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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Considerações sobre Esse ofício do verso de Jorge Luis Borges


Profa. Sigrid Renaux

Entre 1967 e 1968,   Borges proferiu uma série de palestras em inglês na Universidade de Harvard. Essas “palestras perdidas”, transcritas de fitas só recentemente descobertas e publicadas sob o título Esse ofício do verso (do original This craft of verse), são “um testemunho inédito da leveza e elegância com que um dos maiores escritores do século XX trata os enigmas da língua e da literatura”, como consta na orelha do livro.  As seis “lições” de Borges abrangem desde “O enigma da poesia”, “A metáfora”, “O narrar uma história”, “Música da palavra e tradução”, “Pensamento e poesia”  até “O credo de um poeta”.

Concentrando-nos na primeira palestra, o “Enigma da poesia”, destacam-se, entre outros tópicos,  algumas ponderações memoráveis, como sua afirmação inicial a “uma platéia de leigos”:

não tenho revelações a oferecer. Passei minha vida lendo, analisando, escrevendo (...) e desfrutando. Descobri ser esta última coisa a mais importante de todas. ‘Sorvendo’ poesia, cheguei a uma derradeira conclusão sobre ela. De fato, toda vez que me deparo com uma página em branco, sinto que tenho de redescobrir a literatura para mim mesmo. (BORGES, 2007, p. 10)

Essas palavras nos remetem diretamente ao tópico “o enigma da poesia”, não apenas  no sentido de que existe algo oculto na poesia, que precisa ser revelado, mas no sentido de que a própria palavra “poesia” parece afastar o leitor comum de sua leitura, por considerá-la mais difícil de ser assimilada rapidamente, como se dá com a prosa. E é exatamente a palavra “desfrutar” – usufruir, ou no sentido figurado, “deleitar-se com; apreciar”– e, como Borges diz adiante, “sorvendo poesia”, com seus sentidos de

 

- inspirar (o ar, com os aromas ou substâncias nele contidos); inalar, aspirar

- embeber-se ou impregnar-se de; sugar, absorver

  - (metaforicamente)  escutar com grande atenção, como que a beber as palavras

 

que nos levam ao âmago da questão: a poesia não deve ser apenas lida linearmente, como a prosa, mas necessita ser inspirada  como o ar por nosso corpo, através dos olhos, absorvida por nossos ouvidos para podermos nos impregnar dela,  através de nossa sensibilidade, o que acontece, evidentemente, quando escutamos atentamente sua leitura, como que bebendo as palavras do poeta que a recita.  Portanto, é um ato simultaneamente físico, intelectual e estético, pois a poesia  é “uma paixão e um prazer” (p. 11).

         Como Borges continua sua argumentação  – e esse é um outro aspecto muitas vezes negligenciado pelos alunos – fazemos  geralmente uma “confusão corriqueira”: pensamos que, ao lermos Homero, Dante, ou Shakespeare, estamos  “estudando poesia. Mas os livros são somente ocasiões para a poesia” (p. 11),  ou seja, “um livro é apenas um objeto físico num mundo de objetos físicos. É um conjunto de símbolos mortos. E então aparece o leitor certo, e as palavras – ou antes, a poesia por trás das palavras, pois as próprias palavras são meros símbolos – saltam para a vida, e temos uma ressurreição da palavra” (p. 11-12).

         É esta relação de contato, de fruição entre texto e “leitor certo” que precisa existir quando lemos livros de poesia, para a palavra num texto readquirir vida e saltar de sua leitura linear para a multi-dimensional,  transformando-se de  símbolo abstrato em palavra ressurgida.

        

 

 

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