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terça-feira, 29 de outubro de 2013

O TEATRO DE RUA BRASILEIRO COMO ARTE PÚBLICA:


Anna Stegh Camati

 Introdução
Em seu recente livro, Extramural Shakespeare (2010), Denise Albanese argumenta que a posição de Shakespeare na cultura americana mudou nos anos próximos à virada do milênio. Esse autor não está mais situado no topo da cultura erudita, mas tornou-se propriedade pública. Pegando emprestado do ensaio “O que é um autor?” (1969), de Michel Foucault, que desmistifica a autoria e estabelece o conceito denominado função-autor, Albanese cria um termo análogo — função-Shakespeare — para explicar “a soma dos inúmeros papéis que Shakespeare desempenha e é levado a desempenhar institucional e publicamente” (p. 5) na contemporaneidade.
As experiências interculturais bem-sucedidas de Eugenio Barba, Peter Brook e Ariane Mnouchkine têm incentivado grupos brasileiros de teatro, cujos participantes geralmente são oriundos do meio acadêmico, a dessacralizar ou a abrasileirar Shakespeare, rejeitando práticas teatrais ortodoxas e apresentando as peças desse autor a céu aberto, como arte pública, fora dos muros da academia.
 A proposta deste trabalho é discutir o surgimento de produções shakespearianas no teatro de rua brasileiro, seguindo a tendência contemporânea de popularização do poeta, o que também foi realizado pela indústria do cinema, pelas graphic novels, pelas novas mídias e por outras manifestações da cultura popular e de massa.
 
Encenações ao ar livre: quando o lugar se torna espaço teatral
Na horinha, mesmo; este lugar é maravilhosamente conveniente para o nosso ensaio. O gramado, aqui, vai ser nosso palco, esse arbusto de espinhos, nossa coxia [...].[1]
shakespeare, sonho de uma noite de verão
De acordo com Michel de Certeau (2010), lugar é um local fixo, em oposição a espaço, que é socialmente construído: embora uma rua possa ser idealizada pelo planejamento urbano, ela dependerá de movimento, de mudança e de interação para se transformar em espaço ativo. O estudioso francês alega que “o espaço é um lugar praticado” (p. 119) que adquire uma dinâmica sui generis, tornando-se espaço quando apropriado para fins específicos durante um período de tempo. Assim, quando uma peça é apresentada em locais públicos, o lugar escolhido, por um curto período de tempo, torna-se espaço teatral, como é afirmado por Pedro Quina[2] no prólogo da cena de ensaio de Sonho de uma noite de verão (1595-1596), citado na epígrafe. Ou, como Peter Brook (1968) teoriza em The Empty Space: “Posso escolher qualquer espaço vazio e considerá-lo um palco nu. Um homem atravessa este espaço enquanto outro observa. Isto é suficiente para criar uma ação cênica”[3] (p. 9).
Encenar ao ar livre é, na verdade, voltar às raízes do teatro: “Téspis se apresentava para as ágoras atenienses em uma carroça, no século VI a.C., e as peças medievais chamadas “mistérios” aconteciam no adro das igrejas e nas praças das cidades” (Pavis, 1998, p. 372). E mesmo durante a era elisabetana, as peças de Shakespeare foram muitas vezes representadas em espaços a céu aberto, principalmente quando a grande peste de Londres se tornou uma epidemia e os teatros tiveram de ser fechados para evitar o contágio.
 Nos dias de hoje, encenar Sakespeare ao ar livre parece ter se tornado novamente uma tendência mundial. Enquanto na Grã-Bretanha montar peças desse autor a céu aberto é um movimento que inclui tanto companhias profissionais quanto amadoras — envolvendo desde grandes companhias profissionais, como a New Shakespeare Company, sediada no Open-Air Theatre, situado no Regent’s Park, em Londres [...] até grupos amadores pequenos, como o The Villagers, perto de Gosport, em Hampshire [...]” (Dobson, 2011, p. 155) —, no Brasil, produções shakespearianas de teatro de rua são realizadas sobretudo por grupos profissionais de teatro.
 
Este trabalho foi apresentado no congresso da Latin American Studies Association (LASA), realizado de 20 de maio a 01 de junho de 2013, em Washington, DC. Título em inglês: “Brazilian Street Theatre as Public Art: Ueba’s The Taming of the Shrew”. Tradução para o português de Thelma Christina Ribeiro Côrtes. O trabalho completo foi publicado em Tradução em Revista, v. 14, 2013/1, p. 113-121. Disponível em:
 
 
 
 
 
 


[1] N.T. Tradução de Barbara Heliodora (SHAKESPEARE, William. Sonho de uma noite de verão. Tradução: Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2004. 128p.).
[2] N.T. Os nomes em português dos personagens shakespearianos citados neste artigo seguem as traduções de Barbara Heliodora.
[3] N.T. As traduções das citações do livro de Peter Brook foram extraídas da edição brasileira: BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. Tradução: Oscar Araripe e Tessy Calado. Petrópolis: Ed. Vozes, 1970. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/20061686/O-Teatro-e-seu-espaco-Peter-Brook>
 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O FANTÁSTICO E MARAVILHOSO MUNDO DE SARAMANDAIA


 

Profa. Dra. Verônica Daniel Kobs*

 

Nos dias de hoje, em que predomina a cultura cyber, a literatura e os demais tipos de arte propiciam outro ritmo, mais específico e contemplativo, e que se opõe à rapidez e à superficialidade inerentes às redes sociais. Mais que isso. De acordo com Nelly Novaes Coelho, a literatura serve de “antídoto à robotização” (COELHO, 2007, p. 3), porque é “instrumento de ‘formação das mentes’ e de conhecimento de mundo, da vida” (COELHO, 2007, p. 4). O poder desse antídoto é reforçado, quando a arte permite que o leitor/espectador vá muito além da representação da realidade pela ficção, geralmente circunscrita aos limites da lógica do mundo real. Foi assim, combinando a arte da narrativa televisiva ao fantástico, ao maravilhoso e ao realismo maravilhoso, que a nova versão de Saramandaia atendeu ao novo perfil do público e da sociedade contemporâneos.

A obra, escrita por Dias Gomes, já tinha encantado o público brasileiro, em 1976, no formato de telenovela. O enredo e os personagens entraram para a história da televisão e permaneceram por muito tempo na lembrança dos telespectadores. De junho a setembro de 2013, Saramandaia foi novamente exibida, agora em formato de minissérie. Ricardo Linhares foi o responsável por reescrever a história e resgatar a magia de Bole-Bole e de seus divertidos moradores. Como ocorre em qualquer adaptação, alguns personagens foram cortados (a exemplo de Tristão do Sal, que soltava fogo pela boca, na primeira versão) e acréscimos foram feitos (nesse aspecto, a linguagem, com seus neologismos esquisitos, mas engraçados, foi privilegiada: “bastantemente”, “mutretice”, “calunismo”, “avistamento”, “diferencice”, “pra trasmente”, etc.). Porém, a maioria dos personagens foi resgatada, afinal, para tratar do exotismo, da diferença e para neutralizar o excesso de racionalismo, lógica e seriedade de nossa época, nada melhor que o acúmulo de tipos verdadeiramente surpreendentes: João Gibão tinha asas e podia adivinhar o futuro; a fogosa Marcina literalmente queimava de tanto prazer; Belisário era apenas uma cabeça que tinha sido separada de seu corpo, durante um combate; Dona Redonda comia sem parar e acabou explodindo; Professor Aristóbulo era professor e funcionário público de dia e lobisomem nas noites de quinta-feira; Dona Candinha passava o dia a se entreter com suas galinhas invisíveis; Zico Rosado soltava formigas pelo nariz; Doutor Cazuza, o farmacêutico, botava o coração pela boca sempre que ficava nervoso; as lágrimas de Estela tinham o poder de ressuscitar os mortos; e Tibério, o patriarca da família Vilar, vivia sentado em sua cadeira, onde criou raízes e começou a se transformar em árvore.


Aristóbulo: professor e lobisomem



As raízes de Tibério Vilar e o voo do personagem João Gibão

 
 
 
  A metamorfose de Dona Redonda: Ela aumentou de tamanho de tanto comer, explodiu formando uma nuvem multicolorida e, depois que seu marido plantou, na praça, um de seus dedos, transformou-se em uma gigantesca e malcheirosa flor.

 

Durante uma tempestade elétrica, Dona Pupu recebeu a visita do corpo de Belisário, que recolocou sua cabeça e a tirou para dançar, como nos velhos tempos.

 
Foi nesse clima inusitado que Saramandaia propôs um mundo novo, onde o impossível se fazia possível, superando qualquer obstáculo imposto pela lógica e pelas leis inflexíveis que regem a realidade, já que: “O elemento ‘espetaculoso’ é essencial à narração fantástica” (CALVINO, 2004, p. 6). De fato, o fantástico fez parte de Saramandaia, mas apenas no primeiro momento, quando, em meio à vida pacata de Bole-Bole, o estranho se instalou e deu início a um processo de alternância entre razão e desrazão, provocando a “relativização das fronteiras entre sanidade e loucura” (CARNEIRO, 2006, p. 10). As ideias de Ítalo Calvino e de Flávio Carneiro vão ao encontro do que Todorov menciona, no livro Introdução à literatura fantástica: “O fantástico é a vacilação experimentada por um ser que não conhece mais que as leis naturais, frente a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1982, p. 15-16). Entretanto, o fantástico tem uma vida breve e não é o que prevalece, na narrativa: “(...) o fantástico não dura mais que o tempo de uma vacilação: vacilação comum ao leitor e ao personagem, que devem decidir se o que percebem provém ou não da ‘realidade’, tal como existe para a opinião corrente” (TODOROV, 1982, p. 24).

Em Saramandaia, o fantástico restringia-se ao tempo das descobertas, quando os personagens e também os telespectadores se surpreendiam com o fato de espíritos aparecerem para os vivos, de nevar de repente na cidade, de um unicórnio aparecer em um parque abandonado ou de um casal selar seu enlace com um beijo, transformando-se em uma imensa árvore para todo o sempre. Entretanto, depois que terminava o choque da descoberta, vinha a aceitação. Inclusive, muitos personagens não se cansavam de dizer que em Bole-Bole tudo era possível.  Nesse instante, dava-se a passagem do fantástico para o maravilhoso. Na narrativa, os personagens, depois de feita a descobertice, esqueciam a surpresa e voltavam à vida normal. Dessa forma, sinuosamente, o enredo frequentemente transitavava “do verossímil ao inverossímil sem interrupção, sem questionamento” e todos eram finalmente “integrados num universo de ficção total onde o verossímil se assimila ao inverossímil numa completa coerência narrativa, criando o que se poderia chamar de uma verossimilhança interna” (RODRIGUES, 1988, p. 12-13).

Essa diferença e a transferência do fantástico para o maravilhoso esclarecem que, no maravilhoso, ao contrário do que muitos afirmam, é possível existir um universo pretensamente real, assim como também é possível que o estranhamento apareça gradativamente, na história. O limite entre esses dois conceitos é muito tênue e o predomínio de um ou de outro depende do posicionamento dos personagens diante do fato sobrenatural e extraordinário: “Um segundo nível de maravilhoso não tão radical permite que os seres humanos comuns convivam num cotidiano aparentemente verossímil com seres sobrenaturais, com fantasmas ou almas etc. Na medida em que esses seres não são questionados dentro do universo narrativo, também o leitor os aceita, porque aceita a ficção e seus pressupostos” (RODRIGUES, 1988, p. 56). Bole-Bole, que depois passou a se chamar “Saramandaia”, era exatamente assim. O professor Aristóbulo casou-se com Risoleta, João Gibão revelou suas asas para todos, no dia de seu casamento, quando voou e conseguiu voltar no tempo, para salvar sua noiva da morte, e Dona Pupu reencontrava o corpo de Belisário a cada nova tempestade elétrica, prevista com acerto por seu Encolheu, que adivinhava chuvas e tempestades, dependendo das dores que sentia pelo corpo.

Nesse mundo de imaginação e “realidade” ainda é possível falar de outro conceito: o “realismo maravilhoso”, porque não exclui “os realia (real, no baixo-latim); entretanto, os mirabilia (maravilha) ali se instauram” (RODRIGUES, 1988, p. 59). Essas diferencices de Saramandaia (seja dos conceitos teórico-literários, seja do exotismo dos personagens) desempenharam pelo menos duas funções muito importantes para a sociedade contemporânea. Elas permitiram a “ruptura no sistema de regras preestabelecidas” (TODOROV, 1982, p. 86) e assumiram as diferenças de cor, raça e sexo, opondo-se a qualquer tipo de preconceito. Além disso, elas possibilitaram que o entretenimento atingisse plenamente seu principal objetivo: o de alienação (bendita alienação essa!), que levou os espectadores ao mundo dos sonhos e das (im)possibilidades, em que o tempo se dilata e os problemas do dia a dia desaparecem. Antídoto mais que perfeito para neutralizar os efeitos da rotina tecnológica e estressante dos tempos modernosos...

 

Bibliografia:

CALVINO, I. Introdução. In: CALVINO, I. (Org.).  Contos fantásticos do século XIX. O fantástico visionário e o fantástico cotidiano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 3-9.

CARNEIRO, F. Viagem pelo fantástico. In: COSTA, Flávio Moreira da (Org.). Os melhores contos fantásticos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 9-16.

COELHO, N. N. Literatura: um olhar aberto para o mundo. Disponível em: <http://www.collconsultoria.com/artigo7.htm>. Acesso em: 02 jun. 2007.

RODRIGUES, S. C. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988.

SUENNY, P. ‘Saramandaia’ tem vocabulário próprio. Disponível em:

<http://www.diariosp.com.br/noticia/detalhe/55794/%91Saramandaia%92+tem+vocabulario+proprio>. Acesso em: 20 set. 2013. 

TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva: 1982.

 

Créditos das fotos:

<http://novelafashionweek.com.br/site/veja-como-maquiador-de-meryl-streep-em-a-dama-de-ferro-participou-de-saramandaia/>.

<http://rd1.ig.com.br/blogueiros/curto-circuito/em-novo-dia-jose-do-egito-fracassa-na-audiencia/184642>

<http://www.alinegraziela.com/gibao-vai-voar-apos-primeira-noite-de-amor-com-marcina/>.

<http://extra.globo.com/tv-e-lazer/vera-holtz-esta-pronta-para-explodir-em-saramandaia-diz-eu-mereco-um-descanso-9766129.html>.

<http://zamenza.blogspot.com.br/2013/09/dona-redonda-explode-e-vera-holtz.html>.

<http://www.rondoniavip.com.br/noticia/dona-redonda-explodindo-fotos>.

<http://tvg.globo.com/novelas/saramandaia/Vem-por-ai/noticia/2013/09/ultimos-capitulos-apos-raio-cair-em-cima-de-flor-misteriosa-ela-fica-imensa.html>.

<batalhadoibope.com>.

<http://tvg.globo.com/novelas/saramandaia/Vem-por-ai/noticia/2013/09/ultimos-capitulos-no-meio-da-tempestade-eletrica-corpo-de-belisario-ressurge.html>.

 

* Verônica Daniel Kobs é professora e coordenadora do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE-PR.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A REINVENÇÃO DO ESCRITOR. DO LEITOR; DOS COSTUMES E DA LÍNGUA.


Prof. Mail Marques Azevedo

Tomamos por empréstimo a Sérgio Sá o título, A reinvenção do escritor, da obra em que discute o périplo do escritor nos dias atuais. O subtítulo, literatura e mass media, esclarece o tema da discussão. O autor enfatiza a tendência atual de vivermos a cultura do videoclip e nos curvarmos às demandas de marketing por resultados imediatos:“rápida renovação, sucesso efêmero, sensação imediata, pura estimulação” (SÁ, 2010, p. 16). Neste cenário a literatura deve buscar alternativas a fim de sobreviver. O escritor está dividido entre a necessidade de entreter, a fim de chegar mais próximo do público (o entretenimento é o objetivo profundo e irrefutável do mundo da mídia), e a tentação da experimentação literária (e, consequentemente, a opção de permanecer fora dele).

Quanto aos subtítulos desta página [a reinvenção] do leitor; dos costumes e da língua ─ de criação própria, decorrem da observação das transformações que se processam no indivíduo como leitor, nos seus costumes e na sua língua de comunicação. Desde que o mundo é mundo, o homem experimenta, cria, imita, transforma, num processo inexorável de evolução em que se cria o novo pela absorção e transformação do já existente.

Tal processo de absorção e transformação constitui, em última análise, o fulcro da abordagem intermidiática de crítica literária, baseada nas relações entre mídias ou “midialidades”: textos impressos, cinema, televisão, comicstrips, vídeo games, animação e outras. Irina Rajewski aponta que a relação entre mídias, que a convenção determina serem distintas, é estabelecida com base na possibilidade de evocar, num receptor, aqueles modelos midiáticos específicos que lhe vêm à mente. A relação autor-leitor, portanto, é via de mão dupla: o primeiro busca diferentes meios que o aproximem do leitor de hoje, nutrido desde a infância nas mídias audiovisuais; por outro lado, espera-se que o leitor identifique os modelos midiáticos sugeridos pelo texto.

A reinvenção dos costumes é patente. Perdem-se nas brumas do passado, os jogos de amarelinha, as canções de roda, as pandorgas, substituídos por celulares, Ipods, Ipads, vídeo games e quejandos.(Será que alguém ainda sabe o que são “pandorgas” e “quejandos”?)

Neste ponto, a reinvenção da língua está mais do que clara. É evidente que o nosso português absorve, sem a menor cerimônia, palavras de outras línguas, ao mesmo tempo em que descarta as próprias. As que estão destacadas no texto revelam de imediato sua origem na língua inglesa. Existem outras, no entanto, de tal modo arraigadas em nosso discurso cotidiano que nem nos ocorre questionar de onde vieram.

Fiquei surpresa  ao ler o texto “Clientela ideal” de J.R. Guzzo, na revista Veja,§ que revela a origem de algumas palavras de uso corrente no português do Brasil: otário, afanar, engrupir, embromar, cambalacho, bacana, bronca, fajuto, punguista, fuleiro, grana, gaita, escracho, cana, tira, lábia, patota, cabreiro, pirado, barra-pesada etc.

Tais palavras, explica o articulista, vêm do lunfardo ou “lunfa”, linguajar que surgiu, aparentemente, nos fins do século XIX, “como meio de comunicação entre presidiários, criminosos em geral, proxenetas, vigaristas, batedores de carteira, vadios e outros malvivientes do submundo de Buenos Aires”. Chegaram ao Brasil via cais do Porto de Santos e Praça Mauá, no Rio de Janeiro e se incorporaram à língua. Note-se que todas foram aceitas por meu computador, exceção feita a “engrupir”.

E daí, a que conclusão chegamos?As conclusões do articulista não são muito lisonjeiras para o caráter dos brasileiros, a “clientela ideal”.  Certamente a opinião dos leitores de Guzzo, ou deste modesto comentário, estarão divididas: uma avaliação positiva indicaria o caráter democrático do brasileiro, pronto a absorver novidades e fazer seus instrumentos e ideias vindos de fora; uma avaliação negativa, penso, apontaria os excessos desse mesmo caráter democrático, pouco criterioso na adoção do novo.

Se o mundo de hoje exige a reinvenção do escritor, em função da reinvenção do leitor, bem como a reinvenção do leitor, de seus costumes e de sua língua, em função das modificações céleres da cultura dos grupos sociais, qualquer que seja nossa opinião pessoal, tais reinvenções estão aí para ficar.

 

REFERÊNCIAS

RAJEWSKI, I. A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, T.F.N. & VIEIRA, A.S. (Org) Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: UFMG, 2012, p. 51-73.

SÁ, S. A reinvenção do escritor. Literatura e mass media. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

 



§GUZZO, J.R. Clientela ideal. Veja. 16 de outubro de 2013, p. 130.