolvimento com a Inconfidência Mineira que o leva a prisão onde é encontrado morto. Era o ano de 1789.

Em 1953, Cecília Meireles publica aquela que será considerada por muitos sua obra-prima: Romanceiro da Inconfidência. Fruto de um exaustivo trabalho de pesquisa histórica, a obra retoma o momento histórico mais importante da história de Minas Gerais e uma das mais destacadas no Brasil. Desfila no seu poema uma gama de personagens, reais e fictícios, que sofrem a consequência dos fatos históricos. O poema é inspirado, na forma, nos romances populares de origem ibérica, o romanceiro. No “Romance XLIX ou de Cláudio Manuel da Costa”, Cecília Meireles destaca a morte do poeta árcade:

“Que fugisse, que fugisse...
- bem lhe dissera o embuçado! –
que não tardava a ser preso,
que já estava condenado,
que, os papéis, queimasse-os todos...
Vede agora o resultado:
mais do que preso, está morto,
numa estante reclinado,
e com o pescoço metido
num nó de atilho encarnado.
(...)
Entre esta porta e esta ponte,
Fica o mistério parado.
Aqui, Glauceste Satúrnio,
morto, ou vivo disfarçado,
deixou de existir no mundo,
em fábula arrebatado,
como árcade ultramarino
em mil amores enleado.

Retomando os acontecimentos históricos que envolveram a Inconfidência, seus atores e consequências, Cecília Meireles apresenta-nos uma obra panorâmica que retrata, em momentos específicos, a vida e morte desses personagens. Claudio Manuel da Costa sofre de maneira obscura as consequências do seu envolvimento político fazendo um contraste entre o idealismo de sua poesia e o realismo dos acontecimentos que o cercava. O poeta árcade é um dos exemplos de perseguição à intelectualidade à época e isso fica bem destacada no primeiro trecho do poema de Cecília Meireles em que uma voz anônima aconselha o poeta a se calar, a fugir, a destruir a sua obra em prol de uma possível sobrevivência.

O diário-ficcional da autoria de Silviano Santigo, Em liberdade, publicado em 1981, retrata ao molde de um texto confessional, a suposta continuidade da obra de Graciliano Ramos Memórias do Cárcere. Relatos da família de Graciliano testemunham a ideia de que o autor pretendia escrever algo renovador sobre a sua vida após ser libertado da prisão. Graciliano Ramos foi perseguido pelo governo de Getúlio Vargas nos anos de 1930. Escreve uma obra memorialística que retrata sua experiência na prisão e não consegue se livrar desse aspecto amargo de sua vida. Silviano Santigo inspira-se nesse desejo do autor e o realiza pela via ficcional. O Graciliano criado por Silviano retoma, aos poucos, o prazer pela vida, de maneira lenta e dolorosa. Num desses momentos, na obra, personagem de Graciliano debruça-se sobre a vida de Claudio Manuel da Costa observando a proximidade das circunstâncias políticas que os levaram à prisão: Claudio por conta da Inconfidência, Graciliano por conta das questões políticas que ambientavam o momento do governo Getuliano.

Essa proximidade entre Graciliano e Claudio Manuel reforça o tema sobre a perseguição política sofrida por vários de nossos escritores. Ainda sobre o romance, escrito na década de 80, há a sombra do período da ditadura e a imagem de Claudio Manuel da Costa, supostamente morto e enforcado na prisão, é aproximada à de Vladimir Herzog, jornalista que foi assassinado no ano de 1975. O fato da fotografia apresentada pelo governo demonstrar a impossibilidade do suicídio suscita revolta e questionamentos.

Assim, o poema de Cecília Meireles e a obra de Silviano Santiago retomam momentos sensíveis da história política do Brasil destacando figuras do mundo intelectual que sofreram de maneira direta e violenta as consequências desses momentos. A literatura passa a ser também a possibilidade memorialística e retoma o tema da perseguição intelectual sob formatos e tempos diferentes.


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