ADAPTAÇÃO – NÃO
INSISTA NA FIDELIDADE
CITAÇÕES
Autoras: Amanda Ferreira Cilião
Thais
dos Santos Pires
Helena G. de Bittencourt
Programa
de Iniciação Científica de Letras
UNIANDRADE
Orientadora:
Profa. Dra. Brunilda Reichmann
UNIANDRADE
A insistência na “fidelidade” – que deriva das expectativas que o espectador traz ao filme, baseadas na sua própria leitura do original – é um falso problema porque ignora diferenças essenciais entre os dois meios, e porque geralmente ignora a dinâmica dos campos de produção cultural nos quais os dois meios são inseridos. (JOHNSON, 1982, p. 42)
Podemos afirmar que, no domínio da
linguagem e do estilo, a criação cinematográfica é diretamente proporcional à
fidelidade. Pelas mesmas razões que fazem com que a tradução literal não valha
nada, com que a tradução livre demais nos pareça condenável, a boa adaptação
deve conseguir o essencial do texto e do espírito (BAZIN, 1991, p. 95-96)
São aqueles que menos se preocupam com
a fidelidade em nome de pretensas exigências da tela que traem a um só tempo a
literatura e o cinema. (BAZIN, 1991, p. 96)
Neste ensaio, eu gostaria de propor
uma linguagem alternativa para falar sobre a adaptação de romances ao cinema. A
linguagem convencional da crítica sobre as adaptações tem sido, com frequência,
profundamente moralista, rica em termos que sugerem que o cinema, de alguma
forma, fez um desserviço à literatura. Termos como “infidelidade”, “traição”,
“deformação”, “violação”, “abastardamento”, “vulgarização”, e “profanação”
proliferam no discurso sobre adaptações, cada palavra carregando sua carga
específica de ignomínia. “Infidelidade” carrega insinuações de pudor vitoriano;
“traição” evoca perfídia ética; “abastardamento” conota ilegitimidade;
“deformação” sugere aversão estética e monstruosidade; “violação” lembra
violência sexual; “vulgarização” insinua degradação de classe; e “profanação”
implica sacrilégio religioso e blasfêmia. (STAM, 2006, p. 19-20)
Embora o poder persuasivo da suposta
superioridade da literatura ao filme possa ser parcialmente explicada pelo fato
inegável de que muitas adaptações baseadas em romances importantes são
medíocres ou mal orientadas, ele também deriva, eu argumentaria, das
pressuposições profundamente enraizadas e freqüentemente inconscientes sobre as
relações entre as duas artes. O senso intuitivo da inferioridade da adaptação
deriva, eu especularia, de uma constelação de preconceitos primordiais. Em
outros textos eu resumi esses preconceitos nos seguintes termos: 1) antiguidade
(o pressuposto de que as artes antigas são necessariamente artes melhores); 2)
pensamento dicotômico (o pressuposto de que o ganho do cinema constitui perdas
para a literatura); 3) iconofobia (o preconceito culturalmente enraizado contra
as artes visuais, cujas origens remontam não só às proibições judaico islâmico-protestantes
dos ícones, mas também à depreciação platônica e neo-platônica do mundo da
aparências dos fenômenos); 4) logofilia, (a valorização oposta, típica de
culturas enraizadas na “religião do livro”, a qual Bakhtin chama de “palavra
sagrada” dos textos escritos); 6) anti-corporalidade, um desgosto pela
“incorporação” imprópria do texto fílmico, com seus personagens de carne e
osso, interpretados e encarnados, e seus lugares reais e objetos de cenografia
palpáveis; sua carnalidade e choques viscerais ao sistema nervoso; 6) a carga
de parasitismo (adaptações vistas como duplamente “menos”: menos do que o
romance porque uma cópia, e menos do que um filme por não ser um filme “puro”).
(STAM, 2006, p. 20-21)
O termo para adaptação enquanto
“leitura” da fonte do romance, sugere que assim como qualquer texto pode gerar
uma infinidade de leituras, qualquer romance pode gerar um número infinito de
leituras para adaptação, que serão inevitavelmente parciais, pessoais,
conjunturais, com interesses específicos. A metáfora da tradução, similarmente,
sugere um esforço íntegro de transposição intersemiótica, com as inevitáveis
perdas e ganhos típicos de qualquer tradução. (STAM, 2006, p. 27)
A passagem de um meio unicamente
verbal como o romance para um meio multifacetado como o filme, que pode jogar
não somente com palavras (escritas e faladas), mas ainda com música, efeitos
sonoros e imagens fotográficas animadas, explica a pouca probabilidade de uma
fidelidade literal, que eu sugeriria qualificar até mesmo de indesejável.
(STAM, 2008, p. 20)
A adaptação é repetição, porém
repetição sem replicação. E há claramente várias intenções possíveis por trás
do ato de adaptar: o desejo de consumir a apagar a lembrança do texto adaptado,
ou de questioná-lo, é um motivo tão comum quanto a vontade de prestar
homenagem, copiando-o. (HUTCHEON, 2011, p. 28)
Se a ideia de fidelidade não deveria
hoje guiar nenhuma teoria da adaptação, o que, então, deveria? De acordo com
sua ocorrência no dicionário, “adaptar” quer dizer ajustar, alterar, tornar
adequado. Isso pode ser feito de diversos modos. (HUTCHEON, 2011, p. 28 e 29)
O texto adaptado, portanto, não é algo
a ser reproduzido, mas sim um objeto a ser interpretado e recriado,
frequentemente numa nova mídia. (HUTCHEON, 2011, p. 123)
No fenômeno da adaptação audiovisual
do universo literário, a noção de “fidelidade” − presente no senso comum em
comentários como “o livro é melhor” − porta um equívoco de base, prestando
mesmo um desserviço metodológico. (BULHÔES, 2012, p. 61)
REFERÊNCIAS
JOHNSON,
R. Literatura e Cinema – Macunaíma:
do modernismo na literatura ao cinema novo. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982.
HUTCHEON,
L. Uma teoria da adaptação. Trad. André
Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.
BULHOES,
M. Para além da “fidelidade” na adaptação
audiovisual: o caso da minissérie
televisiva Capitu.
São Paulo: Galaxia, 2012.
STAM,
Robert. Teoria e prática da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Ilha
do Desterro, p. 51, jul./dez. 2006.
_______.
A literatura através do cinema. Trad. Marie-Anne Kremer e Gláucia
Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
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