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segunda-feira, 25 de julho de 2016

O baixo astral do jovem Matías Vicuña

*Paulo Sandrini


O romance Mala onda (1996), do chileno Alberto Fuguet — organizador, ao lado de Sergio Gómez, da coletânea McOndo — nos traz a história do jovem Matías Vicuña, que narra sua própria experiência de vida após uma temporada nas areias do Rio de Janeiro e a volta para Santiago.
A ficção se passa em 1980. Drogas, e às vezes sexo, embalam a tediosa existência de Matías, dias antes do plebiscito que “decidiria” a favor ou contra a nova constituição “proposta” pela Junta e por Augusto Pinochet.
Romance semiautobiográfico, como confessa o próprio autor, Mala onda não conta a história daqueles que se deram mal na ditadura; sim, a história dos que se deram bem durante o período de política dos militares.
Traduzido no Brasil como Baixo Astral (2001), o livro é representativo das ideias que Alberto Fuguet e Sergio Gómez propalaram na Presentación del país McOndo (espécie de manifesto-bula que abre a coletânea citada anteriormente) — e uma delas seria fugir ao realismo mágico e maravilhoso, tomados por exóticos e de fundo essencialista em relação à identidade do sujeito latino-americano. Por isso, Mala onda é tecido por uma prosa urbana e marcado por um modo de vida norte-americanizado (e em processo de globalização) no qual vive parte da elite e também da classe média chilena naquele período.
Apesar de mal recebido por seus leitores iniciais, o romance foi encorajado por Antonio Skármeta, um dos ícones maiores do posboom. Talvez a constatação de que se tratava de uma narrativa linear — sem malabarismos experimentais e com a política sendo um assunto não muito aprofundado — tenha sido determinante para a identificação que a obra causou em Skármeta, visto que esses traços foram comuns ao posboom.
Narrado em primeira pessoa, o livro soa como um grande monólogo, que alterna, raras vezes, mergulhos existenciais com momentos de completa apatia (alienação, conformismo). É escrito como se fosse um diário, com marcações de datas do ano de 1980 abrindo os capítulos. São onze ao todo, ou seja, um período curto na vida do protagonista. Contudo, mesmo com o uso de uma personagem que narra, não temos uma noção mais aprofundada dessa consciência. Quando isso ocorre, encontramos uma personagem até certo ponto crítica, menos plana — no entanto, Fuguet abre mão de explorar melhor essa possibilidade de aprofundamento para concluir suas personagens à maneira monológica (predomínio da voz do autor em relação à consciência das personagens).
Matías Vicuña é claramente inspirado por Holden Caulfield, o protagonsita de O apanhador no campo de centeio. A certa altura, recebe de um amigo o livro de Salinger, que passa a ser uma referência constante nessa ficção chilena.
Mala onda, questionável ou não em suas qualidades, nos oferece uma narrativa sem amarras e que abre mão do romance ao estilo rompe cabezas, típico do experimentalismo do Boom. Desse modo, Fuguet nos proporciona a leitura de uma obra bastante convencional em termos formais. Podemos apontar Mala onda qual uma narrativa despretensiosa, que busca nos contar somente a história de Matías entre sua adolescência entediada e a ditadura que marca a história chilena naquele momento. Matías, como Caulfield, acha-se sem rumo, vagando por Santiago, nos revelando a crônica de uma viagem juvenil por entre sexo, drogas e álcool, numa visão cheia de cinismo em relação ao mundo que o cerca.
Repleto de marcas da cultura pop, sobretudo pela cultura de massa estadunidense, Mala onda registra uma juventude afastada dos valores culturais chilenos, tendo por pano de fundo a descrença no país (esvaziado e sufocante) e o desejo de abandoná-lo. O caos implantado pelo sistema de Pinochet pode ser a resposta para o desencanto e o tédio que assolam Matías. As personagens muitas vezes soam a um reflexo da política repressora que esmaga os sonhos e a consciência crítica dos sujeitos sociais. Entretanto, as vidas da classe média e da elite chilena não parecem assim tão afetadas pelas forças ditatoriais. É como se para o desânimo de Vicuña ainda houvesse saídas. Se, por um lado, muitos resistiram ao sistema, foram torturados, perseguidos, exilados (fatos que não repercutem na obra de Fuguet), por outro, as festinhas e a vida regada a drogas e sexo são algumas das opções para aqueles que não sofreram diretamente com a ditadura.
Apesar de algumas questões postas pelo romance de Alberto Fuguet, que parecem denunciar os abusos da política militar de Pinochet, chegamos à conclusão de que Matías Vicuña, mesmo sendo um estranho em seu próprio meio — um rebelde e, por vezes, questionador do modo de vida que levam sua família e seus amigos —, ao final não dá as costas ao status quo. Tanto no plebiscito quanto em sua trajetória de vida, escolhe o “Sim”, consciente e livremente, sem que o forcem a isso — e assim o faz porque, chegada a hora de optar, a resignação é para ele o melhor caminho. Mesmo que por vezes pareça crítico em relação ao seu entorno, Matías deixa-se vencer pela indiferença e pela conveniência.
O que se passa com essa personagem, se prestarmos bem atenção, é apenas uma intenção frustrada de libertação. E isso é inverossímil até para ele mesmo. Pois tem consciência de que o que está tentando levar a cabo em sua vida nada mais é do que autoengano. Portanto, volta a pacificar-se com o mundo seguro em que habita, o mundo de sua classe e de sua família poupada dos reveses da ditadura.




*Professor do Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade