O LEGADO DO VAMPIRO
Verônica Daniel Kobs

E Dalton Trevisan se foi...
Hoje o dia começou triste, pois recebi a notícia da morte de Dalton Trevisan. Autor curitibano e meu conterrâneo, Dalton é meu ídolo máximo na literatura. Tenho dezenas de livros dele, nos quais "viajo, viajo"... Não me canso de reler suas histórias, admirar seu humor ácido e de cair na armadilha de sorrir, para só então começar a lamentar.
Dalton tinha 99 anos e ainda estava na ativa. Mesmo assim, suas obras eram raridade por aqui. Eu sempre reclamava, nas feiras e livrarias de Curitiba, quando descobria que não havia nenhum livro de nosso vampiro.
Talvez essa ausência possa ser explicada pela contundência dos textos do autor. Sei que Dalton Trevisan é para poucos e, nesse aspecto, acho oportuno celebrar o vampiro parodiando os versos do nosso "poeta polaco", o "cachorro louco" curitibano:
Dalton Trevisan
ame-o
ou deixe-o.
Muitas pessoas criticam a repetição com variação; outras não aguentam a violência da linguagem e dos personagens; há aqueles que não entendem a ironia; e também há quem diga que as histórias de Dalton não têm nenhuma associação com a realidade (???).
Bem... Por tudo isso, eu resolvi amá-lo e registro aqui meu pesar pela partida dele. Nesta ocasião, relembro um artigo que escrevi há 10 anos e que foi publicado no Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea da UFRJ. O título é "Dalton Trevisan e a literatura do contra" e o texto pode ser lido na íntegra, neste link:
Por fim, transcrevo aqui alguns trechos do meu conto preferido, "Lamentações de Curitiba":
A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação.
[...].
O que fugir do fogo não escapará da água, o que escapar da peste não fugirá da espada, mas o que escapar do fogo, da água, da peste e da espada, esse não fugirá de si mesmo e terá morte pior.
O relógio da Praça Osório marca a hora parada do dia de sua visitação.
[...]
Os ipês na Praça Tiradentes sacolejarão os enforcados como roupa secando no arame.
[...]
No rio Belém serão tantos os afogados que a cabeça de um encostará nos pés de outro, e onde a cachaça para mil e um velórios? [...]
A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais.
Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá voo no degrau de tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba.
"Curitiba foi, não é mais", mas Dalton será para sempre o nosso vampiro! O dia do Juízo Final chegará e restarão apenas ele e "as baratas com caspa na sobrancelha".
Um viva e "um assobio com dois dedos na língua" para Dalton Trevisan!
Créditos
Trechos do conto: TREVISAN, Dalton. Em busca de Curitiba perdida (1992).
Imagem: Caricatura de Dalton Trevisan feita pelo artista e amigo Poty Lazzarotto.
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Verônica Daniel Kobs: Pós-Doutorado em Literatura e Intermidialidade (UFPR). Professora e pesquisadora de Literatura e Tecnologia Digital. Coordenadora dos cursos de Mestrado e Doutorado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Idealizadora do blog Sarau Literário.
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