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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Amar, Verbo Intransitivo de Mário de Andrade


Prof. Edna da Silva Polese

A obra Amar, verbo intransitivo foi publicada em 1927 reforça uma das marcas mais recorrentes do autor. Além de focar o tema do amor, chamado por ele de amor idílico, subtítulo da obra, destaca-se o experimentalismo com a própria língua. É fato a presença de um português mais realista, se é que podemos chamar assim, pois Mário de Andrade sempre acreditou nesse projeto da literatura poder expressar-se de uma maneira mais solta, personificando a língua viva e falada. Anos mais tarde, o que se percebe é essa tentativa de Mário como necessária para dar novos rumos à literatura – proposta de toda a geração de 1920. Alguns trechos do romance parecem exagerados nesse sentido de se expressar como a língua viva. Mas essa marca era bastante consciente no autor. Assim, em notas sobre essa e outras obras, ele mesmo comenta sobre essas questões. As idas e vindas do texto para os editores mostram o cuidado que Mário de Andrade tinha com a questão da língua. Não se supunha uma atitude leviana, mas pensada em seus detalhes. No prefácio da edição da Nova Fronteira, de 2013, Marlene Gomes Mendes resgata trechos de notas do próprio Mário de Andrade tecendo comentários sobre a obra:

Desde que principiei abrasileirando a minha literatura, tomei sempre tento nisso: se emprego termos, locuções, sintaxes de povo, não faço fala de povo porém literatura, isto é, busco enobrecer na linguagem escrita os monumentos populares. Carece não esquecer que entre  linguagem falada e linguagem escrita vai um abismo quase. É lógico que não basto eu para enobrecer modismos populares porém muitos estão fazendo a mesma coisa. Daqui a 100 anos os nossos netos saberão o que ficou corrente na língua brasileira. Edifico na areia sei bem. Porém as ruínas de mistura com a areia vão fazer chão duro para edificações futuras. Não faço arte. Minhas obras não passam de ações. (p. 11)

Mário de Andrade deixa claro que seus textos correspondem a um projeto, uma postura diante da arte e da literatura. Ao enfatizar que suas obras não passam de ações, o autor aponta essa postura, de que não pretende escrever algo definitivo, nem obedecer às regras de um romance. Assim, a leitura de Amar, verbo intransitivo, apesar de mais leve, também cobra do leitor uma certa esperteza, algo que é bem mais evidente com a leitura de Macunaíma, para muitos, ainda, um tipo de texto estranho. As inúmeras pausas do autor, seja para comentar sobre o próprio andamento da narrativa, seja para conversar com o leitor, entre outras, revelam as marcas do romance pós-moderno em que as fronteiras entre texto, autor e leitor ficam tênues. Há longos trechos no corpo do romance em que Mário de Andrade comenta sobre a personagem principal: sua personalidade, seus sonhos e desilusões. Comenta ainda sobre a maneira como escolheu para montá-la, como se inspirou, como a percebe. Comenta ainda, com ares de humor, qual a pretensão de leitores que terá: “Volto a afirmar que o meu livro tem 50 leitores. Comigo 51.” Brinca ainda com a recepção do leitor, pois, para cada um deles, se fixarmos o número 51, ter-se-ia, segundo Mário, 51 Elzas, 51 Fräuleins, 51 personagens diferentes, cada uma fruto da imaginação particular de cada leitor. Toda essa ousadia, todo esse modo de narrar que fugia do tradicional, marcam a obra de Mário de Andrade. A leitura soa estranha ainda hoje.
Em carta a Manuel Bandeira, Mário de Andrade sintetiza essa postura crítica de perceber toda a ação artística como um projeto, uma forma de pensar como a literatura deveria expressar-se:

O livro é uma mistura incrível. Tem tudo lá dentro. Crítica, teoria, psicologia e até romance: sou eu. E eu pesquisador. Pronomes oblíquos começando a frase, ‘mandei ela’ e coisas assim, não na boca dos personagens, mas na minha direta pena. Fugi do sistema português. Que me importa que o livro seja falho? Meu destino não é ficar. Meu destino é lembrar que existem mais coisas que as vistas e ouvidas por todos. Se conseguir que se escreva brasileiro sem por isso ser caipira, mas sistematizando erros diários de conversação, idiotismos brasileiros e sobretudo psicologia brasileira, já cumpri o meu destino. Que me importa ser louvado em 1985. O que eu quero é viver a minha vida e ser louvado por mim nas noites antes de dormir. Daí: Fräulein. Confesso-te que sou feliz.

O que se destaca é o Mário de Andrade pesquisador, o  intelectual responsável por dar um novo rumo ao modo de expressão da língua. Daí a tranqüilidade diante das “falhas” do livro, pois o que importa é o projeto, a pesquisa. A postura anti-romântica sobre a eternidade também parece tranqüila, apesar de não proceder. Mário de Andrade não foi esquecido. Sua forma de ver e perceber a arte e a literatura brasileira ainda merece muitas visitas e reflexões. Seu Macunaíma marca toda uma época e abriu as portas para a reflexão sobre a arte e a cultura brasileira. Amar, verbo intransitivo ultrapassa o tema do amor idílico e posiciona-se como uma obra que reflete o pesquisador por detrás do romancista.

 

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