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terça-feira, 26 de março de 2013

EPIFANIA: A ORIGEM DO CONCEITO JOYCEANO SEGUNDO UMBERTO ECO



Profa. Anna Stegh Camati

No ensaio “Sobre uma noção joyceana”, Umberto Eco destaca que a crítica tratou exaustivamente do significado desse termo em relação ao projeto estético de James Joyce. Ele cita uma passagem de Stephen herói, publicado postumamente em 1944, na qual o protagonista faz uma reflexão sobre essa questão: “Por epifania, entendia ele uma súbita manifestação espiritual que surgia tanto no meio  dos mais ordinários discursos ou gestos, quanto na mais memorável das situações intelectuais. Acreditava que cabe ao homem de letras observar essas epifanias com um cuidado extremo, pois elas representavam os instantes mais delicados e fugidios” (JOYCE citado por ECO, p. 53).
Eco acredita que a epifania joyceana não é uma tradução da fórmula escolástica, ou seja, do conceito claritas da estética tomista, como atestam diversos teóricos. Em Stephen herói, o artista quando jovem aluno dos jesuítas faz um hábil jogo de argumentações para atribuir ao conceito de epifania uma aparência escolástica. No entanto, argumenta Eco, mesmo quando a epifania é caracterizada por “clarão radiante” (radiance, claritas), o jovem artista se inspira na tradição do decadentismo: é nos textos de Walter Pater que encontra a ideia de que o êxtase estético ou epifania seria como uma “chama ardente”.
Na opinião de Eco é essencial ressaltar que o conceito de epifania de Joyce está sempre associado, tal como em Pater, à ideia de chama, de fogo e de êxtase. Ele também tem convicção de que Joyce teria lido Il Fuoco (O fogo) de Gabriele D’Annunzio, escrito em 1898 e publicado em 1900, visto que a primeira parte dessa obra, intitulada “Epifania do fogo”, retrata os êxtases estéticos (ou a emoção estética) do poeta Stelio Effrena. 
Para comprovar a validade de suas considerações críticas, Eco cita diversas passagens de O retrato do artista quando jovem, publicado em 1916,  que correspondem a trechos análogos do texto de D’Annunzio; destaca as metáforas solares, a sensação de leveza, a consciência da liberdade, do poder e da alegria criadora (ECO, 1969, p. 57-58).

(ECO, Umberto. Uma noção joyceana. In: RONSE, H. et al. Joyce e o romance moderno. Trad. T. C. Netto. São Paulo: Editora Documentos Ltda., 1969, p. 53-63).

A origem do conceito de epifania joyceano, segundo a ótica de Umberto Eco, foi um dos tópicos discutidos na entrevista sobre James Joyce realizada pelo programa de televisão Caldo de Cultura UFPRTV, no dia 06 de novembro de 2012, do qual participaram os professores, Dr. José Roberto O’Shea (UFSC), Dra. Sigrid Renaux (UNIANDRADE) e Dra. Anna Stegh Camati (UNIANDRADE). Disponível em: <www.tv.ufpr.br>  




sexta-feira, 22 de março de 2013

UM MAR DE SANGUE EM CONTRA TODOS, DE ROBERTO MOREIRA



O filme Contra todos, de Roberto Moreira, expõe a violência sorrateira e cotidiana explícita e implicitamente, com cenas de um almoço em família e de um assassinato. A cor privilegiada é o vermelho, cor do mar (de sangue) que abre a narrativa. Durante toda a história, o confronto se estabelece entre pessoas da mesma comunidade e até da mesma família[1], situação que reforça a crueldade, a competitividade e a individualidade. Isso ocorre porque a violência ganha maior destaque, quando é praticada por pessoas “iguais”, que compartilham interesses e convivem diariamente, intimamente. Mas, em Contra todos, o individualismo não respeita laços e ultrapassa qualquer obstáculo. De acordo com Bauman, isso ocorre porque a violência, como resultado do apagamento de fronteiras provocado pela globalização, não conhece mais limites e passou a ocupar espaços em que, antes, ela era proibida ou, pelo menos, não tão frequente quanto é hoje em dia: “Um impulso violento está sempre em ebulição sob a calma superfície da cooperação pacífica e amigável; esse impulso precisa ser canalizado para fora dos limites da comunidade, onde a violência é proibida. […] caso contrário desmascararia o blefe da unidade comunal […].” (BAUMAN, 2001, p. 221).
Para acentuar esse “blefe da unidade comunal” a que o autor se referiu, na passagem transcrita acima, o vermelho predomina, desde o começo, com um mar de sangue sob o céu azul. Essa imagem ressurge depois, para fechar o filme. 



1 – Capa do DVD Contra todos
Imagem disponível em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-56936/

Em ondas menores, durante a história, o vermelho marca presença, no figurino e no cenário. Várias vezes os personagens aparecem com roupas de cor vermelha ou de seus matizes: rosa e bordô. O quarto de Cláudia e Teodoro, o casal protagonista da história, tem colcha e almofadas bordô e os móveis são todos de mogno. Na cozinha, um fogão vermelho, vários utensílios da mesma cor e parte da parede pintada de rosa. Além disso, não são raras as cenas que mostram a família à mesa. A devoração e o instinto também são explorados no filme de Roberto Moreira.



2 – A família reunida à mesa, com os amigos, e os tons de vermelho e seus
matizes na cozinha da casa de Cláudia e Teodoro.
Imagem disponível em: http://www.tvsul.tv.br/wp-content/uploads/2012/08/Contra-Todos-Cineclube2.jpg

A violência, no filme de Roberto Moreira, é cotidiana, está dentro de casa, e nas ruas. Em Contra todos, o conceito de “comunidade” é relativizado e atualizado. A cidade é focalizada, a partir do cotidiano dos personagens. As cenas são rápidas e combinam com as ações instintivas dos personagens. (...). Os personagens não conhecem a contemplação e suas ações impensadas são cruéis, violentas e sem aquela glamourização que o cinema pode produzir (e sem esse recurso, a violência das cenas fica ainda mais evidente).

(Parte do artigo intitulado A violência urbana no cinema brasileiro contemporâneo, escrito pela Prof. Dra. Verônica Daniel Kobs e publicado na revista Todas as musas, ano 4, n. 2, 2013.)




[1] Os personagens que têm função primordial no enredo do filme são os que compõem o núcleo familiar (Teodoro (Giulio Lopes); Cláudia (Leona Cavalli), a segunda esposa de Teodoro; Soninha (Silvia Lourenço), filha de Teodoro com a primeira mulher) e também Valdomiro (Ailton Graça), que se relaciona com todos os personagens do filme e que é também o melhor amigo de Teodoro.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Dos cursos do Programa de Inserção Social (PIS)


A cada semestre, o Mestrado em Teoria literária da UNIANDRADE oferece à comunidade de modo geral cursos gratuitos de literatura, os cursos PIS, que incluem estudos de pontos básicos de teoria literária, em forma esquemática, para aplicação em textos de ficção, poesia e drama. O objetivo de tornar prazerosa a leitura do texto literário vem se concretizando com sucesso. No segundo semestre de 2012, ofertou-se o curso intitulado “Como se tornar um leitor experiente”, em forma de oficinas, sob a coordenação da professora Mail Marques de Azevedo. Transcrevem-se abaixo comentários de alguns dos alunos que concluíram o curso:
“As aulas começaram com a leitura de alguns contos, algumas discussões, exposição de alguns pontos de vista, comentários. Até aí, nada de diferente [...] Mas no decorrer das aulas, algo aconteceu. Não foram somente os contos da apostila. Tivemos também algo enriquecedor, como a troca de idéias e a percepção da bagagem cultural de cada aluno [...] Os diferenciais da disciplina foram as sugestões de leitura que farão parte dos meus planos futuros para uma próxima compra de livros.”     Eutália Cristina N. Moreto
“Diante do assunto abordado em sala de aula, conclui-se que para se tornar um leitor experiente, faz-se necessária muita leitura, com bastante atenção aos detalhes que nos são dados na própria narrativa. A leitura quando feita de maneira correta, além do prazer, proporciona ao leitor conhecimentos diversos.”    Ana Rosa do Carmo Sana
“Enquanto participava do curso ‘Como se tornar um leitor experiente’, relia trechos do romance [O tempo e o vento de Érico Veríssimo] e conseguia enxergar com mais clareza o processo de construção dessas mulheres [Ana Terra, Bibiana e Maria Valéria]. E experimentava uma brincadeira: e se elas dispensassem o autor e usassem a própria voz? Em muitos momentos da narrativa, isso pareceu tão possível”:
Que bom seria dormir logo sem pensar. Pensamentos maus e tristes. Não ouço mais os gemidos de Luzia. Meu Bolívar caído no meio da rua, com a cara numa poça de sangue. Meu irmão Florêncio, caminha e puxa por uma perna. Dizem que esta guerra está por terminar [...] Mas seja como for, quando terminar a guerra contra Solano Lopes, a outra guerra, minha guerra, continua feroz aqui no Sobrado. É melhor apagar essa vela! (De O tempo e o vento)
 José Francisco Coelho

“Como os pontos-chave aprendidos no curso, bem como os demais conteúdos, podem ser aplicados a novos contextos, eles acabam se transformando em referenciais de leitura que permitem a aplicação de um “olhar” mais aprimorado sobre o texto, no sentido de uma leitura com maior propriedade ─ um “olhar” instrumentalizado e consciente, com melhor condição de análise.” Terezinha das Graças Laguardia Oliveira

“Como parte de minha trajetória, poder participar das aulas sobre ‘como se tornar um leitor experiente’ foi fascinante. Parecia simples, como parece simples também ler um livro, um conto, um poema, mas sabemos que não é tão simples assim. É sim muito prazeroso, como prazeroso é comparecer às aulas da professora Mail e ouvi-la compartilhando suas experiências e aventuras pelos caminhos da leitura e que me levaram a conhecer algumas obras a que nunca teria acesso, não fosse pelas indicações em sala. [...] É da relação com o texto que se formam bons leitores. Portanto, se a escola é o principal eixo formador de leitores e escritores, podemos afirmar que a necessidade de professores leitores é fundamental no processo de formação do aluno que sonhamos ter: bom leitor, bom escritor e formador de opinião.” Anay Barros Linares

“[...] na esfera da criação, é possível encontrar relações entre temas, entre linguagens, entre criadores e criaturas. E o leitor, para ser um leitor eficiente, precisa saber dessas possibilidades e, também, perceber dentro de cada romance a forma com que cada escritor está apresentando determinado tema, as influências que recebe, ou não, de outros autores e obras. Mas são necessárias, ainda, tantas horas de estudo nesta tarefa de seguir o vestígio da formação de frases, períodos e parágrafos, escolhidos para cada história, que não dá para dizer que me tornei uma leitora eficiente. Dá apenas para perceber que houve uma mudança na forma de perceber o romance e o conto e que não haverá retrocesso. Como dizia Albert Einstein, ‘a mente que se abre para uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original’”. Janete Doro

PARTICIPAÇÃO NO LASA 2013



As professoras Anna Camati e Mail Marques de Azevedo deverão participar do XXXI CONGRESSO INTERNACIONAL DA LASA, de 29 de maio a 1º de junho, em Washington
Com mais de 7.000 sócios, 45% dos quais residentes fora dos Estados Unidos, a LASA é uma associação que reúne especialistas de todas as disciplinas e profissões que se dedicam ao estudo da América Latina em todo o mundo.
A missão da LASA é promover o debate intelectual, a pesquisa e o ensino sobre a América Latina e Caribe e seus povos em todas as Américas, promover os interesses do seu quadro diversificado de sócios e incentivar a participação cívica por meio do aumento de uma rede de relacionamentos e debate público.
LASA 2013
May 29 – June 1, 2013, Washington, DC Marriott Wardman Park Hotel

Cultural Manifestations in Contemporary Brazil: new paradigms in social aesthetics
O simpósio intitulado Manifestações culturais no Brasil contemporâneo: novos paradigmas na estética social é coordenado pela professora Dra. Cristiane Busatto Smith, que fez parte do corpo docente da UNIANDRADE e hoje reside nos EUA.
Participantes da sessão:
RESUMO: Nos últimos dez anos, o Brasil vem sofrendo uma série de transformações radicais, cujos efeitos elevam o país a novos níveis não só econômica, mas também socialmente. A adaptação a essa nova realidade é um processo contínuo que gera diferentes práticas discursivas e tensões na cultura brasileira. O presente painel objetiva atingir a compreensão, tanto na teoria como na prática, de manifestações culturais contemporâneas que articulam essas tensões sociais. Como é que representações textuais, visuais, cinemáticas e outras espelham as preocupações de hoje? É possível analisar a autorrepresentação em suas diferentes formas neste framework? A popularização de obras canônicas, seja na performance, tradução ou bowdelerization ,[1] pode ser vista também como prática social? Como o estudo das mídias sociais pode contribuir para o presente debate?


[1] Simplificação de um texto ao nível de um guia turístico. Metaforicamente, transformar um texto canônico em literatura de massa.