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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A NOVA VERSÃO DA MULHER-MARAVILHA



Profa. Dra. Verônica Daniel Kobs*

O primeiro semestre foi marcado pela estreia do filme Mulher-maravilha (EUA, 2017), de Patty Jenkins, com Gal Gadot e Chris Pine nos papéis principais. O longa, nos Estados Unidos, no fim de semana de 23 a 25 de junho, conquistou o 3o lugar no ranking, tendo arrecadado $ 25,175, o quíntuplo do valor obtido por A múmia, no mesmo período (OMELETE, 2017). De fato, a nova história da heroína amazona, personagem criada em 1941, por William M. Marston, surpreende tanto pela produção quanto pelos temas que compõem o enredo. A história cinematográfica de Diana Prince e Steve Trevor tem início na ilha de Temiscira, para explicar a infância de Diana, sua missão contra o deus Ares e para mostrar o encontro do casal protagonista. São muitos os pontos comuns entre o filme e a HQ. É evidente que a personagem, tendo sido criada durante a Segunda Guerra, é inserida em outro cenário bélico, anterior àquele que lhe originou. Apesar disso, sua função e seu perfil mantêm-se coerentes com a história da personagem. Outro ponto bastante respeitado na versão cinematográfica refere-se à chegada de Steve na ilha das amazonas, a exemplo do que ocorreu na HQ.
As qualidades do longa vão aparecendo, à medida em que a história se desenrola. Nas cenas de luta, o ritmo, os close-ups e o enquadramento têm grande importância, pois mostram a coreografia da batalha em detalhes, além de a ação ser desacelerada em alguns momentos, enfatizando ainda mais o tom descritivo. No enquadramento, verifica-se a tentativa de aproximar as cenas do filme às da HQ, já que, nessa mídia específica, o modo de enquadrar ações e personagens equivale às noções de perspectiva e proximidade provocadas pelo uso da câmera, no cinema. A principal vilã, Doutora Veneno, arquiinimiga da Mulher-maravilha, também não é inventada; ela é resgatada da HQ e adaptada para a grande tela. Porém, a diretora não faz referências apenas ao mundo da heroína do universo DC. Seus companheiros e também a formação da Liga da Justiça integram a história, dando espaço à intratextualidade, no que se refere às produções da DC, tanto nas HQs como nos filmes lançados pela marca, nos dois últimos anos, com ênfase especial ao longa Batman vs. Superman (EUA, 2016). Aliás, ressalte-se que, em 2014, a DC iniciou, no Brasil e nos EUA, um projeto massivo de retomada de marca, intitulado DC Universe Rebirth. Entre as ações previstas para o resgate de histórias e personagens, estão os lançamentos: de Batman vs. Superman, Esquadrão suicida e Mulher-maravilha, nos cinemas; e de Supergirl, Arrow, Flash, Legends of tomorrow e Gotham, na TV, sendo que todas as séries são exibidas no Brasil, pela Warner.
Em se tratando da evolução da personagem Mulher-maravilha, ao longo das décadas, pode-se afirmar que o filme tenta corresponder às diversas fases da heroína. O primeiro exemplo disso é o figurino de batalha. Depois de ter deixado a terra das amazonas, Diana usa uma saia muito curta, contrariando o short justo e cavado que eternizou a personagem de Lynda Carter e homenageando o desenho original, tal como mostra a Figura 1, na qual a super-heroína aparece com uma saia mais longa. Da fase de 1970, quando Diana perde seus poderes, na HQ, a protagonista do filme mantém o perfil filosófico, pois, no longa, ela reflete bastante sobre o mundo dos homens, a vulnerabilidade e a oposição do bem contra o mal. Em 1980, a personagem passou por alteração significativa, na parte física, na HQ. Em conformidade com o culto ao corpo, Diana ganhou um perfil mais musculoso. Esse critério com certeza foi determinante para a escolha de Gal Gadot como atriz principal do filme. Já no século XXI, a heroína inovou no figurino e ganhou uma armadura, para combinar com o escudo e a espada, acessórios que foram inseridos em 1980, mais de 40 anos depois dos originais (o laço da verdade e os braceletes). Esse detalhe foi levado em conta pela produção do filme.
Por fim, chegamos à característica mais importante do filme, a qual justifica o “renascimento” da Mulher-maravilha, em pleno século XXI. Trata-se do empoderamento, assunto atual e que orienta toda a trajetória de Diana, que passa por vários estágios, respectivamente: “power within”, “power over” e “power to” (MOSEDALE, 2016), demonstrando que “empowerment is an ongoing process rather than a product” (MOSEDALE, 2016). Por meio de autoconfiança e autoestima, a personagem se sobrepõe à vontade da mãe, de Steve e dos demais companheiros, para assumir o comando de seu destino e da guerra, ajudando a salvar muitas vidas. “People are empowered, or disempowered, relative to others or, importantly, relative to themselves at a previous time” (MOSEDALE, 2016). Dessa forma, a personagem faz com que as mudanças individuais tenham um efeito coletivo. Com relação a esse tema, é evidente que a origem de Diana já diz muito. Filha de Hipólita e sobrinha de Antíope, ela cresceu na ilha das amazonas. Essa condição pode ser facilmente associada ao empoderamento feminino. Com base em Bachofen, Junito Brandão menciona o amazonismo como a “segunda etapa da ginecocracia”, definida como “o poder” ou “o governo da mulher” (BRANDÃO, 2000, v. II, p. 231). Em razão disso, conforme o mito, acreditava-se que as amazonas “mutilavam o seio direito para que pudessem manejar com mais destreza o arco” (BRANDÃO, 2000, v. II, p. 231). Os objetivos eram bem claros: “[...] combater como um homem em sua luta com o masculino pela independência” e “fortalecer a Grande deusa da matrilinhagem” (BRANDÃO, 2000, v. II, p. 232).
A partir desses pressupostos, percebe-se que o empoderamento feminino é representado, no filme, em dois momentos principais: no início, quando Steve descobre ser o único homem entre as amazonas da ilha; e em Londres, quando Diana é subestimada pelos homens, nas ruas, nos pubs, nos conselhos militares e depois, na frente de batalha. Em uma cena, Steve diz a Diana que não acredita existir um homem capaz de derrotar Ares, o deus da guerra, ao que ela responde: “Eu sou o homem que pode” (MULHER-MARAVILHA, 2017). Esse comportamento de Diana surge também em outros momentos da história, como na sequência em que ela tenta escolher uma roupa mais adequada à tradicional e austera sociedade europeia. Observando os modelos disponíveis, Diana se surpreende com a saia justa e com o espartilho, perguntando: “O que as mulheres usam nas batalhas?” (MULHER-MARAVILHA, 2017). Com essa fala, chegamos ao ápice da representação do empoderamento feminino, no longa: a atuação de Diana no campo de batalha. Conforme observado anteriormente, a adaptação fílmica usou como pano de fundo a Primeira Guerra Mundial, em vez da Segunda. Porém, a alteração não impediu que a diretora tentasse representar a realidade das mulheres na Segunda Guerra, em uma homenagem dupla: à importância das mulheres, nesse período fundamental da história mundial, e à origem da personagem, criada em 1941, em meio ao conflito bélico.


Figura 1: Cena do filme que mostra Diana, em plena guerra, com Steve e o resto  do grupoimagem disponível em: <http://www.planocritico.com>

A cena acima representa a participação ativa das mulheres, na Segunda Guerra Mundial, quando trabalharam “em setores auxiliares, de serviços públicos; como mecânicas, operárias e até mesmo em construções de navios e aviões” (MELLO, 2012). Inclusive, as russas chegaram a servir o exército: “[...] mais de oitocentas mil russas serviam nos exércitos de Stalin. […]. Algumas mulheres serviram como atiradoras […] e, em 1943, um grande número delas concluiu cursos como atiradoras de elite” (HASTINGS, 2012, p. 373). Cite-se, ainda, o depoimento de um membro do exército vermelho russo, o comandante Vasily Grossman, que assim resumiu a Hastings o papel da mulher em tempos de guerra:


                                                  Elas dirigem tratores, cuidam de armazéns, entram em filas para beber vodca. Moças 
                                                  um pouco bêbadas cantam lá fora - despedem-se de uma amiga que servira o 
                                                  exército. As mulheres carregam nos ombros o grande fardo do trabalho. Asmulheres                                                                                dominam. Agora, elas nos alimentam e nos amam. 
                                                  Nós combatemos. E não combatemos bem.(HASTINGS, 2012, p. 374)


A citação encaixa-se perfeitamente no perfil da personagem, no filme. Diana vai à guerra e obriga que os homens lutem e avancem na batalha, conquistando algo que eles esperavam há meses. Vale lembrar que, no final da década de 1970, o Brasil teve sua versão própria da heroína, chamada de Maria Maravilha. A personagem era representada pela atriz Betty Faria, no programa Brasil pandeiro, veiculado na Globo, em 1978. Maria Maravilhava era uma resposta à onda feminista da época. Ela não chegou a lutar em plena guerra, porque o contexto nem permitia isso, mas ela enfrentava filas imensas, sob o sol escaldante e se equilibrando e no salto de sua bota dourada, para sobreviver e garantir o sustento da família.
            De 1941 a 2017, as transformações foram muitas, sempre com o propósito de atender ao contexto e às exigências do público, que abrange várias gerações. Esse vasto período e a legião de fãs que a personagem conquistou, em mais de 70 anos, revelam um dado importante: a permanência da super-heroína, que se reinventa e ressurge, de tempos em tempos. Vida longa à Mulher-maravilha.

REFERÊNCIAS:BRANDÃO, J. de S. Mitologia grega. Vols. I e II. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.HASTINGS, M. Inferno: o mundo em guerra 1939-1945. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.
MELLO, A. As mulheres na Segunda Guerra Mundial: uma breve análise sobre as combatentes soviéticas. Disponível em: <http://www.historiamilitar.com.br/artigo5rbhm9.pdfl>. Acesso em: 24 jul. 2015.
MOSEDALE, S. Policy arena. Assessing women’s empowerment: Towards a conceptual framework. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/261727075 Mosedale_Assessing_women's_empowerment>. Acesso em: 10 out. 2016.
MULHER-MARAVILHA. Direção de Patty Jenkins. EUA: Warner Bros., DC Entertainment, Atlas Entertainment e Cruel & Unusual Films; Warner Bros., 2017. 1 DVD (141 min); son.; 12 mm.
OMELETE. Bilheteria USA. Disponível em: <https://omelete.uol.com.br/bilheteria-usa/>. Acesso em: 26 jun. 2017.
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* Professora do Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Professora do Curso de Graduação de Letras da FAE. Doutora em Estudos Literários pela UFPR. E-mail: veronica.kobs@fae.edu



segunda-feira, 9 de outubro de 2017

HOUSE OF CARDS: A TRILOGIA DE MICHAEL DOBBS

                                                        Prof.ª Dr.ª Brunilda Tempel Reichmann*

Michael Dobbs, hoje Lord Dobbs, atuou como assessor da primeira-ministra Margaret Thatcher (1987), da Inglaterra, e conheceu os bastidores da política britânica em detalhes. Esse conhecimento é revelado na trilogia política que inspirou as séries britânica e norte-americana. O primeiro desses romances, intitulado House of Cards (1989), foi traduzido para o português em 2014, e conservou o mesmo título da versão em inglês. Esse título de sucesso foi repetido nas traduções dos outros dois volumes: House of Cards – xeque-mate (tradução de To Play the King, 1992) e House of Cards – o último ato (tradução de The Final Cut, 1994), ambas de 2016.
Neles, Dobbs recria, com ironia e sarcasmo, os bastidores da monarquia parlamentarista da Inglaterra. Nas séries baseadas na trilogia, atores shakespearianos inserem apartes, como vemos principalmente em Ricardo III e em Otelo, com o personagem Iago. Na trilogia de Dobbs, não há apartes, mas há epígrafes, ou seja, uma possível reconfiguração de apartes – ditos mordazes e picantes, e muitas vezes tragicômicos, sobre a política da Inglaterra. Citamos alguns, retirados da tradução do primeiro volume:

Política exige sacrifício. Sacrifício dos outros, é claro. (p. 33)

Se você tiver que infligir dor, certifique-se de que será uma dor irresistível e esmagadora, assim o outro saberá que você pode lhe fazer mais mal do que ele jamais será capaz de lhe fazer. (p. 38)

Política? Guerra? Como minha esposa constantemente me lembra, não existe diferença entre as duas. (p. 47)

A verdade é como uma garrafa [do melhor] vinho. Com frequência você a encontra no canto mais escuro da adega. (p. 55)

Mas no fundo, no fundo [Westminster] ainda é um pântano. (p. 99)

O mundo de Westminster é movido por ambição, exaustão e álcool. E tesão. Especialmente tesão. (p. 137)

“Política”. A palavra vem do grego antigo. “Poli” significa “muitos”. E “tica” vem de “ticaca”, algo sem valor, pequeno. (p. 164)

Todos os membros de um Gabinete são tratados como Corretos e Honoráveis Cavalheiros. Há apenas três coisas erradas num título como esse... (p. 186)

Um político não deve gastar tempo demais pensando. Isso tira a atenção que ele deve manter em vigiar sua retaguarda. (p. 199)

A beleza está nos olhos de quem vê. A verdade está nas mãos de seu editor. (p. 221)

A crueldade, de qualquer natureza, é imperdoável. Portanto, não faz sentido algum ser cruel pela metade. (p. 288)

Mentir sobre a própria força é a marca da liderança; mentir sobre os próprios erros, a marca da política. (p. 299)

Se por um lado, as epígrafes dos três volumes levam o leitor a hesitar entre a comicidade e a tragicidade da narrativa, emaranhadas na vida pública e privada, tão próprias do dramaturgo inglês, por outro, elas afinam o ouvido do leitor à voz e planos do primeiro-ministro Francis Urquhart, tornando mais fácil a aceitação das vilanias cometidas ou a serem cometidas pelo protagonista. A narrativa de Dobbs é construída de forma episódica, mas, nos dois primeiros volumes, conserva a linearidade.  Se esses romances não exigem uma maior participação do leitor como coautor da narrativa, o terceiro volume, por outro lado, exige uma atenção redobrada pela intercalação de episódios que remetem a um passado longínquo, vinculado ao protagonista, à participação de novos personagens e à utilização de relatos históricos, ficcionais ou não. A narrativa caminha, portanto, num crescendo de intensidade dramática e apresenta um final ousado, inesperado, surpreendente e bombástico no terceiro volume.
House of Cards (Livro 1) revela que, não importa o país, a dissimulação, a intriga, a traição e a criminalidade reinam nos bastidores do poder. Ao ajudar a eleger o primeiro-ministro fictício que sucede a Margaret Thatcher, impulsionado pelo instinto de vingança por não ter sido mantida a promessa de um cargo no gabinete, Francis Urquhart, vice-líder da bancada conservadora do Parlamento inglês, promete vingar-se e trabalha para a desmoralização e queda do primeiro-ministro que ajudara a eleger. Ele tem nas mãos os políticos do país e está disposto a tudo para se tornar primeiro-ministro. Mortima, sua esposa, companheira, incentivadora e cúmplice, aparece pouco no romance. Eles têm um casamento aberto, sem cobranças. Afastam-se de casos ou amantes em época de campanha. Mattie Storin é uma jovem repórter investigativa, amante do vice-líder, com um talento especial para descobrir a verdade atrás dos fatos. Quando ela se depara com uma teia escandalosa de intriga, corrupção financeira e assassinato, ela ameaça revelar a verdade e paga com a vida pela ousadia de enfrentar Urquhart. Sobre a estreia da trilogia de Dobbs, York Evening Press escreve: “Francis Urquhart é um dos grandes personagens da ficção atual”. The Independent diz: “Esta história, sangrenta, cínica e tão semelhante à vida real, certamente possui uma marca de autenticidade... um grande triunfo” e The Times resume: “O timing [de Michael Dobbs] é impecável” (comentários incluídos na quarta capa do romance). 
House of Cards – xeque-mate (Livro 2): depois de pavimentar sua escalada ao poder, o primeiro-ministro recém-eleito, Francis Urquhart, tem que lidar com o Chefe de Estado. A monarquia na Grã-Bretanha fica, então, sob escrutínio do primeiro-ministro, que ameaça expor segredos reais quando seus planos são questionados pelo rei idealista. As diferenças de opinião entre Urquhart e o rei rapidamente se transformam em hostilidade aberta. A batalha entre os dois é travada, pelo lado de Urquhart, com pesquisas de opinião fraudulentas, manchetes manipuladas, escândalos sexuais e ameaça de desastre econômico, ao mesmo tempo que se empenha em destruir não somente a família e os amigos do rei, mas o próprio rei. A peças “do jogo de xadrez” são cuidadosamente movimentadas no jogo de poder entre Urquhart e o rei até o xeque-mate. Sobre este segundo volume, The Times registra: “Com um amigo como Michael Dobbs, quem precisa de inimigos? Seus livros prendem a atenção por conta de toda a autenticidade que deixam transparecer – ele realmente sabe do que está falando”. Sunday Express comenta: “Michael Dobbs tem uma incrível habilidade de prever o futuro. Uma história fascinante cujo fim deixaria o Palácio de Buckingham de cabelos em pé” (comentário incluídos na quarta capa do segundo romance). 
House of Cards – o último ato (Livro 3): Francis Urquhart está prestes a ser o primeiro-ministro que permanece, no século XX, por mais tempo na função, mais do que os 4227 dias de Magaret Thatcher. No entanto, o povo inglês está cansado dele, e o movimento para forçá-lo a afastar-se cresce continuamente. Ele, no entanto, ainda não está pronto para deixar o poder. Se o público exige sangue novo, é precisamente isso que vai lhes dar. O Francis Urquhart deste volume é mais vulnerável e cruel. Após dez anos como chefe do governo, ele é constantemente visitado por fantasmas do passado: a visão e o som que acompanham a queda da jornalista e amante Mattie Storin do terraço do Parlamento, 10 anos antes, perpetrada por ele, e a visão e o cheiro dos corpos de dois adolescentes cipriotas, ao serem queimados vivos, há cerca de 40 anos, o atormentam. A crueldade do jovem tenente Urquhart, então com 23 anos, realmente não tem limites: ele queima os corpos de George e Alcides Passolides (15 e 13 anos, respectivamente), embebidos em gasolina. George e Alcides eram irmãos de Evanghelos Passolides que, no presente da narrativa, mora na Inglaterra e cujo objetivo na vida é descobrir quem assassinou seus irmãos e onde seus corpos estão enterrados. Os adolescentes mortos, George e Alcides, são também os tios de Maria Passolides que, no final do romance, está envolvida emocionalmente com Tom Makepeace, Secretário de Estado do Exterior, adversário de Urquhart nas últimas eleições.
Nesse último volume, Urquhart arrisca tudo, pois está certo de uma coisa: qualquer que seja o resultado, seu nome entrará para a história. E, no final, mesmo debilitado e vulnerável, ele destrói, com um golpe de mestre, o candidato já praticamente eleito como seu sucessor. Sobre esse terceiro volume The Times comenta: “Um ótimo entretenimento. O personagem de Urquhart é uma pérola, e os incríveis jogos em que ele se envolve continuam prendendo a atenção do leitor”. Sunday Express afirma: “Magnífico [...] Não falta nada a este livro” e Sunday Telegraph complementa: “Um retorno triunfante [...] O melhor livro da trilogia. A ação é incansável, a caracterização é perfeita e as irônicas alfinetadas nos políticos e na política são incrivelmente precisas. F.U. é uma brilhante criação” (comentários incluídos na quarta capa do terceiro romance).
                                                                                    *Professora do Curso de  
                                                                                     Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Robert Crumb: um seguidor dos beats?

                                                                                                                                       
                                                                                                                  *Prof. Dr. Luiz Zanotti

O escritor, músico e cartunista americano Robert Crumb (1953-), que criou o controvertido Fritz the Cat, iniciou a sua carreira na empresa American Greetings onde desenhava cartões comemorativos, apesar de sua personalidade “outsider” que nunca aceitou estes tipos de convenções. Crumb é autor de uma vastíssima obra composta de romances gráficos, cartuns, desenhos, coletâneas de jazz, etc. Sua obra tem grande influência do movimento da contracultura que ocorreu na década de 1960, um fenômeno cultural anti-establishment que se desenvolveu primeiro nos Estados Unidos e no Reino Unido, e depois se espalhou por grande parte do mundo ocidental.
Este movimento esteve ligado ao desenvolvimento dos  direitos civis afro-americano, à expansão da intervenção militar do governo dos EUA ao Vietnã, à liberdade sexual, à música psicodélica e os seus grandes festivais, aos direitos femininos, aos modos tradicionais das autoridades, à experimentação com drogas psicoativas como o LSD, às interpretações divergentes do sonho americano, entre outros, atividades, que, de certa forma, remontam à filosofia beat dos anos 50.
Neste contexto, Crumb, que desde pequeno amava as animações de Walt Kelly e os Irmãos Fleischer, começou a desenhar e se transformou no temerário cartunista que desafiou as normas para introduzir um cartoon de cunho extremamente sexual, que chocou profundamente a conservadora sociedade americana dos anos 60 que reservava as histórias em quadrinhos para as crianças.
Seus trabalhos o colocaram como o mais popular cartunista entre o final dos anos 60s e os anos 70s com o seu humor satírico e conteúdo explicitamente sexual. Crumb, é se duvida, um dos mais criativos artistas que encenou na cena dos “comics underground”. Entre as sua criações destaca-se Mr. Natural, cuja primeira aparição esta no primeiro numero de ‘Yarrowstalks’. A personagem tem poderes mágicos e hábitos sexuais pouco convencionais. Na seqüência, Crumb cria a personagem, “Fritz o gato” uma imagem antropomórfica que vai viver aventuras selvagens, geralmente de natureza sexual. Este cartum se tornou muito popular com presença em revistas como Help!’ e ‘Cavalieri’.
 É importante notar que toda esta criação tendo como motivo a sexualidade está de acordo com as premissas da “redescoberta do corpo” na contemporaneidade, um corpo que havia sido abandonado pela filosofia do “Penso, logo existo” de René Descartes, e que é resgatado pela filosofia de Friedrich Nietzsche.  A partir dessa necessidade de se perceber o corpo como mais uma das possibilidades de obtenção de entendimento e também do conceito de “ser-no-mundo” formulado por Martin Heidegger, o teórico alemão Hans Ulrich Gumbrecht apresenta o conceito de “produção de presença”. Tal conceito vaticina que essas “coisas do mundo” podem ser mais que uma simples atribuição de um significado metafísico e que o impacto dessas coisas podem ir além da razão, perpassando todo o nosso corpo físico.
Gumbrecht propõe uma tipologia que identifica alguns diferentes tipos de apropriação-do-mundo pelo corpo como por exemplo “Comer as coisa do mundo” e “Penetrar coisas e corpos”. “Penetrar coisas e corpos” está claramente ligado à sexualidade, elemento que já pode ser verificado na obra do poeta beat Allen Ginsberg em seu poema Uivo:

que se deixaram ser enrabados por motoqueiros
beatíficos e gritaram com prazer
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins humanos, os
marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cai da tarde em roseirais, na
grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-
mente seu sêmem para quem quisesse vir,

 Desta forma, podemos verificar que a obra de Crumb, assim como todo o movimento da contra cultura tem a sua origem na denominada geração beat, que teve entre os seus principais articuladores, escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Assim, como estes autores, Crumb também traz a “redescoberta do corpo”, o descrédito à sociedade americana do sucesso e sua normalidade, a não aceitação de suas normas, o credo numa existência livre, mesmo que tivesse que pagar o alto preço de ser considerado um “outsider”. Os seus desenhos, como teremos oportunidade de analisar, refletem toda dificuldade em se manter no seio desta sociedade.
Dentre seus diversos trabalhos, como podemos verificar na figura 1, ele ilustrou a capa de diversos álbuns de musica para as empresas Yazoo Records e Blue Goose Records, sendo os mais importantes as suas ilustrações para os álbuns de Janis Joplin ‘Cheap Thrills’ e do grupo Greateful Dead ‘The Music Never Stopped: Roots of the Grateful Dead’.

                                           Figura 1. Capa do disco de Janis Joplin

Crumb na capa do disco de Joplin já demonstra toda a importância do corpo, que como vimos, foi por muito tempo esquecido pela filosofia moderna. As imagens do corpo de Joplin, apesar de ter uma estrutura física voluptuosa, é representada por uma mulher com seios fartos e coxas grossas. A proximidade de Crumb com Joplin deve também ter se dado pelo fato do inconformismo da cantora com a sociedade americana, assim como aconteceu na geração beat.

* Professor do Curso de
Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE