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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O romance da pedra do reino, múltiplos romances, múltiplo mundo


Profa. Dra. Edna da Silva Polese

 

Em Formas de tempo e de cronotopo do romance, Bakhtin apresenta a mutação sofrida pelo romance a partir da antiguidade grega e apresenta-as na seguinte ordem: O romance grego – romance de aventuras e provação; Apuleio e Petrôneo – romance de aventuras e costumes; Biografia e autobiografia antigas – romance biográfico; O problema da inversão histórica e do cronotopo folclórico; O romance de cavalaria; Funções do trapaceiro, do bufão e do bobo no romance; O cronotopo de Rabelais; Fundamentos folclóricos no cronotopo de Rabelais e, por último, o Cronotopo idílico no romance.

     Dessas chamadas “formas de tempo”, é possível destacar os seis primeiros para adentrar algumas maneiras de se ler a obra monumental de Ariano Suassuna.

     Romance que representa um projeto ainda inacabado, o Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta, reúne em si não uma ou duas, mas várias das características que a forma do romance, de acordo com os ensaios de Bakhtin, apresenta.

     Se fizermos uma breve visita à abertura do livro, já estaremos emaranhados num leque de possibilidades de leituras que a obra possui:

     As epígrafes, localizadas logo no início do romance, podem ser utilizadas como um dos exemplos da variedade possível que a leitura desse romance proporciona. Vale lembrar que, de acordo com o Dicionário de Termos Literários, a epígrafe alcança o sentido moderno de representar o lema ou divisa de uma obra, demonstrando algum tipo de articulação do conteúdo do texto com o fragmento apresentado na epígrafe. No romance de Suassuna, fica claro que a epígrafe tem a função articulatória, pois os “autores” relembrados pelo autor, ou pelo narrador da obra, são, em seqüência: Dom Sebastião, o Desejado; Dom Antônio Conselheiro; Dom Pedro I; Dom José Pereira, denominado rei pelo narrador do texto, por ter participado do confronto ocorrido em Princesa, Sertão da Paraíba em 1930; e Dom João Ferreira-Quaderna, o rei da Pedra Bonita.

     Desse modo, é possível perceber, logo na abertura da obra, que a formulação de Suassuna, através de Quaderna, o protagonista, foge aos dogmas do romance convencional, pois apresenta epígrafes de figuras históricas que sequer são conhecidas como literárias e, ao mesmo tempo, apresenta o link que ocorrerá com a proposta final: a elaboração de um romance sertanejo, épico, clássico, picaresco, histórico, poético que reviverá os acontecimentos factuais ocorridos em várias regiões do sertão nordestino, como o massacre da Pedra do Reino, assim como fatos políticos que envolveram vários anônimos, mas também o pai do autor, assassinado em circunstâncias políticas à época dos acontecimentos envolvendo a figura política de João Pessoa. Também é clara a lembrança de um dos temas recorrentes no romance, o sebastianismo, configurado na figura do rei português, desdobrado nas figuras de Antonio Conselheiro e João Ferreira, beatos que em diferentes momentos agruparam seguidores numa jornada religiosa e social em busca de uma vida melhor.

No prefácio dessa edição de A pedra do reino, Rachel de Queirós registra:

 

À primeira vez em que Ariano Suassuna me falou da Pedra do Reino disse que estava escrevendo “um romance picaresco.” (...) Mas o paraibano me enganou. Picaresco o livro é – ou antes, o elemento picaresco existe grandemente no romance, ou tratado, ou obra, ou simplesmente livro - sei lá como é que diga! Porque depois de pronto A Pedra do Reino transcende disso tudo, e é romance , é odisséia, é poema, é sátira, é apocalipse...”

 

A falta de uma qualificação exata e, principalmente por registrar o elemento picaresco, faz do romance de Suassuna um enigma– faltam-lhes registros, conceitos. A Pedra do Reino está dividida em 86 folhetos, enumerados em romanos, separados em cinco livros. A continuidade desse projeto, o romance História d´O rei degolado nas caatingas do sertão: ao sol da Onça Caetana, ainda sem previsão de publicação, dá a idéia da dimensão do trabalho que Suassuna realiza em sua vida literária.

 

[1] BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética – A teoria do romance. São Paulo: Unesp, 1993.

[1] SUASSUNA, Ariano. Romance d´A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. 5º ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

[1] MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.p. 189

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