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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Revelações: Poetas do 8º Período de Letras

*Sigrid Renaux

No decorrer das aulas de Poesia Norte-Americana, 1o. bimestre da disciplina Literatura Norte-Americana II, do curso de Letras Português-Inglês da UNIANDRADE, os alunos do 8o  Período tiveram a oportunidade de apresentar seus próprios poemas. Foi uma revelação surpreendente, para os próprios alunos, de quanto talento e entusiasmo seus versos estavam impregnados. E, mais ainda, como a maioria dos poemas tinha como tema recordações da infância, prova de como as imagens que retemos dessa época brotam espontaneamente quando escrevemos sem nos preocupar demasiadamente com as regras e os esquemas métricos das diferentes formas de liricidade, consagrados pela tradição literária. Seguem, pois, poemas de três alunos, com comentários nossos. No próximo blog serão comentados poemas de outros alunos.

FABIANO CAPISTRANO DOS SANTOS: “INFANTE”
 Quem era eu? Não importava...
 Queria mesmo apenas sonhar...
              Sem saber o bem, o mau não assustava,
  Somente brincando sem pensar;

Na meninice doce e divertida
                      Em total inocência inicia-se o aprendizado,
      Uma marcante lição pra toda vida
 Em acontecimento inesperado;

Recebe para seu uso no futuro
       Um ganho que não o fará inseguro
           Mas o deixará certamente mais forte.

            O menino que não sabe o que é sofrer
                     Recebe na tenra infância mesmo sem querer
  Sua primeira tonelada de morte.

Composto de dois quartetos e dois tercetos, o soneto tem como tema a infância. O uso de “infante”, no título, remetendo tanto ao substantivo – criança, menino – como ao adjetivo – relativo à infância – adquire, pela sua diacronia, conotações de tempos passados e, portanto, de saudade. Os versos, ligados fonicamente pelo esquema de rimas a/b/a/b, c/d/c/d, e/e/f, g/g/f, valorizam, assim, as lembranças do “eu poético”, a refletir sobre sua “meninice” (verso 5). Esta reflexão abrange não apenas os sonhos, as brincadeiras, mas simultaneamente o aprendizado (verso 6), que o “deixará certamente mais forte” (verso 11). O terceto final revela, entretanto, a profunda ligação entre o início e o final da vida, pois, mesmo sem saber “o que é sofrer” (verso 12), este menino já “recebe na tenra infância” (verso 13) “sua primeira tonelada de morte” (verso 14). O eu poético acrescenta assim, à leveza da infância que atravessa o poema, o peso de um tonel repleto, que pode simbolicamente evocar tanto alegrias, como, neste soneto, evocar o peso da morte, universalizando, assim, sua criação artística.


  ELISÂNGELA NARDI: “INFÂNCIA”

A pequena mão que se enroscava
Aos cabelos da pessoa amada
Buscando proteção nas noites escuras
Havia perdido a pequenez

Havia também perdido a proteção
Outro coração tomou o seu lugar
Será este outro coração
Mais puro que o seu

Mais desamparado que o seu
Mais quebrantado, ou será apenas
Seu protetor deslumbrado com
Um coração recém-chegado. 

Evocando uma cena da primeira infância, este poema revela as sensações de uma criança ao imaginar ter perdido o amor da “pessoa amada” – a figura materna? – pelo fato de outra criança – “um outro coração” – ter tomado o “seu lugar”. Composto por três quartetos, efeitos sonoros diversos equilibram o texto sonora e ritmicamente: rimas finais (proteção/coração), rimas internas (desamparado/ quebrantado/ deslumbrado/-chegado; mão/proteção), aliterações (pequena/ pessoa/ perdido/ proteção/ pequenez/ puro/ protetor), além da repetição de termos como  “proteção” (2 x) “coração”(3 x), “perdido”(2 x), que ressalta a tríade da proteção perdida para um outro coração. O eu poético fala em terceira pessoa, através de sinédoques – a pequena mão – e, assim, valoriza sua procura por proteção “nas noites escuras”. A “pessoa amada” também é concretizada através de outra sinédoque – os “cabelos” – com suas conotações simbólicas de energia, fertilidade, amor (como proteção), e que o “eu poético” havia perdido. A dúvida que permanece, para esta criança que havia perdido sua “pequenez” e, consequentemente, a “proteção” materna, é por este “outro coração” – sinédoque de “outro irmão” – ser mais frágil   (mais puro/ desamparado/ quebrantado) ou pelo fato de a mãe estar mais “deslumbrada” por este “coração recém- chegado”. Esta incerteza também universaliza a experiência vivida pela criança¸ ao se sentir desprotegida diante de uma nova realidade, com a qual não consegue ainda lidar.

JAQUELINE KUPKA: “MINHA INFÂNCIA”

Nostalgia! Alegria! Estripulias!  
No lombo de um cavalo sentia o vento
No galope dele me sentia livre
          Liberdade de sentir e ser o que sempre quis ser

      Queria tocar o céu e com cada estrela 
      Poder desejar ir além dos meus sonhos
Queria poder estar cercada pelos primos
Por quem tenho grande apreço e amo

Queria ter sido menos peralta 
Não receber as broncas que recebi de minha mãe
Tanto na escola quanto em casa
Pois além de mãe, foi minha professora

Queria ter menos ciúmes de meu irmão  
E, ao invés de competir com ele, aproveitar cada momento ao lado dele
Meu pai: pra mim foi sempre meu ídolo e modelo de caráter
Minha mãe: brava, porém com um coração gigante e modelo de caráter

Meu irmão quebrou meu monopólio de atenção
Com ele, perdi lugar no quarto de meus pais
Tive que ir pro meu quarto: sozinha
A solidão sempre me foi uma boa companhia

Gostaria de não ter perdido minha avó Julia
Está certo que ela não me dava muita bola
Só comprava chocolate para as minhas primas
Mas por quem eu chorei muito quando partiu...

Tive o privilégio de ter duas mães e dois pais
Minha mãe preta já se foi,
Meu pai preto ainda está aqui
Com eles eu podia fugir um pouco das regras de meus “pais brancos”

Com meus “pais brancos” aprendi muita coisa
Só com um olhar eu já sabia
Que o amor deles era incondicional
E que eles dariam a vida por mim

Sempre sonhei em quebrar um braço ou uma perna
Fiz muitas coisas pra conseguir
Mas não quebrava nenhuma unha
Meu irmão quebrou...

Sabores!! Cheiros!! Lugares!!
Ficava esperando ansiosa pelo fim de semana
Na fazenda de meu avô eu comia, sentia e aproveitava
Frango caipira, rios, pescar e andar a cavalo
Fui privilegiada!

Minha infância foi muito boa 
Dela, eu trago amizades, amores
E, principalmente, uma lição:
Galopar sempre, ser sempre
Sentir sempre, amar sempre
Viver intensamente

O poema “Minha infância” transborda com as mesmas emoções dos poemas acima, mas em 9 quartetos, seguidos de 1 quinteto e 1 sexteto, demonstrando, assim, a exuberância do “eu poético” ao rememorar episódios de sua meninice. Ao iniciar o 1º. quarteto com “Nostalgia! Alegria! Estripulias!”, como também o 10º., com “Sabores!! Cheiros!! Lugares!!”, fica demonstrado seu entusiasmo em rememorar cenas como estar cavalgando ao vento, ação que transporta o “eu poético” a outros universos: tocar o céu e as estrelas, ir além de seus sonhos. A repetição de “queria” – o imperfeito indicando, no passado, uma ação em processo de realização e concebida como não concluída – na 2ª, 3ª. e 4ª. estrofes, caracterizando, deste modo, um paralelismo sonoro, sintático e semântico, aproxima as ações, ao colocá-las dentro de uma estrutura de similaridade: desde os sonhos, a presença dos primos, as censuras da mãe e da professora por sua “peraltice”, os ciúmes do irmão mais novo. Em seguida, recordações das figuras do pai, da mãe, da avó Júlia, dos “pais pretos” com os quais “podia fugir um pouco das regras de meus ‘pais brancos’” – demonstrando o carinho que nutria por esse segundo casal de pais , bem como a ansiedade com que aguardava os finais de semana para poder usufruir dos “Sabores!! Cheiros!! Lugares!!” da fazenda de seu avô. A última estrofe não apenas conclui positivamente suas recordações, mas extrai da infância uma lição – lição esta que nos faz retornar ao 1º. quarteto – o “galopar sempre”, tão simbólico de liberdade de sentir, viver e amar, o que é confirmado pelas conotações simbólicas do cavalo: dentre outras, força e liberdade. Deste modo, mesmo com esta visão tão pessoal de sua infância, o “eu poético” novamente estende suas experiências a todos nós, leitores, ao nos identificarmos com essas experiências, por meio de um complexo de imagens impregnadas de emoção.

Que esses poemas sejam o início de uma trajetória criativa interminável!


*Professora das disciplinas Teorias da Poesia e Poéticas da Modernidade: dos formalistas russos a Bakhtin,  no Curso de Mestrado em Teoria Literária da UNIANDRADE

Um comentário:

  1. Que esses poemas sejam o início de uma trajetória criativa interminável! Que seja assim.

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