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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Mimesis, a obra fundamental de Auerbach

Edna da Silva Polese
A obra Mimesis – a representação da realidade na literatura ocidental, publicado em 1946 por Eric Auerbach (1892-1957) configura-se com um dos trabalhos referenciais para os estudiosos da área de letras. A proposta do autor debruça-se em apresentar a abordagem de textos desde a antiguidade greco-romana, começando por Homero, até a produção da modernidade, terminando com Virginia Woolf. O método apresentado pelo autor consiste em comparar produções textuais de um determinado período, observando principalmente o que ele chama de representação da realidade e  direcionando a leitura para o processo de cristianização no mundo ocidental.
No primeiro capítulo, para ficarmos com um desses exemplos, Auerbach trata de duas narrativas aparentemente impossíveis de conterem algum tipo de ponto de convergência: a narrativa épica grega e a narrativa bíblica. Os trechos escolhidos são o episódio sobre o reconhecimento de Ulisses quando retorna à Ítaca e o episódio do sacrifício de Isaac.
No canto XIX da Odisseia, ocorre o reconhecimento de Ulisses: introduzido no palácio, disfarçado de mendigo, Ulisses é levado para lavar-se. A velha serva da casa, Euricleia, ao tocar no joelho do amo, percebe, pela cicatriz, tratar-se de Ulisses. Dá-se o que Auerbach chama de “elemento retardador”, pois, na sequência, a narrativa volta ao tempo para explicar como Ulisses adquirira a cicatriz. O “avançar e retroceder” na narrativa homérica é, para Auerbach, interpretado como uma necessidade do estilo homérico de “não deixar nada do que é mencionado na penumbra ou inacabado.”(AUERBACH, p. 3)
Em contrapartida, dá-se a leitura e interpretação de um dos episódios do Gênesis, no qual se relata o sacrifício de Isaac. Na narrativa bíblica, tudo ocorre de maneira rápida, sem explicações detalhadas acerca do chamado de Deus e da angústia de Abraão ao levar o filho, Isaac, ao local do sacrifício.
Auerbach compara as duas narrativas, a homérica e a bíblica, observando como na narrativa bíblica há a ausência de explicações e profundidade dos detalhes. São obras de cunho totalmente diferentes. Em Homero há a busca do ludismo, de representar a essência do homem grego e sua história. Na Bíblia há o mito fundador, a verdade fechada, que serve como paradigma aos crentes. No entanto, a leitura que Auerbach  demonstra uma nova reviravolta: A de que os personagens homéricos são retratados num mundo extremamente detalhado e rico que lhes tira a profundidade psicológica; ao passo que os personagens bíblicos vivem situações de pesar que lhes imprimem uma profundidade até então não observada em outros textos. Acompanha-se, por exemplo, o sofrimento de Abraão, cumprindo a ordem dada por Deus em sacrificar seu único filho, Isaac. Auerbach comenta:
O mais importante, contudo, é a multiplicidade de camadas dentro de cada homem; isto é dificilmente encontrável em Homero, quando muito na forma da dúvida consciente entre dois possíveis modos de agir; em tudo o mais, a multiplicidade da vida psíquica mostra-se nele só na sucessão, no revezamento das paixões, enquanto que os autores judeus conseguem exprimir as camadas simultaneamente sobrepostas da consciência e do conflito entre as mesmas. (AUERBACH, p. 10)
Com esse direcionamento, Auerbach discute como a literatura ocidental se reorganizará a partir da concepção desses dois mundos: o grego e o judaico-cristão.

Um comentário:

  1. No último parágrafo, Abraão obedece, mas DEUS não permite o sacrifício de seu filho Isaac.

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