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terça-feira, 28 de abril de 2015

TRIBOBÓ CITY



Luiz Zanotti*

A peça infantil “Tribobó City” escrita em 1971 pela autora Maria Clara Machado tem como tema, o eterno duelo entre o bem e o mal, desenvolvido na forma de um faroeste musical. O enredo conta que na cidade fictícia de Tribobó City, o prefeito Gedemar White cerca-se de um bando de corruptos para conseguir ficar com o ouro que foi descoberto na região da cidade por onde passaria uma estrada de ferro. Desta forma, o prefeito procura enganar a população, forjando uma história, onde a herdeira desta terra, cujo avô teria doado para a construção da estrada de ferro, teria mudado de idéia e estabeleceria no local um asilo para caubóis aposentados.
Pois bem, o prefeito para conseguir o seu intento, determina ao vilão Maronete que seqüestre a verdadeira herdeira, que ele sabia que chegaria na cidade, vinda do exterior e coloque uma trapaceira que vai se passar por ela, confirmando a mudança de planos em relação às terras. Acontece, que o mocinho acaba por encontrar a verdadeira herdeira presa num quarto do hotel-cassino. A trama vai se desenvolvendo com o bando de corruptores se desdobrando em dois grupos antagônicos, sempre com o objetivo de cada um dos malfeitores ficar com todo ouro só para si, dando início a uma luta divertida entre mocinhos e bandidos que termina num “Gran Finale”, quando o mocinho acaba por desmascarar o plano e os bandidos brigam e se exterminam mutuamente.
A autora escolhe a luta entre o bem e mal como um assunto que pode ser facilmente desenvolvido com as crianças, buscando transmitir valores tais como a solidariedade, a amizade e a coragem. Outro dado importante, além da escolha do tema, está na forma da peça, construída através de diálogos rápidos, com uma perfeita distribuição de picos de atenção que evitam que o público infantil desvaneça ou perca o fio da meada.
 Entretanto, esta estética baseada na recepção que tem como principal aspecto um texto bem construído, estaria contribuindo para a formação da criança como um cidadão livre, ou seria tão somente uma função utilitária de reafirmação dos valores burgueses? Em outras palavras, estaríamos frente a um discurso instrumental ou um discurso utilitário. Como nos ensina, Edmir Perroti1 nos dois discursos, a estética está sempre valorada ideologicamente, porém se no discurso instrumental existem várias possibilidades de apreensão do mesmo, no discurso utilitarista a ideologia é sua própria essência.
Para Adorno, apesar não existir a pureza absoluta na arte (a arte pela arte), o discurso instrumental (ou engajado) deve ser distinguido do discurso utilitário (ou tendencioso), no sentido que no primeiro o artista ao buscar a arte e, portanto, a inovação, transforma o seu próprio discurso plurissignificativo e ambíguo, ou seja, um discurso estético não unívoco enquanto o discurso tendencioso se resume a um discurso fechado, onde a verdade do autor predomina sobre os demais fatores.
Sartre fala da atitude compromissada do autor em relação à realidade.A palavra é uma arma que deve ter como meta a libertação do indivíduo em relação à alienação, deve servir de instrumento para desvelar o mundo e trazer a responsabilidade, transformando-o em um cidadão livre.
Partindo-se desta breve discussão, nos parece, que a peça Tibobó City reduziu-se a um mero utilitarismo que busca convencer o público infantil do ponto de vista do autor, onde o bem sempre vence o mal numa relação dicotômica, que não possibilita a presença de híbridos, que com certeza, são muito mais presentes na realidade. Esta classificação antinômica pode ser percebida na personagem Maria Belezoca, que na verdade, não é nem boa, nem má - e guarda grandes semelhanças com personagens picarescos como é o personagem João Grilo em “O auto da compadecida”  que tem a necessidade subverter a ordem para sobreviver.A autora, de uma forma dogmática e, portanto, utilitária, prefere colocar Maria Belezoca no mesmo saco dos “malvados” que são castigados com a morte no final.
Esta forma de discurso, como no lembra Perroti, implica na inferiorização do destinatário face ao autor que possui toda a “Verdade”. Neste panorama, o autor acaba por se transformar num porta-voz da burguesia, numa ideologia que pode ser observada a partir da escolha do tema “faroeste” (influência da cultura norte americana) e da farta utilização do vocabulário inglês.
Enfim, neste contexto, a literatura infantil fica reduzida a uma lição moral, com a narrativa monológica de Maria Clara imprimindo um ritmo onde o bem sempre vence o mal, evitando que a arte estimule algo que não convenha à classe dentro de um duvidoso conceito que a arte pode mudar o mundo.

* Luiz Zanotti é Professor do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE, em Curitiba.

1. Perroti, E.-“O texto sedutor na literatura infantil”, 1986, Editora Ícone, São Paulo.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

“DICAS” DO MESTRADO - Entrando em férias antes do prazo: uma questão de planejamento



Brunilda Reichmann*

É de conhecimento geral entre os docentes e discentes do curso de Mestrado que a CAPES recomenda que a conclusão do curso se dê, no máximo, em 24 meses. Esse é um dos itens, entre muitos outros, que eleva a pontuação do curso, conforme informações frequentemente discutidas pelos docentes da Pós-Graduação stricto sensu: 24 meses para mestrado; 48, para doutorado.

Resolvi, portanto, oferecer aos meus alunos de Mestrado, no início do ano letivo, uma tabela retroativa para que possam visualizar como poderiam reduzir os 24 meses para 22 e entrar em férias na metade do mês de dezembro do segundo ano letivo.

Imaginemos um calendário, partindo da data das tão sonhadas férias: 15 de dezembro (no segundo ano). Se o primeiro ano letivo tem início em março, e o plano do discente é entregar a cópia final da dissertação em meados de dezembro do segundo ano, ele deve retroagir 60 dias (prazo estipulado entre a defesa e a entrega do texto final), para marcar sua defesa. A defesa seria então em 15 de outubro. Para que a dissertação possa ser defendida em outubro, a banca deverá receber a dissertação em 15 de setembro (o prazo para a leitura da dissertação é de 01 mês). Digamos que as recomendações feitas durante o exame de qualificação levem 03 meses para serem incorporadas à dissertação – há trechos a serem trabalhados, sugestões a serem inseridas, colocações a serem aprofundadas ou alteradas, trechos a serem eliminados... três meses estaria de bom tamanho. Portanto, o Exame de Qualificação deveria acontecer em 15 de julho (mês de férias... professores estarão disponíveis para a banca? Caso estejam, tudo bem; caso não estejam, a data terá que ser antecipada para final de junho. Sejamos otimistas, os professores poderão participar da banca do Exame de Qualificação no dia 15 de julho do segundo ano letivo). Mas esses mesmo professores têm o prazo de 01 mês para ler o texto e isso nos leva à data em que a primeira versão do texto deveria estar pronta: 15 de junho. Minha gente, isso quer dizer que desde a escolha do orientador, seis meses depois do início do curso, orientandos e orientadores devem trabalhar juntos para que ambos possam entrar em férias no dia 15 de dezembro do segundo ano letivo, reduzindo assim de 24 para 22 meses o tempo necessário para o mestrando conseguir o grau de Mestre.

Segue um esquema desse texto “tortuoso”, seguindo, agora, uma ordem cronológica não- retroativa.

Primeiro ano letivo:
Março: início das aulas

Segundo ano letivo:
15 de junho: entrega da primeira versão da dissertação para os membros da banca do Exame de Qualificação
15 de julho: Exame de Qualificação
15 de setembro: entrega da dissertação para os membros da banca de Defesa
15 de outubro: Defesa
15 de dezembro: entrega de três cópias encadernadas da dissertação e do arquivo em PDF para a secretária do Mestrado

Gente, é isso, simples assim!?

* A Profª Brunilda Reichmann é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE, em Curitiba.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

TENSÃO E EQUILÍBRIO



Otto Leopoldo Winck*

Só existe transgressão onde há lei. Numa sociedade cada vez mais anômica (e anônima) as transgressões tendem a ocorrer cada vez mais apenas dentro de comunidades relativamente fechadas, com rígidos códigos de conduta, entre as quais se destacam, em suas múltiplas variantes, as religiões abraâmicas: judaísmo, cristianismo e Islã. Entre os preceitos dessas religiões, há todo um espaço especial para as regulações do corpo, com uma série de interdições e anátemas. Daí o erotismo, que é a transgressão da sexualidade, quando ela extrapola as funções meramente reprodutivas nas quais os mandamentos tentam amarrá-la. Disse Georges Bataille: “O conhecimento do erotismo e da religião exige uma experiência pessoal, igual e contraditória, da proibição e da transgressão.” E se este erotismo é por acaso um homo-erotismo, a transgressão é dupla, sobretudo quando ela se manifesta num contexto de rigor religioso. A abordagem literária desses temas, o do encontro/confronto entre fé e (homo)erotismo, está longe de ser nova, mas não são não poucos os perigos que nela se encontram.
            O gaúcho Rafael Ban Jacobsen, em seu mais recente romance, Uma leve simetria (Não editora, 2009, 224 páginas), não hesita diante desse desafio. O livro trata do amor de dois adolescentes (outra transgressão!): Daniel, o narrador-protagonista, e Pedro, dois membros de uma pequena comunidade judaica numa metrópole não nominada. Daniel é um judeu devoto, freqüentador assíduo das Escrituras e da sinagoga. Pedro, como o seu nome cristão dá a entender, não partilha o mesmo entusiasmo, para desgosto de sua mãe, uma das lideranças da comunidade. Fugindo aos estereótipos, a história dessa paixão é narrada com uma delicadeza, uma finesse hoje rara na literatura brasileira, onde “transgressão” muitas vezes é confundida com escatologia e brutalismo. Ao contrário, Uma leve simetria é escrita numa linguagem sóbria, equilibrada, não raro poética, mas sem cair nesse gênero pantanoso que é a “prosa poética”. Vejamos um exemplo colhido entre tantos:

Consumi as horas restantes até o amanhecer em passos noctâmbulos pelas ruas fatigadas do gueto. (...) A claridade surgiu em rajadas imprecisas, amaciando a rigidez do ébano celeste até, por fim, desmanchá-lo em manhã (p. 169).

Rafael logra escapar às armadilhas desse empreendimento, fugindo de transformá-lo num libelo ou num panfleto. Afinal, não se faz boa literatura com boas intenções, já dizia Gide. Além disso, seus personagens não são tipos, mas pessoas complexas, “redondas”. Por exemplo: ao final do “caso”, vemos Daniel à frente do conselho da sinagoga. Isto é, ele não se torna nem um “convertido”, pois não renega jamais o seu passado e sua condição, nem um “excomungado”, pois continua engajado em sua comunidade, um dado que pertence tanto a sua constituição identitária quanto a sua história com Pedro. Desse modo, o autor se esquiva de duas saídas demasiado óbvias e fáceis. 
Além disso, intercalado no romance, uma outra história é contada, ou melhor, recontada: a história da intensa amizade entre o Jovem Davi e Jonatã. Esta história bíblica, cheia de subentendidos, é recriada também com delicadeza e primor, servindo de espelho e contraponto ao drama vivido por Daniel e Pedro.
Todavia, se o entorno temático é judaico, ou melhor, mergulhado na atmosfera étnico-religiosa do judaísmo contemporâneo, com seus ritos, sues costumes e seu jargão (inclusive no final há um glossário), a estrutura da fabulação é grega, isto é, exata e rigorosa como uma tragédia helênica. Podemos inclusive afirmar que a história, dionisíaca, vem contrabalançada não só por uma linguagem elegante mas por uma estrutura apolínea. E nesta simetria, neste tenso equilíbrio entre interdição e pathos, vertigem e rigor, Uma leve simetria se revela como um ponto alto em nossa recente ficção narrativa.

* Otto Leopoldo Winck é doutor em Estudos literários e autor do romance Jaboc. Professor do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade - UNIANDRADE, e do Curso de Letras da PUCPR, em Curitiba.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE “QUASE UMA ELEGIA” DE JOSEF BRODSKI



Sigrid Renaux*

Após haver guardado um artigo de jornal por muitos anos, ele ressurge – numa dessas arrumações que nós, professores/leitores, fazemos a contragosto – motivando-me a comentá-lo, pois seu título e subtítulo imediatamente me remeteram ao nosso Mestrado em Teoria Literária:  “A utilidade da poesia: Josef Brodski mostra como transformar teoria em ação poética em ‘Quase uma Elegia’” (Folha de S.Paulo, 04/02/1996), de autoria de Aurora F. Bernardini (USP). A publicação deste artigo na data indicada se deve ao fato de Brodski, Prêmio Nobel de Literatura de 1987, ter falecido uma semana antes em Nova York. 




http://www.quote2day.com/category/joseph-brodsky/

Nascido em Leningrado em 1940 (atualmente São Petersburgo), foi acusado de ser “um parasita social” em 1964 e condenado pelo governo da União Soviética a cinco anos de exílio e a trabalhos forçados na Sibéria. Expulso da União Soviética em 1972, exilou-se nos Estados Unidos, onde viveu o resto de sua vida.Tornou-se cidadão norte-americano e um dos poetas mais importantes dos Estados Unidos como também da Rússia, escrevendo poemas em inglês e em russo. Em 1977, após haver publicado “Belle Époque”, ganhou o título de doutor em literatura pela Universidade de Yale. Foi também professor nas universidades de Nova York e de Michigan.
Como comenta Bernardini, a pergunta “sintomaticamente acintosa” formulada pelo juiz no processo de Leningrado em 1964 “Qual é a utilidade de seus ‘assim chamados’ versos?” foi respondida, na ocasião, com êxito escasso. Entretanto, as respostas do poeta – reelaboradas vinte anos mais tarde – tornaram-se os pressupostos teóricos de sua obra, vindo a constituir uma síntese de reflexões sobre a arte, na coletânea de ensaios “Menos que um” (São Paulo: Companhia das Letras, 1994) e no discurso de aceitação do Prêmio Nobel.
Bernardini discorre a seguir sobre alguns pontos do pensamento de Brodski que aproximam a arte da poesia com a filosofia: 

Uma vez que o significado privilegiado da existência humana é, no entender do poeta, a aquisição de um rosto não comum, (a especifização (sic) da vida de cada um) e sendo a diversidade humana justamente a razão de ser da literatura, que estimula o sentido da unicidade do homem e o transforma de animal social em eu autônomo, decorre que a estética é a mãe da ética, ou seja, em sentido antropológico: antes de ser uma criatura ética, o ser humano é uma criatura estética. E ainda, mais especificamente, se aquilo que nos diferencia dos outros animais é a palavra e sendo o poeta o instrumento de que se serve a língua para existir e renovar-se, a poesia – enquanto realização suprema da palavra – é a meta de nossa espécie. Se o lirismo é quem faz sobreviver uma obra de arte, o lirismo é a ética da linguagem. (Grifos meus)

A afirmação “antes de ser uma criatura ética, o ser humano é uma criatura estética” dá uma nova dimensão não só à arte da palavra, ou seja, à poesia, mas à arte como um todo, como “produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana” (Houaiss). Ou seja, para Brodski, a reflexão do homem a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico é anterior à sua posição ética. E, mais ainda, ao afirmar que “Se o lirismo é quem faz sobreviver uma obra de arte, o lirismo é a ética da linguagem”, Brodski coloca a subjetividade e as formas que deixam transparecer o estado de alma do autor como sendo a essência das normas e valores presentes numa realidade social expressos no texto poético.
Como prossegue Bernardini,

Quanto mais rica for a experiência estética, tanto mais segura será a escolha moral e tanto mais livre o homem. Daí o famoso dito de Dostoiévski de que a beleza salvará o mundo. A arte anima a realidade e corre paralela à história. Os poetas dizem a história por meio de sua linguagem progressiva. A literatura é o antídoto que temos contra a lei da jângal: uma existência que ignora os critérios propostos pela literatura é uma vida inferior. (grifos meus)

Ao vincular a experiência estética à escolha moral do homem, e, mais ainda, ao afirmar que se ignorarmos os critérios propostos pela literatura estaremos nos igualando à lei da floresta selvagem, Brodski reforça a precedência da estética sobre a ética, da arte sobre as normas e valores humanos, pois é “a beleza que salvará o mundo”(da obra O Idiota).
No último trecho em que parafraseia Brodski,  Bernardini escreve: 

Recorremos à poesia por razões inconscientemente miméticas. Por utilizar o modo analítico de cognição, mas orientar-se principalmente para os modos da intuição e da revelação, o exercício poético é um acelerador de consciência. Enfim, literalmente: “A sociedade, maioria por definição, presume ter outras opções que não sejam as de ler versos, por mais bem escritos. Ao deixar de ler versos, entretanto, arrisca-se a cair naquele nível de elóquio em que uma sociedade é presa fácil de demagogos e tiranos”.   (grifos meus)

Se a poesia, portanto, é recriação da realidade, por meio da intuição e da descoberta, e a atividade poética energiza nossos sentimentos e conhecimento, ao deixarmos de ler versos nos tornamos presas fáceis do discurso de demagogos e tiranos.
Apesar de não termos tido acesso direto à “Quase uma elegia” (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, trad. de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher), esgotada, acreditamos que esta introdução de Bernardini à obra de Josef Brodski, seja de uma perspectiva literária ou filosófica, nos instiga à leitura de sua obra poética que, segundo Bernardini, “não somente sustenta a teorização do autor, mas, para usar um termo que ele haveria de repudiar de imediato, a torna dialética”. 

 * Sigrid Renaux é Professora do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade, em Curitiba.