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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

A REINVENÇÃO DO ESCRITOR. DO LEITOR; DOS COSTUMES E DA LÍNGUA.


Prof. Mail Marques Azevedo

Tomamos por empréstimo a Sérgio Sá o título, A reinvenção do escritor, da obra em que discute o périplo do escritor nos dias atuais. O subtítulo, literatura e mass media, esclarece o tema da discussão. O autor enfatiza a tendência atual de vivermos a cultura do videoclip e nos curvarmos às demandas de marketing por resultados imediatos:“rápida renovação, sucesso efêmero, sensação imediata, pura estimulação” (SÁ, 2010, p. 16). Neste cenário a literatura deve buscar alternativas a fim de sobreviver. O escritor está dividido entre a necessidade de entreter, a fim de chegar mais próximo do público (o entretenimento é o objetivo profundo e irrefutável do mundo da mídia), e a tentação da experimentação literária (e, consequentemente, a opção de permanecer fora dele).

Quanto aos subtítulos desta página [a reinvenção] do leitor; dos costumes e da língua ─ de criação própria, decorrem da observação das transformações que se processam no indivíduo como leitor, nos seus costumes e na sua língua de comunicação. Desde que o mundo é mundo, o homem experimenta, cria, imita, transforma, num processo inexorável de evolução em que se cria o novo pela absorção e transformação do já existente.

Tal processo de absorção e transformação constitui, em última análise, o fulcro da abordagem intermidiática de crítica literária, baseada nas relações entre mídias ou “midialidades”: textos impressos, cinema, televisão, comicstrips, vídeo games, animação e outras. Irina Rajewski aponta que a relação entre mídias, que a convenção determina serem distintas, é estabelecida com base na possibilidade de evocar, num receptor, aqueles modelos midiáticos específicos que lhe vêm à mente. A relação autor-leitor, portanto, é via de mão dupla: o primeiro busca diferentes meios que o aproximem do leitor de hoje, nutrido desde a infância nas mídias audiovisuais; por outro lado, espera-se que o leitor identifique os modelos midiáticos sugeridos pelo texto.

A reinvenção dos costumes é patente. Perdem-se nas brumas do passado, os jogos de amarelinha, as canções de roda, as pandorgas, substituídos por celulares, Ipods, Ipads, vídeo games e quejandos.(Será que alguém ainda sabe o que são “pandorgas” e “quejandos”?)

Neste ponto, a reinvenção da língua está mais do que clara. É evidente que o nosso português absorve, sem a menor cerimônia, palavras de outras línguas, ao mesmo tempo em que descarta as próprias. As que estão destacadas no texto revelam de imediato sua origem na língua inglesa. Existem outras, no entanto, de tal modo arraigadas em nosso discurso cotidiano que nem nos ocorre questionar de onde vieram.

Fiquei surpresa  ao ler o texto “Clientela ideal” de J.R. Guzzo, na revista Veja,§ que revela a origem de algumas palavras de uso corrente no português do Brasil: otário, afanar, engrupir, embromar, cambalacho, bacana, bronca, fajuto, punguista, fuleiro, grana, gaita, escracho, cana, tira, lábia, patota, cabreiro, pirado, barra-pesada etc.

Tais palavras, explica o articulista, vêm do lunfardo ou “lunfa”, linguajar que surgiu, aparentemente, nos fins do século XIX, “como meio de comunicação entre presidiários, criminosos em geral, proxenetas, vigaristas, batedores de carteira, vadios e outros malvivientes do submundo de Buenos Aires”. Chegaram ao Brasil via cais do Porto de Santos e Praça Mauá, no Rio de Janeiro e se incorporaram à língua. Note-se que todas foram aceitas por meu computador, exceção feita a “engrupir”.

E daí, a que conclusão chegamos?As conclusões do articulista não são muito lisonjeiras para o caráter dos brasileiros, a “clientela ideal”.  Certamente a opinião dos leitores de Guzzo, ou deste modesto comentário, estarão divididas: uma avaliação positiva indicaria o caráter democrático do brasileiro, pronto a absorver novidades e fazer seus instrumentos e ideias vindos de fora; uma avaliação negativa, penso, apontaria os excessos desse mesmo caráter democrático, pouco criterioso na adoção do novo.

Se o mundo de hoje exige a reinvenção do escritor, em função da reinvenção do leitor, bem como a reinvenção do leitor, de seus costumes e de sua língua, em função das modificações céleres da cultura dos grupos sociais, qualquer que seja nossa opinião pessoal, tais reinvenções estão aí para ficar.

 

REFERÊNCIAS

RAJEWSKI, I. A fronteira em discussão: o status problemático das fronteiras midiáticas no debate contemporâneo sobre intermidialidade. In: DINIZ, T.F.N. & VIEIRA, A.S. (Org) Intermidialidade e estudos interartes: desafios da arte contemporânea. Belo Horizonte: UFMG, 2012, p. 51-73.

SÁ, S. A reinvenção do escritor. Literatura e mass media. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

 



§GUZZO, J.R. Clientela ideal. Veja. 16 de outubro de 2013, p. 130. 
 

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