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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

REVELAÇÕES III :as poetas do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

*Sigrid Renaux

Em continuidade aos blogs REVELAÇÕES I e II, nos quais foram apresentados e comentados poemas dos alunos do 8º. Período de Letras, no blog REVELAÇÕES III apresentamos e comentamos poemas escritos pelas mestrandas em Teoria Literária da UNIANDRADE. O fato de as mestrandas estarem cursando a disciplina Teorias da Poesia, durante a qual foram apresentadas e discutidas as poéticas de diversos teóricos e poetas, para, em seguida, aplicá-las a poemas selecionados, ocasionou a sugestão de elas próprias escreverem e apresentarem seus poemas, a fim de verificar, por meio de sua criatividade, como um poema é uma conjunção de inspiração (natureza) e técnica (arte), ou, como afirmava Longino em Do Sublime: “a arte é acabada quando com esta [a natureza] se parece e, por sua vez, a natureza é bem sucedida quando dissimula a arte em seu seio” (c.XXII, I). Seguem, pois, os poemas de algumas das mestrandas de 2016:    
Vanda Carla Bobato Claudino: “Palavras”
                              
1.Um dia é muito tempo 
       2.para sorrir ou chorar  
       3.sentir e não gostar,  
       4.tempo para aceitar.  
 
5. Que fazer com o tempo? 
6. com desmedida, amar,  
7. olhar, esperar, dar,  
8. com cuidado... falar.
  
9. Palavras podem ser  
10. doces igual ao mel   
11. amargas como o fel,   
12. palavra é poder! 

13.Vejo a vida passar   
14. rápida como a luz,
15. bonita como o mar,  
16. doída como a cruz.
 
17. Numerosas palavras   
18. semeadas ao vento.    
19. Agora, o que fazer? 
20. Esperar e colher!   

A composição gráfica do poema (cinco quadras), bem como a construção métrica e acentuação (com seis sílabas poéticas e três acentos silábicos em quase todas as linhas) já demonstra o cuidado formal da autora em salientar esta regularidade visível das estrofes. Refere-nos, portanto, ao título, pois a palavra é uma “unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação” (HOUAISS). 
 O uso que a poeta irá fazer das “palavras” demonstra como é versátil seu emprego, pois nas duas primeiras quadras, a temática gira em torno do tempo e de nossos gestos, ações e sentimentos e, simultaneamente, do contraste entre aqueles que podemos usar “com desmedida” e a ação que devemos usar “com cuidado... falar”. A repetição da palavra “tempo” no final da linha 1 da primeira quadra e no final da linha 5 da segunda, bem como as rimas em “-ar” nas outras linhas, criando o esquema abbb,abbb, demonstram novamente a preocupação da autora com a homofonia externa.
Da palavra “falar”, última da segunda quadra, retomamos o título “palavras”, no início da terceira quadra, pois o ato de falar significa literalmente “expressar por meio de palavras”. Assim, o “cuidado” que se deve ter ao “falar”, é concretizado por meio das comparações das “palavras” que podem ser “doces igual ao mel” ou “amargas como o fel”, e, consequentemente, têm o “poder” de agradar ou causar dor ou tristeza.  Nesta quadra, um novo esquema de rimas (cddc) acentua a mudança temática do “tempo” para o poder das “palavras”.
A quarta quadra, por sua vez, retoma o tema da temporalidade, desta vez mesclada à fugacidade, à beleza e ao sofrimento da vida, os dois primeiros comparados à luz e ao mar – como elementos que podemos visualizar – o último comparado ao instrumento em que Jesus Cristo esteve crucificado e que se tornou símbolo da religião cristã, lembrando-nos, portanto, que o sofrimento faz parte de nossa vida. A rima alternada (efef) também enfatiza a alternância dos momentos belos com os sofridos ao longo de nossa vida.
A quinta quadra, metalinguística como a terceira – as palavras falando das palavras – sugere que um poema é constituído de palavras “semeadas ao vento”, ou seja, lançadas para germinar. Entretanto, não podemos assegurar em que local elas vão germinar, pois o “vento” – tão simbólico de liberdade, inspiração poética, força vital, rapidez e, portanto, carregando as palavras como inspiração poética – pode arremessá-las perto ou longe. Só nos resta, como leitores, esperar e colher, onde quer que as palavras estejam! O esquema de rimas (g, a,c,c) lança toda a homofonia para as duas últimas linhas (rimas emparelhadas), corroborando, pela semelhança sonora, que todo poeta, após ter lançado suas palavras ao vento, a única atitude que pode tomar é esperar que germinem e que os leitores as colham e delas desfrutem. 


    Luzia Maria Tistki Almeida: “Vida e Morte”

       1.Nascimento e morte:   
2. duas magnificências antagônicas  
3. circundam o ser humano.  
4.Nascimento – celebração da vida  
5. rompimento para a luz,  
6.norte do pai e da mãe 
7.com crença na criação divinal.3
8.Morte - a transgressão da vida perfeita, plena e indelével.  
9.O espaço entre elas é um espiral, 
10.com altos e baixos,  
11.conforme a própria vida se comporta. 
12.Todos somos predestinados para o que vier. 
13.Com saraivadas e com os afagos da própria vida.
14.Também o faz-de-conta  
15.conta muito para ensinar a reaprender a amar a ausência  
       16.e aguar  a sementinha do amor  
17.na presença dos que estão presos à vida, 
18.equilibrando-se na tênue linha do aqui e do acolá.
19.Nascimento: muito te quis.
20.Tanto te quis que você nasceu! 
21.Morte: muito te odiei.
22. Tanto te odiei que reaprendi a te  aceitar! 

O poema “Vida e Morte”, composto de 22 linhas em versos livres, já indica no título a temática que será desenvolvida: o contraste entre as “duas magnificências antagônicas”   “nascimento e morte”. O uso de “magnificência” para sugerir a imponência e grandiosidade desses dois eventos que nos “circundam”, revela bem o valor que a poeta atribui a essas duas forças opostas: o nascimento como celebração e a morte como transgressão, como violação da vida.  Mesmo o poema não obedecendo a nenhuma regra pré-estabelecida, as coincidências sonoras, em vez da rima, aproximam as palavras no som e no sentido, como a assonância em /nascimento/ magnificências/ rompimento/crença/, ou a repetição da sibilante /s/ nas linhas 1,2,3,4,7,8, entre outros, como a repetição de “vida” nas linhas 4 e 8.
A partir da linha 9, estes círculos antagônicos contêm um novo desafio, pois “o espaço entre eles é uma espiral” esta linha curva que se desenrola num plano de modo regular a partir de um ponto, dele afastando-se gradualmente; e, figurativamente, um processo ascendente difícil ou impossível de deter (HOUAISS) –, concretizando deste modo a predestinação, ou seja, os eleitos estão destinados à bem-aventurança, enquanto os réprobos estão destinados ao castigo eterno. As “saraivadas” e os “afagos”, são mais uma vez metafóricos desse processo em espiral de nossa vida. A repetição de “vida” nas linhas 11 e 13, com suas reverberações sonoras nas aliterações com “vier” e “saraivadas”, aproximam, novamente, som e sentido, pois a vida inclui o futuro – “vier” – bem como as “saraivadas”, que se sucedem em torrente.   
            Entretanto, apesar da predestinação, o mundo do imaginário da fantasia é necessário para que possamos expressar nossos sentimentos – amar a ausência e a presença ­ – a fim de que nossa trajetória em espiral continue em equilíbrio, como o eu poético conjectura entre as linhas 14 e 18, conjecturações essas novamente plenas de reverberações sonoras (sempre com a finalidade de aproximar som e sentido): a recorrência dos infinitivos ensinar/reaprender/amar/aguar; a repetição da consoante surda /k/ em faz-de-conta/ conta/que/ equilibrando/ aqui/acolá, tanto em posição inicial (aliteração), como final.
As linhas 19-22, que finalizam o poema, resumem e simultaneamente anulam a proposição antagônica inicial, pois o Nascimento, tão desejado, não é mais o oposto da Morte, tão odiada, porque esta, apesar de inevitável¸ é agora aceita como consequência de nosso “reaprendizado”, ou seja, aprendemos, através da própria espiral da vida, a aceitar a morte. A ênfase nos advérbios “muito” (linhas 19 e 21), e “tanto” (linhas 20 e 22), este último com suas implicações temporais, de grau e de maneira, tornam mais penetrante o contraste inicial entre nascimento e morte, e que agora, ao final do poema, tornam-se quase irmãos: amar e aprender a aceitar.

 Sharon Martins Vieira Noguêz:  “Tempos de paz”

1.Para tudo se leva um tempo   
2.Tempo para a rosa desabrochar 
3.Para o dia nascer 
4.Para a criança crescer 
5.Para o amor vigorar.  
6.E no vazio do silêncio  
7.Espero as tempestades o supérfluo varrer 
              8.Espero o tempo tudo germinar  
              9.Espero o fim do tormento, com preces de paz.  

                   Composto por 9 linhas em versos livres, como o poema anterior, “Tempos de Paz”, entretanto, não apresenta antagonismos como temática. Ao contrário, o tempo como duração relativa das coisas, que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro percorre o texto, associado à postura serena do eu poético, que aguarda tranquilamente o tempo necessário para “a rosa desabrochar/ o dia nascer/ a criança crescer/ o amor vigorar”. A construção paralelística das linhas 2 a 5, como complementação semântica da linha 1 – “Para tudo se leva um tempo” – é enfatizada não apenas a nível sintático (para a rosa desabrochar/para o dia nascer/ para a criança crescer/ para o amor vigorar/) e a nível sonoro, pois os verbos no infinito rimam: desabrochar/vigorar (linhas 2 e 5) e nascer/crescer (linhas 3 e 4). É ressaltada também a nível semântico, pois desabrochar/nascer/crescer/vigorar são metafóricos, ou seja, estão todos associados à ideia de vida como expressão e força do tempo, enquanto os substantivos rosa/dia/criança/amor também se tornam metafóricos do mundo natural e do mundo humano, atingindo, em “amor”, o conceito mais elevado da função do tempo, ao fortalecer o sentimento mais nobre do ser humano.
            As linhas 6 a 9 apenas concluem as considerações do eu poético sobre o tempo, pois é “no vazio do silêncio” – o silêncio como “prelúdio de abertura à revelação”, “envolvendo os grandes acontecimentos” (CHEVALIER et GHEERBRANT) – que o poeta aguarda “as tempestades o supérfluo varrer/o tempo tudo germinar/o fim do tormento”. E, se a ação de “esperar”, no sentido de “ter confiança”, é passiva, “as preces de paz” como consequência da introspecção gerada pelo silêncio implicam em exercer uma atividade, a fim de que o tormento seja substituído pela concórdia, pela paz. A construção paralelística das linhas 7 a 9 novamente enfatiza e reforça a temática desta paciente espera do eu poético, reforçada ainda pela aliteração “tempestade/tempo” e pela assonância “tempo/tormento”, unindo os sentidos por meio dos sons dessas palavras. Simultaneamente, “paz”, como a última palavra do poema, nos remete à palavra “tempo” da primeira linha, ligando desta maneira a concepção de “tempo”, como um período indefinido, a “tempos” como um determinado período em relação aos acontecimentos nele ocorridos, como consta no título. “Tempos de paz” torna-se, assim paradigmático da polivalência do conceito de tempo, unido às conotações positivas de “esperar”.

                                   
Jusiani Maria de Souza: “A Brisa”

1.A brisa do amanhecer     
2.Rejuvenesce a alma   
3.Conforta os corações   
4.Livrando das solidões.   
5.O sol brilha, ilumina a vida durante o dia 
6.A lua ilumina a noite conquistando os corações apaixonados  
7.Vindo deixa-los alegres, encantados os namorados. 


  Neste poema, composto por 7 linhas de versos livres, o eu poético conjetura, nas 4 primeiras linhas, sobre o poder regenerador da brisa – esta manifestação suave do vento:  simbólica de fertilidade e relacionada com a respiração, assim como o amanhecer é simbólico de ressurreição e criação, “a brisa do amanhecer” tem esse poder de rejuvenescer a alma e confortar os corações, centro das emoções e da essência vital. Em contato com a brisa do amanhecer, o ser humano não está isolado, e, mais ainda – como consta a partir da linha 6 –, sua vida é iluminada pelo sol durante o dia e pela lua à noite, imagens estas tão recorrentes para todos nós, mas das quais nem sempre nos damos conta. Por esta razão, a simplicidade com a qual essas imagens da natureza são apresentadas não deve deixar de nos alegrar e encantar, assim como no poema a lua alegra e conquista os corações apaixonados. As rimas ocasionais na 3ª.e 4ª. linhas – corações/solidões – e na 6ª. e 7ª. linhas – apaixonados/namorados –, as aliterações conforta/corações na linha 3 e conquistando/corações na linha 6, além da repetição da sibilante /s/ em amanhecer/rejuvenesce/ corações/solidões /sol/ reforçam a aproximação som/sentido entre as palavras, preconizada por Jakobson. O otimismo do poema é realçado ainda pelo fato de os verbos de ação /rejuvenesce/ conforta/ brilha/ ilumina/ estão no presente do Indicativo, reforçando assim o poder semântico dos mesmos.

Essas considerações sobre poemas das mestrandas terão sequência num próximo blog.



*Professora das disciplinas Teorias da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin, no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Revelações II: Poetas do 8º Período de Letras

Sigrid Renaux*
Dando continuidade ao tema do blog anterior, no qual apresentamos e comentamos poemas dos alunos Fabiano Capistrano dos Santos, Elisângela Nardi e Jaqueline Kupka, os poemas que seguem têm, como os anteriores, recordações da infância como tema principal:
MARCIO EDUARDO ANDRADE
Às vezes, pego-me a pensar nos tempos de pequeno.
Tardes a trilhar por trilhas e trilhos de trem,
A correr e a andar de bicicleta.
Na sala de estar, os meninos a vibrar ao fim de cada partida de videogame.

Os amigos fizeram minha infância mais viva e alegre.
Crescemos e apenas ficou a saudade e as lembranças dos bons momentos.
Apesar da ausência desses companheiros, dá-me a vontade de voltar a ser menino e reviver cada momento.

O tom saudoso das lembranças de infância, neste poema composto de um quarteto e um terceto em versos livres, é enfatizado pelas reverberações sonoras das aliterações em /pego/pensar/pequeno/ na primeira linha; e, na segunda, em /tardes/trilhar/trilhas/trilhos/trem/, criando quase uma onomatopeia, com os sons de um trem passando. O movimento iniciado pelo verbo “trilhar” e a visualização das distâncias percorridas continua na terceira linha, com os verbos “correr” e “andar”¸ a consonância em /correr/andar/, juntamente com a rima interna /trilhar/andar/ enfatizando sonoramente o movimento /trilhar/correr/andar. Dos espaços externos nas linhas 2 e 3, as lembranças do eu poético voltam-se para o espaço interno da “sala de estar”. Esta expressão, além de conotar seu uso social, no encontro do eu poético com os outros “meninos” – em contraposição com as duas linhas anteriores, nas quais o eu poético trilhava¸ corria e andava sozinho –, também implica em movimento, mas desta vez, das emoções, ao “vibrarem” os meninos ao final das partidas de videogame. A ludologia dos jogos une, assim, as lembranças individuais com as sociais do eu poético, enfatizada ainda, sonoramente, pela aliteração da vogal /i/ nas sílabas tônicas /fim/partida/, bem como por uma sugestão de rima em /trem/videogame/.
A segunda estrofe retoma a ideia da amizade como propiciadora da alegria da infância do eu poético, restando assim uma saudade alegre “das lembranças dos bons momentos”, a eufonia propiciada pela repetição das nasais /m/n/, além da repetição da consoante /s/ aproximando as palavras sonora e semanticamente. O poema se encerra com a afirmação de que mesmo a “ausência desses companheiros” não o impede de querer “ser menino” novamente, e “reviver cada momento”. Os infinitos “voltar a ser” e “reviver”, pela sinonímia – pois voltar a ser é reviver – e pela rima interna /ser/reviver/ sobrepõem, novamente, som e sentido.
O poema propicia, assim, através da luminosidade visual da primeira estrofe refletindo-se nas considerações da segunda, um sentido altamente positivo à palavra “saudade, por meio das “lembranças” como um bem desejável do eu poético.
ALBERTO CORSATTO NETO
Numa cidade bem pequena                                                                        
No interior do Paraná
De uma família muito simples
Que só sabia trabalhar
Foi ali que eu nasci
O caçula de cinco irmãos
Todos iam para a roça
Levando a enxada nas mãos
Foi assim até os oito anos
Depois viemos pra capital
Enfrentar a cidade grande
Foi um esforço descomunal
Graças a um pai batalhador
E uma mãe que o ajudava
E com a graça de Deus
A gente se firmava
Não foi uma vida fácil
Muitas lutas enfrentamos
Mas com muita garra
Todas elas superamos
A vida nos ensinou
Que sempre iremos lutar
Muitas coisas se levantarão
Para nos desanimar
Mas a vitória é certa
Para quem não desistir
Não se deixar abater
Quando a dificuldade surgir
Prova disso sou eu
Mesmo com essa idade
Junto aos meus amigos
Estou terminando a faculdade
É uma graça sem tamanho
Estou aqui a comemorar
E vocês podem ter certeza
No meu coração vão morar 
        
Poema organizado em nove quartetos, com variações quanto ao número de sílabas – de 5 a 9 – mas com uma acentuação regular de 4 tônicas por linha e rimas nas linhas 2 e 4 de cada quarteto, conferindo assim uma ordenação figurativa e sonora esmerada ao todo. Esta ordenação, possivelmente advinda de recordações construtivas, faz este poema primar pela objetividade e clareza com que o eu poético apresenta sua vida desde a infância.
Os primeiros dois quartetos nos fazem visualizar um espaço bucólico, onde nasceu este “caçula de cinco irmãos”, que trabalhava na roça com a família. A rima aguda em /Paraná/trabalhar/ enfatiza o cenário rural e o trabalho, enquanto em /irmãos/mãos/ ela une a todos por meio da imagem comum das mãos, valorizando assim ainda mais o lavor da família.
O terceiro quarteto já apresenta uma mudança – da roça para a capital – onde continua o esforço da família em sobreviver. A rima aguda capital/descomunal, bem como as repetições sonoras de /e/f/r/ em enfrentar/esforço, valorizam ainda mais a transição do ambiente rural para a cidade grande, bem como do trabalho, agora “descomunal”, para sobreviver.
No quarto quarteto o eu poético presta sua homenagem aos pais e a Deus pela gradual estabilização que alcançaram, a rima grave “ajudava/firmava” valorizando assim o resultado alcançado por meio do trabalho.
No quinto quarteto o eu poético, já adulto, faz uma reflexão sobre a relação entre lutar e superar as lutas com “garra”, no sentido figurado de grande vigor ou entusiasmo, o que é novamente ressaltado pela rima grave “enfrentamos/superamos”, mostrando o caminho percorrido.
A reflexão, agora mais ampla, continua no sexto quarteto, ao meditar o poeta como a própria vida é um “lutar” contínuo para nos desencorajar de continuar lutando, a rima aguda “lutar/desanimar” opondo assim semanticamente os dois verbos.
 Entretanto, o sétimo quarteto reafirma, também em termos mais amplos, o que o quinto quarteto já havia anunciado: com vigor e entusiasmo, superamos as dificuldades. O uso da afirmação “a vitória é certa/ para quem não desistir”, serve de estímulo a todos os leitores, pois a perseverança é uma qualidade imprescindível a quem luta diariamente por sobrevivência, em todos os sentidos. A rima aguda “nãodesistir/quando a dificuldade surgir”, confirma sonoramente a importância da perseverança para alcançar a vitória.
No oitavo quarteto o eu poético retorna à sua própria experiência, como prova dessa perseverança, pois, apesar de mais velho, ainda continua lutando, com seus “amigos” mais jovens, para terminar a faculdade, sonho que não pode realizar antes. A rima grave “idade/faculdade”, aproximando as duas palavras sonoramente, comprova mais uma vez como as duas palavras se complementam, em vez de se oporem, como na rima do sétimo quarteto.
O último quarteto reitera a graça, o benefício recebido de Deus mencionado no quarto quarteto, e, como consequência, a comemoração – como ato de trazer à lembrança, mas também como expressão do júbilo do eu poético em terminar o curso –, ao lembrar os amigos que nunca serão esquecidos, pois juntos, como os irmãos do poeta, trabalharam muito, com enxadas metafóricas, para alcançar a graça de terminar a faculdade. A significação mais profunda de “comemorar” encontra assim eco em sua complementação rítmica “morar”.
O poema, neste final da jornada do eu poético, torna-se assim uma homenagem a todos seus colegas que, como ele, perseveraram em atingir sua meta mais ampla – a educação, no sentido profundo de chegarmos ao desenvolvimento pleno como seres humanos.

HELOYZE BIANCA DOS SANTOS
Menina Flor
Foi aprendiz da própria vida
Foi sentimento não demonstrado
Apenas uma Flor recém-florida
A desejar um abraço nunca dado
Mas ela nunca esteve sozinha
Solidão não sentiu jamais,
Pois três Guardiões ela tinha
Para suprir a ausência dos pais
Sua mãe fez isso por amor
Por ter quatro filhos pra criar
Trabalhou duro e derramou suor
Pra trazer sustento ao lar
O pai, talvez não fosse por maldade
Sentimento nunca soube demonstrar,
Pois quando ele tinha sua idade
A infância logo teve que largar
Hoje seu coração que é poesia,
Se fechou para o mundo ao redor
Os pensamentos incomodam em demasia
Ao recordar daquela Menina Flor.

Este poema que retrata, novamente, lembranças de infância, é composto por 5 quartetos cujas rimas alternadas abab, cdcd, efef, gfgf, ieie – ligando sonoramente as linhas de cada estrofe – dão continuidade à linha narrativa. Desta vez, o eu poético narra sua história em terceira pessoa, a Menina Flor, conotando o desabrochar da juventude, como a linha 3 do primeiro quarteto confirma: “Apenas uma Flor recém florida”. Neste primeiro quarteto, rememora o quanto aprendeu sozinha, e quanto desejava carinho, na falta do “abraço nunca dado”. Mesmo assim, como revela no segundo quarteto, não se considerava só, pois “três Guardiões”, não identificados, supriam a “ausência dos pais”. Ao especificar, no terceiro quarteto, ausência da mãe pelo trabalho, pois “derramou suor/Pra trazer sustento ao lar” a Menina Flor demonstra seu reconhecimento pelo amor da mãe, mesmo ausente. Já no quarto quarteto, mesmo se ressentindo da falta de demonstração de sentimento por parte do pai, a “Menina Flor” o justifica, pois também ele teve de largar a infância, provavelmente para trabalhar. A Menina Flor, deste modo, retoma um assunto já tratado em poemas dos colegas:  a ausência dos pais no lar, por motivo de trabalho, ou a falta de carinho para com os filhos menores.
 Por esta razão, na última estrofe, que nos transporta ao presente da “narrativa”, a Menina Flor afirma que  “hoje seu coração que é poesia/ se fechou para o mundo ao redor”,  ou seja, o coração como berço dos sentimentos, que abriga a poesia como o poder criativo e a inspiração, retraiu-se, pois as recordações da Menina Flor do que ela foi um dia, perturbam a Menina Flor atual. E, consequentemente, seu eu poético “se fechou para o mundo ao redor”, tornando-a insensível para usufruir a totalidade integrada de seres e realidades existentes. 
Este final melancólico, em complementação e contraposição aos outros dois poemas acima, demonstra como a libertação das emoções – a característica mais peculiar do gênero lírico, ativando a função emotiva da linguagem humana, como proposta por Roman Jakobson – é a tônica fundamental dos poemas apresentados,  em suas diversas manifestações formais.


*Professora das disciplinas Teorias da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin, no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Diários não tão íntimos: o romance fingindo ser o que é

*Edson Ribeiro da Silva
Em A lógica da criação literária, Käte Hamburger considera o romance em primeira pessoa como um gênero específico, que define como “formas especiais”.
Não se trata do épico, pois o romance em primeira pessoa possui um personagem-narrador, que fala de si, rompendo com o distanciamento que a narrativa épica tem em relação ao momento da narração. O narrador épico vê o narrado de fora, o que lhe garante distanciamento, impessoalidade, mas domínio sobre ele. A narração em terceira pessoa, com seu domínio sobre o outro, seria exemplo de épico.
Não se trata do lírico, pois neste o autor fala de um eu que se confunde com ele mesmo. Ou seja, o lírico não enganaria o leitor quanto à natureza do eu que fala de si. Trata-se de uma enunciação que não é fingida, como a da ficção em terceira pessoa o é, pelo modo como fala de outro.
O romance em primeira pessoa finge que o eu que enuncia, que narra, é o autor do texto. Na verdade, não é. Fingindo ser, não se enquadra na categoria do lírico. Ao mesmo tempo, adquire a atitude do fingimento que, ao contrário do que ocorre na terceira pessoa, que se desnuda como ficção, pode até enganar o leitor.
Dessa forma, algumas modalidades do romance, como aqueles em forma de cartas, de diário, de autobiografia, são formas especiais. Têm uma configuração que imita a de gêneros não-literários. Por isso, conseguem efeitos de veridicção que o romance em terceira pessoa não almeja. O romance em primeira pessoa tenta convencer o leitor acerca da sua semelhança com a realidade através dessa configuração. Ser carta, diário, autobiografia aproxima a experiência da linguagem romanesca daquela efetiva que tais gêneros realizam.
Bakhtin, em A teoria do romance, chama a tenção para essa possibilidade de o romance assumir o formato de outros gêneros. Chama de plurilinguismo a possibilidade de, incorporando gêneros não-literários, orais e escritos, ou até literários, como a novela de cavalaria, assumir as suas configurações em vários sentidos, seja na estrutura, no discurso ou na enunciação. A incorporação da linguagem cotidiana, não-literária, aproxima o romance do presente. Obtém-se a ilusão de proximidade entre aquilo que é narrado e o momento da narração.
Se uma modalidade como o romance em forma de autobiografia pode aumentar a distância entre narrativa e narração, o romance em forma de diário a diminui. No primeiro caso, têm-se a visão de conjunto típica da epopeia, no que se refere ao narrado: o narrador está de posse de um passado que não pode ser alterado e, quase sempre, narra para falar dele e não do momento da narração. Já o romance em forma de diário adota a incompletude desse gênero: relatam-se fatos ocorridos quase ao mesmo tempo em que são narrados; não há um distanciamento no tempo que permita o controle sobre o passado; há uma preocupação com o imediato, passado e futuro. Por isso, trata-se de uma modalidade romanesca que assimila, como diria Bakhtin, a incompletude da rotina, do cotidiano, como forma de distanciamento do épico, mas de aproximação do universo do leitor. A configuração permite efeitos de real que podem produzir o fingimento que engana, que Hamburger considera típica da primeira pessoa.
A possibilidade de o romance, incorporando linguagens, não possuir uma que seja sua, própria do gênero, também o libera para assimilar formas que surpreendem pela experimentação, pelo ineditismo. A autoficção é um exemplo notável das assimilações de formas não-literárias, mas também de sua distensão, de sua renovação através de estratégias experimentais de configuração. Mas elas também são originais na ficção pura. Uma dessas possibilidades é a assimilação de formatos como a redação infantil, o relato oral, a confissão religiosa, o desabafo emocionado. A atitude de fingir que se fala para um tu que não se manifesta é uma formatação recorrente nas letras de músicas. A narrativa em primeira pessoa a assimilou de modo produtivo, a partir do momento em que o romance passou a fingir que não era mais escrita, mas fala. Memórias de Lázaro, de Adonias Filho, exemplifica a técnica, assim como Lavoura arcaica, de Raduan Nassar. A fala como narração aproxima o romance, outra vez, do lírico das letras de música: o tu pode estar ausente, morto, mas é para ele que se fala; pode estar presente sem que sua fala seja representada. Ao contrário do que Hamburger dissera, essas formas são mais recorrentes que especiais. É a cara própria do romance, conforme Bakhtin o definira.
Basta que se pense em Diário de um ladrão, de Jean Genet. Não se trata de um diário, mas de uma autobiografia. Não apenas na configuração, mas no caráter verídico. No entanto, a configuração inusitada de uma obra que é autobiografia, intitula-se como diário, mas assume as especificidades estruturais e narrativas do romance leva o leitor a um poderoso efeito de estranhamento. A obra está no limite entre a ficção e a autoficção, no sentido contrário ao modo como Bakhtin dizia que o romance, ficcional, se aproximava do não-ficcional. Diário de um ladrão é autobiografia que procurou o efeito de incompletude típico do diário: não se ter uma visão completa a respeito do passado e de quem se é. Assim, o autor pode fingir para aquele leitor que de fato sabe quem ele é, que leu sua biografia, que ele, como homem, ainda está em formação, é um projeto a ser construído junto com a configuração da obra.
Tanto Hamburger quanto Bakhtin já haviam percebido o quanto a narrativa em primeira pessoa se aproximava da realidade, como efeito. Ela via nessa possibilidade um fingimento capaz até de enganar o leitor; para ele, esse fingimento menos enganava que desnudava o real. Trata-se de uma estratégia que rende possibilidades sempre renovadas em termos de elaboração estética.


*Professor  no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Revelações: Poetas do 8º Período de Letras

*Sigrid Renaux

No decorrer das aulas de Poesia Norte-Americana, 1o. bimestre da disciplina Literatura Norte-Americana II, do curso de Letras Português-Inglês da UNIANDRADE, os alunos do 8o  Período tiveram a oportunidade de apresentar seus próprios poemas. Foi uma revelação surpreendente, para os próprios alunos, de quanto talento e entusiasmo seus versos estavam impregnados. E, mais ainda, como a maioria dos poemas tinha como tema recordações da infância, prova de como as imagens que retemos dessa época brotam espontaneamente quando escrevemos sem nos preocupar demasiadamente com as regras e os esquemas métricos das diferentes formas de liricidade, consagrados pela tradição literária. Seguem, pois, poemas de três alunos, com comentários nossos. No próximo blog serão comentados poemas de outros alunos.

FABIANO CAPISTRANO DOS SANTOS: “INFANTE”
 Quem era eu? Não importava...
 Queria mesmo apenas sonhar...
              Sem saber o bem, o mau não assustava,
  Somente brincando sem pensar;

Na meninice doce e divertida
                      Em total inocência inicia-se o aprendizado,
      Uma marcante lição pra toda vida
 Em acontecimento inesperado;

Recebe para seu uso no futuro
       Um ganho que não o fará inseguro
           Mas o deixará certamente mais forte.

            O menino que não sabe o que é sofrer
                     Recebe na tenra infância mesmo sem querer
  Sua primeira tonelada de morte.

Composto de dois quartetos e dois tercetos, o soneto tem como tema a infância. O uso de “infante”, no título, remetendo tanto ao substantivo – criança, menino – como ao adjetivo – relativo à infância – adquire, pela sua diacronia, conotações de tempos passados e, portanto, de saudade. Os versos, ligados fonicamente pelo esquema de rimas a/b/a/b, c/d/c/d, e/e/f, g/g/f, valorizam, assim, as lembranças do “eu poético”, a refletir sobre sua “meninice” (verso 5). Esta reflexão abrange não apenas os sonhos, as brincadeiras, mas simultaneamente o aprendizado (verso 6), que o “deixará certamente mais forte” (verso 11). O terceto final revela, entretanto, a profunda ligação entre o início e o final da vida, pois, mesmo sem saber “o que é sofrer” (verso 12), este menino já “recebe na tenra infância” (verso 13) “sua primeira tonelada de morte” (verso 14). O eu poético acrescenta assim, à leveza da infância que atravessa o poema, o peso de um tonel repleto, que pode simbolicamente evocar tanto alegrias, como, neste soneto, evocar o peso da morte, universalizando, assim, sua criação artística.


  ELISÂNGELA NARDI: “INFÂNCIA”

A pequena mão que se enroscava
Aos cabelos da pessoa amada
Buscando proteção nas noites escuras
Havia perdido a pequenez

Havia também perdido a proteção
Outro coração tomou o seu lugar
Será este outro coração
Mais puro que o seu

Mais desamparado que o seu
Mais quebrantado, ou será apenas
Seu protetor deslumbrado com
Um coração recém-chegado. 

Evocando uma cena da primeira infância, este poema revela as sensações de uma criança ao imaginar ter perdido o amor da “pessoa amada” – a figura materna? – pelo fato de outra criança – “um outro coração” – ter tomado o “seu lugar”. Composto por três quartetos, efeitos sonoros diversos equilibram o texto sonora e ritmicamente: rimas finais (proteção/coração), rimas internas (desamparado/ quebrantado/ deslumbrado/-chegado; mão/proteção), aliterações (pequena/ pessoa/ perdido/ proteção/ pequenez/ puro/ protetor), além da repetição de termos como  “proteção” (2 x) “coração”(3 x), “perdido”(2 x), que ressalta a tríade da proteção perdida para um outro coração. O eu poético fala em terceira pessoa, através de sinédoques – a pequena mão – e, assim, valoriza sua procura por proteção “nas noites escuras”. A “pessoa amada” também é concretizada através de outra sinédoque – os “cabelos” – com suas conotações simbólicas de energia, fertilidade, amor (como proteção), e que o “eu poético” havia perdido. A dúvida que permanece, para esta criança que havia perdido sua “pequenez” e, consequentemente, a “proteção” materna, é por este “outro coração” – sinédoque de “outro irmão” – ser mais frágil   (mais puro/ desamparado/ quebrantado) ou pelo fato de a mãe estar mais “deslumbrada” por este “coração recém- chegado”. Esta incerteza também universaliza a experiência vivida pela criança¸ ao se sentir desprotegida diante de uma nova realidade, com a qual não consegue ainda lidar.

JAQUELINE KUPKA: “MINHA INFÂNCIA”

Nostalgia! Alegria! Estripulias!  
No lombo de um cavalo sentia o vento
No galope dele me sentia livre
          Liberdade de sentir e ser o que sempre quis ser

      Queria tocar o céu e com cada estrela 
      Poder desejar ir além dos meus sonhos
Queria poder estar cercada pelos primos
Por quem tenho grande apreço e amo

Queria ter sido menos peralta 
Não receber as broncas que recebi de minha mãe
Tanto na escola quanto em casa
Pois além de mãe, foi minha professora

Queria ter menos ciúmes de meu irmão  
E, ao invés de competir com ele, aproveitar cada momento ao lado dele
Meu pai: pra mim foi sempre meu ídolo e modelo de caráter
Minha mãe: brava, porém com um coração gigante e modelo de caráter

Meu irmão quebrou meu monopólio de atenção
Com ele, perdi lugar no quarto de meus pais
Tive que ir pro meu quarto: sozinha
A solidão sempre me foi uma boa companhia

Gostaria de não ter perdido minha avó Julia
Está certo que ela não me dava muita bola
Só comprava chocolate para as minhas primas
Mas por quem eu chorei muito quando partiu...

Tive o privilégio de ter duas mães e dois pais
Minha mãe preta já se foi,
Meu pai preto ainda está aqui
Com eles eu podia fugir um pouco das regras de meus “pais brancos”

Com meus “pais brancos” aprendi muita coisa
Só com um olhar eu já sabia
Que o amor deles era incondicional
E que eles dariam a vida por mim

Sempre sonhei em quebrar um braço ou uma perna
Fiz muitas coisas pra conseguir
Mas não quebrava nenhuma unha
Meu irmão quebrou...

Sabores!! Cheiros!! Lugares!!
Ficava esperando ansiosa pelo fim de semana
Na fazenda de meu avô eu comia, sentia e aproveitava
Frango caipira, rios, pescar e andar a cavalo
Fui privilegiada!

Minha infância foi muito boa 
Dela, eu trago amizades, amores
E, principalmente, uma lição:
Galopar sempre, ser sempre
Sentir sempre, amar sempre
Viver intensamente

O poema “Minha infância” transborda com as mesmas emoções dos poemas acima, mas em 9 quartetos, seguidos de 1 quinteto e 1 sexteto, demonstrando, assim, a exuberância do “eu poético” ao rememorar episódios de sua meninice. Ao iniciar o 1º. quarteto com “Nostalgia! Alegria! Estripulias!”, como também o 10º., com “Sabores!! Cheiros!! Lugares!!”, fica demonstrado seu entusiasmo em rememorar cenas como estar cavalgando ao vento, ação que transporta o “eu poético” a outros universos: tocar o céu e as estrelas, ir além de seus sonhos. A repetição de “queria” – o imperfeito indicando, no passado, uma ação em processo de realização e concebida como não concluída – na 2ª, 3ª. e 4ª. estrofes, caracterizando, deste modo, um paralelismo sonoro, sintático e semântico, aproxima as ações, ao colocá-las dentro de uma estrutura de similaridade: desde os sonhos, a presença dos primos, as censuras da mãe e da professora por sua “peraltice”, os ciúmes do irmão mais novo. Em seguida, recordações das figuras do pai, da mãe, da avó Júlia, dos “pais pretos” com os quais “podia fugir um pouco das regras de meus ‘pais brancos’” – demonstrando o carinho que nutria por esse segundo casal de pais , bem como a ansiedade com que aguardava os finais de semana para poder usufruir dos “Sabores!! Cheiros!! Lugares!!” da fazenda de seu avô. A última estrofe não apenas conclui positivamente suas recordações, mas extrai da infância uma lição – lição esta que nos faz retornar ao 1º. quarteto – o “galopar sempre”, tão simbólico de liberdade de sentir, viver e amar, o que é confirmado pelas conotações simbólicas do cavalo: dentre outras, força e liberdade. Deste modo, mesmo com esta visão tão pessoal de sua infância, o “eu poético” novamente estende suas experiências a todos nós, leitores, ao nos identificarmos com essas experiências, por meio de um complexo de imagens impregnadas de emoção.

Que esses poemas sejam o início de uma trajetória criativa interminável!


*Professora das disciplinas Teorias da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin,  no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE