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quinta-feira, 2 de abril de 2015

CONSIDERAÇÕES SOBRE “QUASE UMA ELEGIA” DE JOSEF BRODSKI



Sigrid Renaux*

Após haver guardado um artigo de jornal por muitos anos, ele ressurge – numa dessas arrumações que nós, professores/leitores, fazemos a contragosto – motivando-me a comentá-lo, pois seu título e subtítulo imediatamente me remeteram ao nosso Mestrado em Teoria Literária:  “A utilidade da poesia: Josef Brodski mostra como transformar teoria em ação poética em ‘Quase uma Elegia’” (Folha de S.Paulo, 04/02/1996), de autoria de Aurora F. Bernardini (USP). A publicação deste artigo na data indicada se deve ao fato de Brodski, Prêmio Nobel de Literatura de 1987, ter falecido uma semana antes em Nova York. 




http://www.quote2day.com/category/joseph-brodsky/

Nascido em Leningrado em 1940 (atualmente São Petersburgo), foi acusado de ser “um parasita social” em 1964 e condenado pelo governo da União Soviética a cinco anos de exílio e a trabalhos forçados na Sibéria. Expulso da União Soviética em 1972, exilou-se nos Estados Unidos, onde viveu o resto de sua vida.Tornou-se cidadão norte-americano e um dos poetas mais importantes dos Estados Unidos como também da Rússia, escrevendo poemas em inglês e em russo. Em 1977, após haver publicado “Belle Époque”, ganhou o título de doutor em literatura pela Universidade de Yale. Foi também professor nas universidades de Nova York e de Michigan.
Como comenta Bernardini, a pergunta “sintomaticamente acintosa” formulada pelo juiz no processo de Leningrado em 1964 “Qual é a utilidade de seus ‘assim chamados’ versos?” foi respondida, na ocasião, com êxito escasso. Entretanto, as respostas do poeta – reelaboradas vinte anos mais tarde – tornaram-se os pressupostos teóricos de sua obra, vindo a constituir uma síntese de reflexões sobre a arte, na coletânea de ensaios “Menos que um” (São Paulo: Companhia das Letras, 1994) e no discurso de aceitação do Prêmio Nobel.
Bernardini discorre a seguir sobre alguns pontos do pensamento de Brodski que aproximam a arte da poesia com a filosofia: 

Uma vez que o significado privilegiado da existência humana é, no entender do poeta, a aquisição de um rosto não comum, (a especifização (sic) da vida de cada um) e sendo a diversidade humana justamente a razão de ser da literatura, que estimula o sentido da unicidade do homem e o transforma de animal social em eu autônomo, decorre que a estética é a mãe da ética, ou seja, em sentido antropológico: antes de ser uma criatura ética, o ser humano é uma criatura estética. E ainda, mais especificamente, se aquilo que nos diferencia dos outros animais é a palavra e sendo o poeta o instrumento de que se serve a língua para existir e renovar-se, a poesia – enquanto realização suprema da palavra – é a meta de nossa espécie. Se o lirismo é quem faz sobreviver uma obra de arte, o lirismo é a ética da linguagem. (Grifos meus)

A afirmação “antes de ser uma criatura ética, o ser humano é uma criatura estética” dá uma nova dimensão não só à arte da palavra, ou seja, à poesia, mas à arte como um todo, como “produção consciente de obras, formas ou objetos voltada para a concretização de um ideal de beleza e harmonia ou para a expressão da subjetividade humana” (Houaiss). Ou seja, para Brodski, a reflexão do homem a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico é anterior à sua posição ética. E, mais ainda, ao afirmar que “Se o lirismo é quem faz sobreviver uma obra de arte, o lirismo é a ética da linguagem”, Brodski coloca a subjetividade e as formas que deixam transparecer o estado de alma do autor como sendo a essência das normas e valores presentes numa realidade social expressos no texto poético.
Como prossegue Bernardini,

Quanto mais rica for a experiência estética, tanto mais segura será a escolha moral e tanto mais livre o homem. Daí o famoso dito de Dostoiévski de que a beleza salvará o mundo. A arte anima a realidade e corre paralela à história. Os poetas dizem a história por meio de sua linguagem progressiva. A literatura é o antídoto que temos contra a lei da jângal: uma existência que ignora os critérios propostos pela literatura é uma vida inferior. (grifos meus)

Ao vincular a experiência estética à escolha moral do homem, e, mais ainda, ao afirmar que se ignorarmos os critérios propostos pela literatura estaremos nos igualando à lei da floresta selvagem, Brodski reforça a precedência da estética sobre a ética, da arte sobre as normas e valores humanos, pois é “a beleza que salvará o mundo”(da obra O Idiota).
No último trecho em que parafraseia Brodski,  Bernardini escreve: 

Recorremos à poesia por razões inconscientemente miméticas. Por utilizar o modo analítico de cognição, mas orientar-se principalmente para os modos da intuição e da revelação, o exercício poético é um acelerador de consciência. Enfim, literalmente: “A sociedade, maioria por definição, presume ter outras opções que não sejam as de ler versos, por mais bem escritos. Ao deixar de ler versos, entretanto, arrisca-se a cair naquele nível de elóquio em que uma sociedade é presa fácil de demagogos e tiranos”.   (grifos meus)

Se a poesia, portanto, é recriação da realidade, por meio da intuição e da descoberta, e a atividade poética energiza nossos sentimentos e conhecimento, ao deixarmos de ler versos nos tornamos presas fáceis do discurso de demagogos e tiranos.
Apesar de não termos tido acesso direto à “Quase uma elegia” (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, trad. de Boris Schnaiderman e Nelson Ascher), esgotada, acreditamos que esta introdução de Bernardini à obra de Josef Brodski, seja de uma perspectiva literária ou filosófica, nos instiga à leitura de sua obra poética que, segundo Bernardini, “não somente sustenta a teorização do autor, mas, para usar um termo que ele haveria de repudiar de imediato, a torna dialética”. 

 * Sigrid Renaux é Professora do Mestrado em Teoria Literária do Centro Universitário Campos de Andrade, em Curitiba.

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