Prof. Sigrid Renaux
O curso PIS “A Narrativa Fantástica: teorias e
textos”, oferecido este semestre pelo
Mestrado em Teoria Literária, tem como objetivo não apenas introduzir os alunos
à narrativa fantástica, apresentando seu histórico, perspectivas teóricas, temas, motivos e funções do fantástico mas,
principalmente, fazer uma leitura contextualizada, interpretativa e crítica de
contos e romances da literatura
fantástica européia, norte e sul-americana, incluindo a brasileira. Partindo, portanto, – das considerações teóricas de Eric Rabkin,
para quem os mundos fantásticos surgem como uma alternativa para o mundo real e
que, independentemente do que faz uma história fantástica, ela será importante
na medida em que engaja o mundo real;– e
das conceituações de Tzvetan
Todorov, para quem o “Fantástico dura apenas o tempo de uma
hesitação” entre decidirmos se as leis
da realidade permitem explicar o fenômeno descrito – e estaríamos no Estranho –
ou se devemos admitir novas leis da natureza para explicar o fenômeno – e
entraríamos no gênero do Maravilhoso,iremos comentar alguns aspectos do primeiro conto analisado no
curso – “O gigante egoísta” (1888) de
Oscar Wilde –, para demonstrar como, apesar de ser categorizado como um “conto
de fadas” e, portanto, dentro do Maravilhoso, a mensagem humana e religiosa do
conto ultrapassa em muito sua
categorização como “conto de fadas”.
Não há dúvida
que, numa primeira leitura, o conto, com seu estilo aparentemente simples, é
facilmente assimilado por crianças. Entretanto, as sutilezas humorísticas e irônicas
de Wilde já se iniciam ao comentar que
o Gigante, após passar sete anos no
castelo de seu amigo, o Ogre de Cornualha, decidira voltar a seu castelo,
porque “dissera tudo quanto tinha a dizer, pois sua conversa era limitada”.
Implicam, destarte, que os gigantes não primam pela conversa ou pela inteligência.
Lembrando-nos
que para as crianças qualquer adulto assume a estatura de um gigante, o título
do conto também nos remete ao simbolismo
desta personagem de contos de fadas –
egoísmo, tirania e forças adversas da natureza – o que igualmente irá se
concretizar na narrativa: ao voltar a seu castelo e ver as crianças que
regressavam da escola brincar em seu jardim ele as expulsa, afirmando
rispidamente que o jardim era apenas dele. E, após construir um muro alto em volta do jardim coloca nele um cartaz “É proibida a entrada – os transgressores
serão processados” .O comentário de Wilde que segue – “Era um Gigante muito
egoísta.” – deixa bem clara a mensagem para os jovens, reforçando o que já pressentiam: como o
egoísmo do Gigante tornou infelizes as crianças que brincavam no seu jardim. Entretanto,
o desenrolar dos acontecimentos – como o próprio jardim foi tomado pelo inverno
e que, apenas quando o Gigante reconheceu que havia sido egoísta e derrubou o muro que construíra, trazendo as
crianças de volta – vai muito além da conversão de um gigante egoísta.
Além da extrema beleza da narrativa, com
a descrição das árvores, flores e pássaros com os quais as crianças conviviam, de
sua graça e ternura e do maravilhoso cristão que permeia as falas e as ações do
menino que o gigante colocara numa árvore – e que, no final, descobrimos ser o
menino Jesus – o conto humaniza não apenas a natureza.
Humaniza principalmente o ser humano: o homem, que se tornou gigante em seu egoísmo,
e que só se tornará feliz ao enxergar os “outros” e não apenas a si mesmo, e
aprender a doar-se aos outros e, assim, crescer espiritualmente.
Esta é a
mensagem que permanece deste “conto de fadas”, cujo significado e importância
permanecem intocáveis através dos anos.
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