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terça-feira, 30 de outubro de 2012

O lirismo de P.K.Page: (re)leituras de um discurso complexo

Sigrid RENAUX

Resumo: Esta pesquisa visa examinar, através da análise da produção lírica de P.K.Page, o uso que esta poeta canadense faz da intertextualidade explícita, como a inserção de motes de renomados poetas (Neruda, Rilke, Auden, entre outros) como temas para o desenvolvimento de suas próprias glosas. Esta abordagem nos permitirá avaliar melhor como Page, ao entrar numa relação de transformação, transgressão e amplificação dos textos originais, está simultaneamente fazendo uso da criação como da crítica, através da metapoesia, confirmando deste modo as possibilidades criativas da intertextualidade como instrumento de palavra privilegiado para um diálogo entre textos, literaturas e nações.

 

Introdução

Partindo da pressuposição de que “um texto propõe sempre determinadas estratégias de abordagem que o leitor deverá atualizar num movimento de cooperação interpretativa” (REIS & LOPES,1988, p. 168), a leitura da obra poética de P.K.Page, com sua grande variedade temática, formal e estilística, revela-se particularmente fértil na proposta de estratégias de abordagem. Pois, ao iniciar numerosos poemas com motes de poetas renomados como Pablo Neruda, Rainer Maria Rilke, W.H. Auden, Elizabeth Bishop e T.S. Eliot, entre outros, intertextos esses que servirão como matriz para o desenvolvimento de suas próprias glosas, Page está fazendo uso não apenas de uma intertextualidade poética explícita, mas, através dela, também de uma intertextualidade implícita (JENNY, 1991, p. 3), ao dialogar simultaneamente com outros fragmentos intertextuais, remetendo-nos destarte ao confronto das unidades morfológicas, sintáticas ou semânticas comuns ao texto nutriente e ao novo contexto.

Assim, diante de material tão rico e versátil, esta pesquisa irá se concentrar no uso que Page faz dessas duas formas de intertextualidade e demonstrar como, ao inserir motes como parte integrante de seus próprios poemas, Page está não apenas ludicamente fazendo uso da glosa – forma métrica espanhola inventada pelos poetas da corte no final do século XIV e que consiste num mote introduzindo o tema do poema, seguida por uma estrofe para cada linha do mote, comentando ou glosando a linha (CUDDON, 1992, p. 378).  Está, concomitantemente, entrando num diálogo altamente complexo com os motes, ao não só incorporá-los e comentá-los mas assimilá-los, transformá-los e recriá-los de tal maneira que esses textos-origem não são mais determinantes ou controladores do sentido mas fragmentos significantes à procura de um outro referente. E, ao se rearticularem em novas construções metalingüísticas, não ampliam apenas seu próprio espaço semântico mas levam as glosas, conseqüentemente, a operar uma “reescrita crítica”( JENNY, 1991, p. 44) dos textos originais.

Ao adotarmos como estratégia de trabalho a intertextualidade como definida por Kristeva – “qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é absorção e transformação dum outro texto” – definição à qual Jenny acrescenta “trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido” ( JENNY, 1991, p. 13-14) e tomando portanto como texto centralizador o poema “Planet Earth” (PAGE, 2002, p. 14-15), cuja epígrafe é um mote de Pablo Neruda (1904-1973), estamos simultaneamente levantando as seguintes questões: como se opera a assimilação, transformação e recriação, no poema de Page, dos enunciados pré-existentes em Neruda? Em que relação estão esses enunciados assimilados com o seu estado primeiro? De que modo o poema de Page como criação pode ser considerado simultaneamente uma reescrita crítica de Neruda?

A fim de podermos trabalhar essas questões de modo coerente, iremos recorrer também, como reforço teórico, à proposta de Jenny quanto aos tratamentos que um enunciado sofre ao ser inserido num novo conjunto textual, quais sejam: a verbalização, a linearização e o engaste. Se os dois primeiros – a nível de expressão – já se encontram normalizados e explicitados no poema de Page, pois a substância significante do texto está verbalizada e o significante verbal, integrando o material transcrito – o cut up – com o novo texto, desvenda-se progressivamente ao longo das linhas, são os engastes intertextuais – a nível de conteúdo –, assentados em isotopias metonímicas e/ou metafóricas, que irão nos auxiliar na análise da palavra poética de Neruda em sua relação com a de Page. Essas três operações, incidindo na transformação do condicionamento contextual, serão complementadas com o auxílio do arsenal de figuras de retórica, que oferece uma matriz lógica para classificar os tipos de alteração sofrida pelo texto no decurso do processo intertextual, ou seja, as modificações imanentes às quais os fragmentos intertextuais estão sujeitos. Dentre essas figuras faremos uso principalmente da amplificação, ou seja, a transformação dum texto original por desenvolvimento de suas virtualidades semânticas (JENNY, 1991, p. 30-44).

O poema de Page já traz o próprio título como elemento marcado por excelência – “Planet Earth” – visto que, pelo fato de nos remeter à definição de “Planeta Terra” e portanto fazendo-nos visualizar o globo terrestre como um corpo celeste, parte de um sistema de planetas que giram sobre si mesmos e à volta do sol, o título já antecipa um vínculo entre “Earth” como planeta habitado pelo homem e “Earth” em relação ao cosmos, vínculo esse que será ampliado e detalhado ao longo dos versos. E, como elemento paratextual, o título será recuperado não apenas através do mote de Neruda, mas principalmente através de isotopias metonímicas e metafóricas, presentes tanto no plano de expressão, como no plano de conteúdo do poema. Simultaneamente e dentro de nosso século XXI, no qual a grande tônica recai sobre a conscientização da preservação do planeta Terra, o título também adquire uma conotação ecológica, como o desenvolvimento do poema irá confirmar.


IV CICLO DE INTEGRAÇÃO GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ATIVIDADE REUNI
AUTORES INTIMISTAS BRASILEIROS: LÚCIO CARDOSO, CORNÉLIO PENNA E CLARICE LISPECTOR

ATIVIDADE GRATUITA

QUARTAS, 16h às 18h [INÍCIO 07 de novembro]

(com certificado de 30hs)

Informações e Inscrições 
Universidade Federal do Paraná

Rua General Carneiro, 460, 10° andar

(041) 33605102

Das 10 às 12 e das 14 às 17

gabrielaszabo@hotmail.com

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

CURITIBA ZERO GRAU: A PREVISÃO É DE TEMPO BOM.

Verônica Daniel Kobs*

Na semana de estreia do filme, apesar de a produtora e o diretor do filme terem considerado o filme uma produção “não bairrista”, foi justamente o fato de o filme ser curitibano que repercutiu, nas entrevistas veiculadas em programas culturais e também nas propagandas de rádio. Como curitibana, boa provinciana e apreciadora de cinema, fui conferir o filme e confesso que esperava algo “para turista ver”.
Evidente que o bairrismo existe: o espaço curitibano está lá, como cenários de quatro histórias e de quatro personagens, assim como o sotaque tão particular de quem é de Curitiba e fala “piá” e “leite quente”. Por isso, o espectador curitibano tem uma relação especial com o filme. Eu gostei de ver um modo de falar diferente dos sotaques carioca e paulista e me surpreendeu, em muitos sentidos, a qualidade técnica do filme, que é uma produção a altura das grandes produções. Não foi à toa que o longa, antes de ser exibido nos cinemas, em todo o Brasil, participou do Festival de Cinema do Rio, em 2010, e, em 2011, conquistou o prêmio do público, no Cinesul.
O filme impressiona pela simplicidade das histórias, cotidianas e universais, que refletem muitos dos problemas do novo século. Em algumas críticas sobre o filme, li que “Curitiba zero grau fala da sobrevivência nas grandes cidades”. Verdade. E isso me fez pensar sobre a relação já anunciada no título, entre o filme curitibano e o polêmico Rio 40 graus, dirigido por Nelson Pereira dos Santos e lançado na década de 1950. A semelhança é o entrelaçamento de histórias de personagens que têm de tratar de ganhar a vida na capital. A diferença é a temperatura.
O frio curitibano está em várias paisagens de inverno do filme, a mais bonita delas no Parque Barigui. Mas se engana quem pensa que a produção elege só os cartões postais da cidade como cenário. Não mesmo. Acompanhando a história, vamos da Cidade Industrial ao Centro, depois ao Rebouças, ao Jardim Ambiental, ao Boa Vista e chegamos ao bairro Santa Cândida... Nossa cidade está lá, com a modernidade e os projetos urbanísticos que os turistas querem ver de perto, com os grandes parques, mas também com favelas, pequenas praças e vilas (anônimas para muitos), conjuntos residenciais populares... Espaço e identidade são ampliados, multiplicados, e são o lado bom do filme de Eloi Pires Ferreira.  
Quanto ao outro lado, claro que há tentativas de acerto, mas que não atingem plenamente o objetivo. Durante todo o filme, acompanhamos as histórias dos quatro protagonistas. Esse esquema de enredos paralelos sempre requer algum cuidado e exige uma escolha difícil: diminuir a intermitência narrativa, usando um espaço mais longo para cada história; ou investir na rapidez e na descontinuidade, com trechos mais curtos de cada narrativa. O ideal mesmo seria conseguir um equilíbrio, justamente o que faltou em Curitiba zero grau. Percebemos essa falha no final, quando os personagens se encontram e as histórias são retomadas. Mas alguns detalhes ficaram longe... O espectador já tinha até se esquecido deles. Resultado: A intensidade do problema não é retomada no mesmo nível de ansiedade e expectativa que havia no momento em que a história daquele personagem foi contada, lá no início.
Além disso, o cinema atual nos condiciona a esperar finais pouco otimistas e Curitiba zero grau contraria essa tendência. A isso se deve a frustração que tive (ainda que acompanhada de uma pequena dose de surpresa) com o final do filme: Tudo dá certo e o que não dá certo revela o bom caráter dos personagens. De um modo ou de outro, depois do frio, o sol volta a aparecer para todos. Pelo menos, o fim da história é coerente com o otimismo do trailer do filme...
Em Curitiba zero grau, a previsão é de tempo bom. Temperatura amena, com sol entre nuvens: uma paisagem tipicamente curitibana.

FICHA TÉCNICA DO FILME: CURITIBA zero grau. Direção de Eloi Pires Ferreira. BRA: Produzido e distribuído por Tigre Filmes e Camarada Filmes; 2012 (105 min); son.

* Verônica Daniel Kobs é professora de Imagem e Literatura do Curso de Mestrado em Teoria Literária da Uniandrade.




quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A mulher na literatura

No dia 25 de setembro de 2012, o evento A mulher na literatura, realizado no Country Club, contou com a presença das professoras Anna Stegh Camati, Brunilda Reichmann e Sigrid Renaux que participaram de uma mesa redonda sobre as autoras Margareth Edson, Katherine Mansfield e P. K. Page. Abaixo uma mensagem da organizadora Liana Leão, uma foto das professoras e uma mensagem de Clarissa Jordão.


Mensagem de Liana Leão:

Queridas Professoras Sigrid, Brunilda e Anny,

Parabéns as três grandes mestras pelas palestras maravilhosas a que tivemos o privilégio de assistir ontem à noite. Foram muitos os elogios. Excelentes as três falas sobre Wit, de Margaret Edson, o conto “Êxtase” (“Bliss”) de Katherine Mansfield, e sobre os Diarios de P. K. Page. Muito obrigada as três e um triplo parabéns.

Em nome de seus alunos, e da plateia de ontem também, agradecemos todo o carinho, dedicação e conhecimento compartilhado. 

Vocês são um contínuo estímulo à pesquisa, três exemplos de como a literatura pode sim fazer a diferença. Qualquer agradecimento fica pequeno diante de tantos caminhos que vocês nos abriram e continuam abrindo a alunos, pesquisadores, professores, colegas.

Já há alguns anos, após se aposentarem da UFPR, vocês mostraram que a união faz a força, conseguindo estruturar e abrir um mestrado bem cotado e uma excelente revista (muito bem cotada na Capes). O esforço, o trabalho de vocês foi fundamental para essas empreitadas serem bem sucedidas. Mais um exemplo de perseverança e de competência. Só podemos aplaudi-las.

Segue a mensagem da professora Clarissa Jordão, da UFPR, que foi lida ontem pela tradutora Martha Schlem antes do início da palestra. As palavras da Clarissa, como disse muito bem a Martha, traduzem a dívida de gratidão dos que foram  seus alunos na graduação e pós-graduação. São hoje professores que se espalham pelo país...

Aproveito para agradecer também a Martha Schlem e Mariza Almeida que, em meio a tantos compromissos, conseguiram comparecer ao evento e inclusive participaram com algumas palavras. Martha, obrigada por ler a mensagem da Clarissa e também por falar sobre sua experiência como aluna. Mariza, muito obrigada por fechar com chave de ouro o nosso evento e falar em nome da UFPR. 

Agradeço em especial ao prof. Paulo Pellissari que dedicou a tarde a compor um texto emocionante, que, tenho certeza, repassou a vocês. Paulo, obrigada também por ter cancelado a aula para poder comparecer a homenagem as mestras. 

Agradeço a todos que compareceram, como a pró-reitora da Tuiuti, prof. Dra. Ana Margarida Taborda, a professora Marcia Becker, a diretora Silvia Camargo, aos familiares e amigos, e a todos os que desejaram, com sua presença, homenagear nossas queridas mestras. 

Espero que consigamos promover novos encontros com essas professoras maravilhosas. Foi um prazer enorme vê-las em "sala de aula" novamente. Foi novamente um grande aprendizado.

Liana Leão


Brunilda, Sigrid e Anna

Mensagem de Clarissa Jordão:

Embora impossibilitada de comparecer fisicamente hoje, gostaria de dizer a todos que estou com vocês em pensamento. E dizendo isso, gostaria de tomar a liberdade de, nesse momento, contar uma grande vantagem, porque vejo que tenho motivos para me sentir um ser privilegiado: tive a grande honra, reservada a poucos, de ser aluna dessas três grandes mestras da literatura na cena curitibana – e isso é razão mais do que suficiente para me sentir iluminada. De fato, creio que eu tenha sido mesmo iluminada por estas três grandes professoras. A elas devo minha carreira acadêmica: a Sigrid, pelo estímulo para continuar os estudos após a graduação, a Brunilda por me aceitar como orientadora no mestrado, e a Anna por me aceitar durante o desespero do fim do mestrado. A todas, devo o apoio que me fez seguir em frente e acreditar em mim. Obrigada, amadas mestras, pelo exemplo de competência, perseverança e humanidade no qual sempre me espelho. Amo vocês. Obrigada por tudo.

Clarissa Jordão