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segunda-feira, 22 de julho de 2013

A derrocada das ciências da educação nas propostas curriculares de escolas curitibanas


Prof. Dr. Edson Riberio
 
 
Parece um imenso paradoxo reconhecer que, enquanto as propostas curriculares oficiais feitas no país a partir da década de 90 tentam atualizar a escola brasileira em relação ao que as ciências da educação e da cognição vêm apregoando desde o começo do século XX, as escolas curitibanas têm não apenas ignorado a verdade científica, mas transformado os seus currículos em uma coletânea de noções amparadas unicamente em achismos subjetivos e no senso-comum.

Poderia ser apenas risível, se não fosse uma ofensa ao conhecimento científico e uma zombaria para com leis aprovadas e implantadas.

Não se trata apenas de desconhecimento do que as ciências norteadoras da educação têm defendido ou contestado. Trata-se, ao contrário, de um esforço consciente para trazer de volta as noções preconcebidas que orientaram a formação dos profissionais que atuam nas escolas. Estes, por sua vez, apoiam as suas convicções pessoais, baseadas no achismo de quem confessa nunca ter lido textos científicos, na vontade que os pais dos alunos têm de reencontrar uma escola onde se fale apenas em costumes, mas nunca em conhecimento científico. Dessa forma, o aluno precisa saber de cor os hinos do país, do estado, do município e da escola, mas não precisa saber quem foram os maiores escritores ou compositores do país, nem as teorias que explicam por que ele está aqui. Ele precisa ter seus cadernos com capas e margens, mas o que se encontra ali é apenas cópia de exercícios dos livros didáticos. Nenhum texto produzido, nenhuma obra lida.

A ideia de que a escola de antes era boa, e de que foram as modernidades científicas que geraram a crise de falta de rendimento se apoia na visão altamente condescendente que pais e professores têm de si mesmos. Acreditam que a escola em que estudaram fez deles modelos de sucesso e de cidadania. E que bastaria que as escolas de agora trouxessem de volta os sistemas de avaliação e as regras de conduta da escola tradicional e tecnicista que a crise estaria resolvida. Na verdade, é suficientemente sabido que a escola brasileira, em nenhuma época, foi exemplo de sucesso. E o professor de hoje, assim como os pais, são resultados de uma escola que não ensinou conhecimento científico nem artístico, que não habituou seu aluno a ler nem a escrever, mas que passa por ter sido uma escola satisfatória porque nem esses pais nem esses professores acreditam que o que o ensino não lhes deu seja importante. Exemplos notórios dessa visão são as ações movidas contra o concurso público recente, por ele ter incluído questões sobre Machado de Assis, na prova de língua portuguesa, ou por ter feito uma questão sobre os movimentos estudantis de 1968 em Paris, na de história. O professor que leu apenas um livro de Machado, na época da faculdade, diz que o edital do concurso deveria ter listado as obras a serem lidas, mesmo que entre os conteúdos estivessecontido história da literatura brasileira; o professor de história alega que esses movimentos de 68 não caem nos livros didáticos que as escolas adotam, o que o eximiria da obrigação de conhecer cientificamente, e não apenas didaticamente, a sua disciplina.

A derrocada do conhecimento científico se manifesta, por exemplo, no ensino de gramática das escolas curitibanas, que nem ao menos conhecem o conceito linguístico de gramática. Acreditam que gramática são as regras para se escrever e passam os muitos anos de escolarização repetindo isso para o aluno. Exemplo notório neste sentido são os projetos de literatura, como a da Escola Ângelo Trevisan, em que os alunos leem fascículos comprados em bancas de jornal, sobre aves ou dinossauros, como sendo literatura. Porque os pais acham que é. E acham que ler sobre aves é mais útil que ler Machado ou Graciliano, autores aos quais a escola impede o acesso pelo aluno. Ou os sistemas de avaliação que ignoram o conceito de avaliação defendido pela ciência da pedagogia. O que prevalece é a noção de avaliação da mãe do aluno, que paga para fazer o trabalho de pesquisa que a escola pediu, mas que não considera produção de texto ou leitura como formas legítimas de avaliar. Isto leva as escolas curitibanas a descumprirem o que as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Deliberação 007/99 definem como regras oficiais para a avaliação. Uma delas, a de que provas e testes devem valer menos do que a maioria absoluta do total da nota; outra, a de que a escola nunca pode usar menos do que três formas diferentes de avaliação.  Assim, basta olhar as propostas das escolas em suas páginas na internet e ver que elas têm provas valendo 8,0 ou 10,0 pontos, ou perceber que não há nada além de prova e uma pesquisa valendo nota. O Colégio Santa Felicidade é um exemplo notável dessa facilitação a professores e alunos.

A própria linguagem em que as propostas pedagógicas estão elaboradas demonstra um domínio exíguo da língua. Não parecem obra de profissional formado. Mas são. Por isso, torna-se impossível não vincular todo esse desconhecimento das ciências à má qualidade da formação desses profissionais. Se os pais, tantas vezes, não chegaram a fazer um curso superior, o professor chegou, e deveria ser ele o responsável por vencer os achismos e o senso-comum que a verdade científica já desconstruiu e lutar pela implantação daquilo que há décadas as propostas curriculares vêm defendendo. Elas, sim, vieram das mãos de profissionais qualificados.

 

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