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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

REVELAÇÕES III :as poetas do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

*Sigrid Renaux

Em continuidade aos blogs REVELAÇÕES I e II, nos quais foram apresentados e comentados poemas dos alunos do 8º. Período de Letras, no blog REVELAÇÕES III apresentamos e comentamos poemas escritos pelas mestrandas em Teoria Literária da UNIANDRADE. O fato de as mestrandas estarem cursando a disciplina Teorias da Poesia, durante a qual foram apresentadas e discutidas as poéticas de diversos teóricos e poetas, para, em seguida, aplicá-las a poemas selecionados, ocasionou a sugestão de elas próprias escreverem e apresentarem seus poemas, a fim de verificar, por meio de sua criatividade, como um poema é uma conjunção de inspiração (natureza) e técnica (arte), ou, como afirmava Longino em Do Sublime: “a arte é acabada quando com esta [a natureza] se parece e, por sua vez, a natureza é bem sucedida quando dissimula a arte em seu seio” (c.XXII, I). Seguem, pois, os poemas de algumas das mestrandas de 2016:    
Vanda Carla Bobato Claudino: “Palavras”
                              
1.Um dia é muito tempo 
       2.para sorrir ou chorar  
       3.sentir e não gostar,  
       4.tempo para aceitar.  
 
5. Que fazer com o tempo? 
6. com desmedida, amar,  
7. olhar, esperar, dar,  
8. com cuidado... falar.
  
9. Palavras podem ser  
10. doces igual ao mel   
11. amargas como o fel,   
12. palavra é poder! 

13.Vejo a vida passar   
14. rápida como a luz,
15. bonita como o mar,  
16. doída como a cruz.
 
17. Numerosas palavras   
18. semeadas ao vento.    
19. Agora, o que fazer? 
20. Esperar e colher!   

A composição gráfica do poema (cinco quadras), bem como a construção métrica e acentuação (com seis sílabas poéticas e três acentos silábicos em quase todas as linhas) já demonstra o cuidado formal da autora em salientar esta regularidade visível das estrofes. Refere-nos, portanto, ao título, pois a palavra é uma “unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação” (HOUAISS). 
 O uso que a poeta irá fazer das “palavras” demonstra como é versátil seu emprego, pois nas duas primeiras quadras, a temática gira em torno do tempo e de nossos gestos, ações e sentimentos e, simultaneamente, do contraste entre aqueles que podemos usar “com desmedida” e a ação que devemos usar “com cuidado... falar”. A repetição da palavra “tempo” no final da linha 1 da primeira quadra e no final da linha 5 da segunda, bem como as rimas em “-ar” nas outras linhas, criando o esquema abbb,abbb, demonstram novamente a preocupação da autora com a homofonia externa.
Da palavra “falar”, última da segunda quadra, retomamos o título “palavras”, no início da terceira quadra, pois o ato de falar significa literalmente “expressar por meio de palavras”. Assim, o “cuidado” que se deve ter ao “falar”, é concretizado por meio das comparações das “palavras” que podem ser “doces igual ao mel” ou “amargas como o fel”, e, consequentemente, têm o “poder” de agradar ou causar dor ou tristeza.  Nesta quadra, um novo esquema de rimas (cddc) acentua a mudança temática do “tempo” para o poder das “palavras”.
A quarta quadra, por sua vez, retoma o tema da temporalidade, desta vez mesclada à fugacidade, à beleza e ao sofrimento da vida, os dois primeiros comparados à luz e ao mar – como elementos que podemos visualizar – o último comparado ao instrumento em que Jesus Cristo esteve crucificado e que se tornou símbolo da religião cristã, lembrando-nos, portanto, que o sofrimento faz parte de nossa vida. A rima alternada (efef) também enfatiza a alternância dos momentos belos com os sofridos ao longo de nossa vida.
A quinta quadra, metalinguística como a terceira – as palavras falando das palavras – sugere que um poema é constituído de palavras “semeadas ao vento”, ou seja, lançadas para germinar. Entretanto, não podemos assegurar em que local elas vão germinar, pois o “vento” – tão simbólico de liberdade, inspiração poética, força vital, rapidez e, portanto, carregando as palavras como inspiração poética – pode arremessá-las perto ou longe. Só nos resta, como leitores, esperar e colher, onde quer que as palavras estejam! O esquema de rimas (g, a,c,c) lança toda a homofonia para as duas últimas linhas (rimas emparelhadas), corroborando, pela semelhança sonora, que todo poeta, após ter lançado suas palavras ao vento, a única atitude que pode tomar é esperar que germinem e que os leitores as colham e delas desfrutem. 


    Luzia Maria Tistki Almeida: “Vida e Morte”

       1.Nascimento e morte:   
2. duas magnificências antagônicas  
3. circundam o ser humano.  
4.Nascimento – celebração da vida  
5. rompimento para a luz,  
6.norte do pai e da mãe 
7.com crença na criação divinal.3
8.Morte - a transgressão da vida perfeita, plena e indelével.  
9.O espaço entre elas é um espiral, 
10.com altos e baixos,  
11.conforme a própria vida se comporta. 
12.Todos somos predestinados para o que vier. 
13.Com saraivadas e com os afagos da própria vida.
14.Também o faz-de-conta  
15.conta muito para ensinar a reaprender a amar a ausência  
       16.e aguar  a sementinha do amor  
17.na presença dos que estão presos à vida, 
18.equilibrando-se na tênue linha do aqui e do acolá.
19.Nascimento: muito te quis.
20.Tanto te quis que você nasceu! 
21.Morte: muito te odiei.
22. Tanto te odiei que reaprendi a te  aceitar! 

O poema “Vida e Morte”, composto de 22 linhas em versos livres, já indica no título a temática que será desenvolvida: o contraste entre as “duas magnificências antagônicas”   “nascimento e morte”. O uso de “magnificência” para sugerir a imponência e grandiosidade desses dois eventos que nos “circundam”, revela bem o valor que a poeta atribui a essas duas forças opostas: o nascimento como celebração e a morte como transgressão, como violação da vida.  Mesmo o poema não obedecendo a nenhuma regra pré-estabelecida, as coincidências sonoras, em vez da rima, aproximam as palavras no som e no sentido, como a assonância em /nascimento/ magnificências/ rompimento/crença/, ou a repetição da sibilante /s/ nas linhas 1,2,3,4,7,8, entre outros, como a repetição de “vida” nas linhas 4 e 8.
A partir da linha 9, estes círculos antagônicos contêm um novo desafio, pois “o espaço entre eles é uma espiral” esta linha curva que se desenrola num plano de modo regular a partir de um ponto, dele afastando-se gradualmente; e, figurativamente, um processo ascendente difícil ou impossível de deter (HOUAISS) –, concretizando deste modo a predestinação, ou seja, os eleitos estão destinados à bem-aventurança, enquanto os réprobos estão destinados ao castigo eterno. As “saraivadas” e os “afagos”, são mais uma vez metafóricos desse processo em espiral de nossa vida. A repetição de “vida” nas linhas 11 e 13, com suas reverberações sonoras nas aliterações com “vier” e “saraivadas”, aproximam, novamente, som e sentido, pois a vida inclui o futuro – “vier” – bem como as “saraivadas”, que se sucedem em torrente.   
            Entretanto, apesar da predestinação, o mundo do imaginário da fantasia é necessário para que possamos expressar nossos sentimentos – amar a ausência e a presença ­ – a fim de que nossa trajetória em espiral continue em equilíbrio, como o eu poético conjectura entre as linhas 14 e 18, conjecturações essas novamente plenas de reverberações sonoras (sempre com a finalidade de aproximar som e sentido): a recorrência dos infinitivos ensinar/reaprender/amar/aguar; a repetição da consoante surda /k/ em faz-de-conta/ conta/que/ equilibrando/ aqui/acolá, tanto em posição inicial (aliteração), como final.
As linhas 19-22, que finalizam o poema, resumem e simultaneamente anulam a proposição antagônica inicial, pois o Nascimento, tão desejado, não é mais o oposto da Morte, tão odiada, porque esta, apesar de inevitável¸ é agora aceita como consequência de nosso “reaprendizado”, ou seja, aprendemos, através da própria espiral da vida, a aceitar a morte. A ênfase nos advérbios “muito” (linhas 19 e 21), e “tanto” (linhas 20 e 22), este último com suas implicações temporais, de grau e de maneira, tornam mais penetrante o contraste inicial entre nascimento e morte, e que agora, ao final do poema, tornam-se quase irmãos: amar e aprender a aceitar.

 Sharon Martins Vieira Noguêz:  “Tempos de paz”

1.Para tudo se leva um tempo   
2.Tempo para a rosa desabrochar 
3.Para o dia nascer 
4.Para a criança crescer 
5.Para o amor vigorar.  
6.E no vazio do silêncio  
7.Espero as tempestades o supérfluo varrer 
              8.Espero o tempo tudo germinar  
              9.Espero o fim do tormento, com preces de paz.  

                   Composto por 9 linhas em versos livres, como o poema anterior, “Tempos de Paz”, entretanto, não apresenta antagonismos como temática. Ao contrário, o tempo como duração relativa das coisas, que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro percorre o texto, associado à postura serena do eu poético, que aguarda tranquilamente o tempo necessário para “a rosa desabrochar/ o dia nascer/ a criança crescer/ o amor vigorar”. A construção paralelística das linhas 2 a 5, como complementação semântica da linha 1 – “Para tudo se leva um tempo” – é enfatizada não apenas a nível sintático (para a rosa desabrochar/para o dia nascer/ para a criança crescer/ para o amor vigorar/) e a nível sonoro, pois os verbos no infinito rimam: desabrochar/vigorar (linhas 2 e 5) e nascer/crescer (linhas 3 e 4). É ressaltada também a nível semântico, pois desabrochar/nascer/crescer/vigorar são metafóricos, ou seja, estão todos associados à ideia de vida como expressão e força do tempo, enquanto os substantivos rosa/dia/criança/amor também se tornam metafóricos do mundo natural e do mundo humano, atingindo, em “amor”, o conceito mais elevado da função do tempo, ao fortalecer o sentimento mais nobre do ser humano.
            As linhas 6 a 9 apenas concluem as considerações do eu poético sobre o tempo, pois é “no vazio do silêncio” – o silêncio como “prelúdio de abertura à revelação”, “envolvendo os grandes acontecimentos” (CHEVALIER et GHEERBRANT) – que o poeta aguarda “as tempestades o supérfluo varrer/o tempo tudo germinar/o fim do tormento”. E, se a ação de “esperar”, no sentido de “ter confiança”, é passiva, “as preces de paz” como consequência da introspecção gerada pelo silêncio implicam em exercer uma atividade, a fim de que o tormento seja substituído pela concórdia, pela paz. A construção paralelística das linhas 7 a 9 novamente enfatiza e reforça a temática desta paciente espera do eu poético, reforçada ainda pela aliteração “tempestade/tempo” e pela assonância “tempo/tormento”, unindo os sentidos por meio dos sons dessas palavras. Simultaneamente, “paz”, como a última palavra do poema, nos remete à palavra “tempo” da primeira linha, ligando desta maneira a concepção de “tempo”, como um período indefinido, a “tempos” como um determinado período em relação aos acontecimentos nele ocorridos, como consta no título. “Tempos de paz” torna-se, assim paradigmático da polivalência do conceito de tempo, unido às conotações positivas de “esperar”.

                                   
Jusiani Maria de Souza: “A Brisa”

1.A brisa do amanhecer     
2.Rejuvenesce a alma   
3.Conforta os corações   
4.Livrando das solidões.   
5.O sol brilha, ilumina a vida durante o dia 
6.A lua ilumina a noite conquistando os corações apaixonados  
7.Vindo deixa-los alegres, encantados os namorados. 


  Neste poema, composto por 7 linhas de versos livres, o eu poético conjetura, nas 4 primeiras linhas, sobre o poder regenerador da brisa – esta manifestação suave do vento:  simbólica de fertilidade e relacionada com a respiração, assim como o amanhecer é simbólico de ressurreição e criação, “a brisa do amanhecer” tem esse poder de rejuvenescer a alma e confortar os corações, centro das emoções e da essência vital. Em contato com a brisa do amanhecer, o ser humano não está isolado, e, mais ainda – como consta a partir da linha 6 –, sua vida é iluminada pelo sol durante o dia e pela lua à noite, imagens estas tão recorrentes para todos nós, mas das quais nem sempre nos damos conta. Por esta razão, a simplicidade com a qual essas imagens da natureza são apresentadas não deve deixar de nos alegrar e encantar, assim como no poema a lua alegra e conquista os corações apaixonados. As rimas ocasionais na 3ª.e 4ª. linhas – corações/solidões – e na 6ª. e 7ª. linhas – apaixonados/namorados –, as aliterações conforta/corações na linha 3 e conquistando/corações na linha 6, além da repetição da sibilante /s/ em amanhecer/rejuvenesce/ corações/solidões /sol/ reforçam a aproximação som/sentido entre as palavras, preconizada por Jakobson. O otimismo do poema é realçado ainda pelo fato de os verbos de ação /rejuvenesce/ conforta/ brilha/ ilumina/ estão no presente do Indicativo, reforçando assim o poder semântico dos mesmos.

Essas considerações sobre poemas das mestrandas terão sequência num próximo blog.



*Professora das disciplinas Teorias da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin, no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE.